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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

'A Casa do Dragão': Steve Toussaint fala sobre seu destemido lorde Corlys

Ator, que é negro, enfrentou resistência por fazer personagem de uma linhagem branca segundo o livro

Steve Toussaint em cena da série

Steve Toussaint em cena da série "A Casa do Dragão", inspirada em "Game of Thrones" Divulgação

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Sean T. Collins
The New York Times

Inclui spoilers sobre os dois primeiros episódios de "A Casa do Dragão".

Lendário explorador, comandante naval, senhor de uma casa nobre e por muito tempo um aventureiro que ganhou a vida no mar: Corlys Velaryon, também conhecido como A Cobra do Mar, só pode ser descrito como "o homem dos barcos". Já Steve Toussaint, o ator britânico que interpreta o papel em "A Casa do Dragão", está longe de atender a essa descrição.

"É uma coisa estranha", ele disse, rindo. "Nas últimas duas vezes que estive em um barco, de repente comecei a me sentir enjoado. Isso nunca tinha acontecido em minha vida, mas, bem recentemente, começou a acontecer".

Quaisquer que sejam as deficiências de Toussaint como marinheiro, a competência de lorde Corlys no mar é tão formidável que até mesmo os herdeiros da casa dominante do reino, os Targaryen, capazes de voar montados em dragões, precisam lhe mostrar deferência. No segundo episódio da série, ele se enfurece e abandona uma reunião do Pequeno Conselho presidida pelo rei Viserys (Paddy Considine); Corlys é uma das poucas pessoas que podem dar as costas ao monarca governante e sobreviver para contar a história.

Que Corlys seja visto como intocável no mundo da história representa um contraponto salutar às reações racistas que Toussaint vem enfrentado, em alguns quadrantes. O ator, que é negro, retrata um personagem que descende diretamente do império decaído de Valyria, uma linhagem descrita como branca em "Fogo e Sangue", a história escrita por George R.R. Martin que deu origem à série. No mundo da série, criada por Martin com Ryan Condal, o poder e a competência de Corlys são apresentados sem desculpas e sem ressalvas.

"Acho que algumas pessoas vivem em um mundo diferente", disse Toussaint sobre a controvérsia. "Tenho muita sorte de ter amigos de toda espécie. Tenho amigos brancos, amigos do leste asiático, amigos do sul da Ásia, amigos negros. Esse é o meu mundo, e quero trabalhar em programas que reflitam esse mundo".

Em uma conversa por telefone na semana passada, de Londres, Toussaint falou sobre as forças que impulsionam Corlys e sobre como saber que regras devem ser seguidas e que regras devem ser quebradas. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Corlys é um sujeito que tem um lado cool que parece faltar até mesmo a alguns dos personagens mais carismáticos da história. A impressão que ele causa é a de alguém que se sente confortável em sua própria pele, de uma maneira que o diferencia de muitos dos demais personagens.
Essa é uma das coisas de que eu mais gosto em Corlys. Entre as pessoas de quem ele está próximo, ele é o cara que saiu pelo mundo e fez sua fortuna sozinho, com as próprias mãos, exatamente como ele diz no final do episódio. Isso lhe oferece um conhecimento real sobre quem ele é. É uma das coisas que servem como chave para compreender quem ele é.

Engraçado, quando tive minha primeira reunião com Ryan e Miguel, os dois showrunners, a única coisa sobre o que conversamos, na verdade, foi sobre paternidade e os sentimentos dele com relação à sua família. Ele tem o desejo de cimentar na história o nome Velaryon. Corlys sofre mais do que sua mulher [a princesa Rhaenys, interpretada por Eve Best] com os insultos recebidos por ela, e com o fato de que ela tenha sido preterida na disputa [pelo Trono de Ferro].

E quando ele compreende que não pode levá-la de volta ao trono, seu próximo objetivo passa a ser colocar a família o mais perto possível do poder, ou seja, conseguir bons casamentos para seus filhos, de uma forma ou de outra.

