'Os Anéis de Poder': Ator comenta aguardada revelação de quem é Sauron

Esse texto contém spoiler do final da primeira temporada de 'Os Anéis de Poder'

Quando ele fez sua audição para a série "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder", da Amazon, Charlie Vickers não sabia que estaria interpretando dois papéis: Halbrand, um ser humano em conflito, e o maior dos enganadores, Sauron. Mas começou a suspeitar de alguma coisa já desde o início.

Durante a audição, o ator foi convidado a ler trechos de "Ricardo 3º", de Shakespeare, e "Paraíso Perdido", de John Milton –"ou seja, literalmente fiz um teste no papel de Satanás", ele recordou em uma conversa por telefone na quinta-feira (13) poucas horas antes que o episódio final da temporada um da série, uma prequela de "O Senhor dos Anéis", fosse ao ar, no dia seguinte. "Isso serviu como uma pequena indicação".

Mas foi só quando as gravações da temporada inicial estavam a ponto de ser retomadas, para o terceiro episódio (depois de uma pausa na produção por conta da Covid), que os showrunners Patrick McKay e J.D. Payne levaram Vickers ao set de uma fortaleza do mal, se voltaram para ele e disseram: "Salve, Lorde Sauron". "Aquele foi um momento seminal para mim", disse Vickers.

Embora não tenha sido ele que interpretou a versão do Senhor das Trevas que aparece em uma armadura repleta de esporões no prólogo do episódio um da série ("mas como eu queria ter feito aquela cena!", disse o ator), Vickers mergulhou em sua pesquisa sobre Sauron, lendo "O Silmarillion" na íntegra e vasculhando passagens obscuras do "Legendarium" de Tolkien como parte de seu "trabalho subconsciente".

Durante uma pausa na produção da segunda temporada, que está sendo gravada nos arredores de Londres, Vickers discutiu a grande revelação sobre o personagem e o que isso significa para a relação entre Halbrand e Galadriel (Morfydd Clark). Abaixo, trechos editados da conversa.

Qual é a sensação de ser a resposta à pergunta que atormentava a internet? Ou, bem, se você é Sauron, talvez curta atormentar a internet.
[Risos.] Com certeza. Talvez eu tenha sentido alguma forma de prazer doentio. Felizmente, tenho conseguido me manter longe da internet, mas é difícil. Tenho amigos que já estavam adivinhando que eu era Sauron desde o segundo episódio, e até agora eu não podia nem confirmar e nem negar essas suspeitas. Portanto, é um alívio.

O que tem sido bem interessante com relação à série é que ela não deixa de lado as lendas. Para as pessoas informadas, há "Easter eggs" [literalmente ovos de Páscoa; contextualmente, presentinhos escondidos] e dicas espalhados aqui e acolá. Quando você recorda o segundo episódio, agora pode chegar à conclusão de que "OK, aquilo fazia sentido no grande esquema das coisas". Assim, acho ótimo que tenha havido tanto debate.,

Você mencionou uma vez que encontrou coisas úteis nas cartas de Tolkien, embora não tenha especificado quais delas. Tomei a declaração como uma possível referência ao período em que Sauron parecia estar buscando redenção. Mas posteriormente os showrunners falaram sobre outra maneira de interpretar Sauron em sua versão Halbrand: como um sujeito viciado em poder. O que você encontrou em Tolkien que ajudou a moldar seu retrato?
Acho que o Sauron arrependido é uma ideia realmente interessante. Mas gosto de deixar a coisa meio ambígua, porque era ambígua na escrita de Tolkien, como na Carta 131, e no "Anel de Morgoth", da série de contos "História da Terra-Média". Ele fala de Sauron se arrepender "nem que tenha sido por medo". Acho o arrependimento dele fascinante —e é por isso que não quero necessariamente dizer de que maneira o interpretei, como ator—, porque isso cria duas [possibilidades] diferentes para Halbrand.

Se você pensar nele como genuinamente arrependido, e se ele quer escapar daquele caminho escuro e viver sua vida com humildade depois disso, então é Galadriel que inadvertidamente o atrai de volta ao poder. Ela lhe diz, na ferraria, que "não há paz aqui", e aquela cena ilumina toda uma ideia para ele: "Bem, você está certa, não existe paz para mim como uma pessoa normal. Minha paz está no poder. Eu preciso reinar. Preciso liderar". E ela literalmente lhe dá as chaves do reino, e o encaminha de volta às trevas. Isto é, se você o vê como genuinamente arrependido.

Mas, se você vê o arrependimento dele como fingimento, então ele na verdade está só reforçando ainda mais sua trapaça, e a enganando ainda mais, na medida em que Galadriel é uma ferramenta para que ele volte ao lugar onde quer estar. Você raramente vê Halbrand sozinho antes do episódio final, exceto naquele momento em que ele está na ferraria, olhando para sua bolsa e tomando sua decisão. Excetuado aquele momento, você o vê principalmente através dos olhos de outros personagens.

E ainda assim, ele parece estar a ponto de chorar, naquele momento de solidão.
Sempre gosto de pensar que, na metamorfose, a melhor maneira de enganar é assumir plenamente a forma daquilo que se está tentando retratar: é preciso pensar, sentir, viver, respirar como um homem humano. Somente ao encarnar aquela forma com toda a convicção ele seria capaz de enganar figuras tão imensamente influentes. E isso se aplica mesmo quando ele está sozinho, porque os deuses estão sempre observando. E sabemos que ele teme os deuses; sabemos que está assustado. Porque Tolkien diz isso explicitamente.

Ele pode usar Galadriel como ferramenta. Ela conhece as pessoas certas. Ela tem acesso às salas certas. Se estiver ao lado dela, isso só pode conduzir a coisas boas, desde que ele continue encoberto. Portanto, tomei uma decisão sobre a melhor maneira de abordar essa questão, sobre como torná-la real para mim. E que as pessoas interpretem como quiserem.

Você decidiu por si mesmo sobre muitos dos pequenos detalhes? Por exemplo, o que há em sua bolsa? Por que Halbrand estava no mar? Ele causou seus próprios ferimentos, para que Galadriel o levasse aos elfos?
Eu tenho uma opinião sobre o que ele carrega na bolsa, mas não vou falar sobre isso. Ele estar no mar pode ou não vir a ser explorado mais adiante. O ferimento, sim, acho que ele se feriu deliberadamente, porque sabia muito bem o que estava por vir. Ele pensou que tinha parado, mas sabe que só há uma maneira de sair daquela confusão. Ele arrisca a forma de Halbrand que havia assumido como forma de chegar aos elfos, porque entende que a única maneira de ser curado é por meio do poder e da magia deles.

Você acha que ele queria que Galadriel descobrisse a verdade?
Sim. Ele está pronto para que ela o veja pelo que realmente é, e acha que ela está pronta para conhecê-lo. Halbrand faz sua proposta a ela, e isso está intimamente ligado ao espelho de Galadriel em "A Sociedade do Anel". Dá à história um contexto interessante, em minha opinião.

Ele oferece fazer dela sua rainha. Podemos entender como uma proposta de casamento?
É algo sobre o que pensei muito, mas não creio que a resposta seja sim. W.H. Auden escreveu um ensaio sobre Tolkien, e disse algo do tipo "o mal só ama a si mesmo". ["O mal, escolhido desafiadoramente, não é mais capaz de imaginar outra coisa que não a si mesmo"). Portanto, acho que no caso da proposta dele a Galadriel, isso não pode significar que ele a ama ou que existe qualquer espécie de relação romântica. Não deve haver qualquer ambiguidade em torno do fato de que Sauron é mau —ele é terrível, e está usando Galadriel para aumentar seu poder.

Durante toda a temporada, ela lhe mostra uma maneira diferente de governar e talvez ilumine algumas coisas para ele. Assim, ao fazer sua proposta, acho que ele está dizendo: "Junte-se a mim e poderemos reinar, e eu vou poder coordenar tudo e reabilitar a Terra-Média". Mas, tendo dito isso, acho também que ele teria chegado a esse ponto de qualquer maneira, sem ela. Ele teria decaído de volta para o mal. Era inevitável.

O pessoal que vive "shippando" Haladriel vai se desesperar.
[Risos] A propósito, "shippando" é uma palavra que aprendi com Morfydd! Espero que as pessoas percebam que qualquer tipo de sentimento romântico, que não poderia existir, desaparece no ar.

Qual é o plano a seguir, se considerarmos que Sauron é um metamorfo?
Há muitos rodeios e reviravoltas, quanto ao personagem de Sauron. Sabemos que [seu disfarce como] Annatar é uma parte importante demais daquele mundo, e a perspectiva quanto a isso realmente me empolga. Não posso dizer muito mais do que isso.

Annatar é o senhor dos presentes. Você recebeu ou deu algum presente no set? Talvez aquele maravilhoso manto com capuz que você usa para viajar a Mordor?
Eu amo demais aquele manto! Infelizmente, não consegui ficar com ele. Tenho um presente que me foi dado por um dos dublês, Daniel Andrews, uma camiseta que traz um desenho feito por um artista e mostra Halbrand fazendo aquela manobra, virando a espada. Essa é uma manobra que Danny faz; ele desenvolveu a técnica há 30 anos e vinha tentando usá-la em uma série ou filme desde então. Nenhum produto com a imagem de Halbrand foi lançado, e por isso eu não ousei usá-la até agora, nem mesmo em casa. Mas essa é um suvenir muito bacana.