Como Corlys se sente com relação ao ritual de ter sua filha de 12 anos de idade, Laena [Nova Fouellis-Mosé], cortejando o rei? Será que ele tem alguma dúvida sobre esse sistema?
O que acontece com Corlys é que ele acredita rigidamente nas regras. Apesar de sentir que sua mulher seria a pessoa mais capacitada para ocupar o trono, em lugar de Viserys, a decisão [do Grande Conselho] foi essa. Ele acha que eles cometeram um erro, mas "foram essas as regras que me foram dadas. Foi assim que decidimos que a dinâmica do poder funciona, em nosso mundo. Sendo assim, tudo bem, é isso que vou fazer".

Por isso, no episódio 1, quando Otto Hightower [Rhys Ifans] diz a Viserys que "temos de conversar sobre a sucessão", é Corlys, apesar de desejar que sua mulher estivesse no trono, que diz que "não, não, nós temos um herdeiro. É Daemon" [o irmão mais novo do rei, interpretado por Matt Smith]. Isso pode não ser do agrado de todos, mas é o que as regras estipulam. Quando há uma disputa sobre a posição de Rhaenyra [a filha do rei], ele uma vez mais pensa que "bem, seu pai a escolheu, e temos de viver com isso".

Eu acho que ele pensa: "Bem, não gosto dessas regras, mas as regras que temos são essas. O que posso fazer para prosperar sem desrespeitá-las?"

Corlys não só construiu a fortuna de sua família como o fez em nove viagens lendárias a terras distantes, que o expuseram a grandes perigos. Isso é algo que você tem em mente quando o interpreta?
Sim. Lembro-me de dizer a Ryan a certa altura que "seria ótimo ter algumas dessas coisas por escrito, para que eu tenha uma memória delas", basicamente. Ryan foi mais do que amável e voltou com um dossiê repleto de coisas, porque Ryan é um grande "geek". [Risos.] Essas coisas são parte importante do ser de Corlys, as coisas que ele fez no passado.

É interessante que você tenha dito que ele se colocou em grande perigo. Não sei se, na época, ele teria pensado dessa maneira. Ele tinha espírito aventureiro, é só. Queria sair pelo mundo e descobrir o que existia para além do mundo conhecido naquele momento. Certamente, quando eu estava na adolescência e no início dos meus 20 anos, medo era algo que eu não sentia. Achava que viveria para sempre.

Obviamente, porque agora ele é um homem mais velho e convive com pessoas que gostam de falar tão arrogantemente sobre a guerra, há uma parte em Corlys que pensa: "Não. Já vi isso, e vocês não. Se tivessem visto, não estariam falando dessa maneira".

O problema de uma batalha é que ou você tem sucesso ou não tem —não há uma área cinzenta. Ele gosta disso. Ele gostaria que a vida fosse assim, em geral. Essa é uma das razões pelas quais Corlys nem sempre se sente inteiramente à vontade no Pequeno Conselho, quando a discussão gira sobre diplomacia e coisas desse tipo. "Se algo é certo, é certo. Cabe a nós fazer o certo, e só". Deve ser mais difícil para alguém como Paddy ou talvez Gavin Spokes [que interpreta lorde Lyonel Strong, um dos integrantes do Pequeno Conselho], mas não falei com eles a respeito desse assunto. Os personagens deles precisam cuidar para não irritar as pessoas e precisam tentar manter o equilíbrio. Eu nunca me senti assim com relação ao meu personagem.

Há um lado nele que está acima das regras, pelo menos em sua opinião. Além disso, ele sabe o quanto é valioso para o reino, porque controla a maioria da Marinha. Portanto, sabe que tem um pouco mais de margem de manobra.

Você falou sobre a reação racista que enfrentou inicialmente, de alguns segmentos da audiência, ao ser selecionado para o papel. Isso melhorou?
Ainda há algumas mensagens negativas, mas em geral a reação tem sido ótima. A maioria esmagadora das pessoas tem sido muito acolhedora e solidária.

Algumas pessoas se esforçaram muito para fazer contato comigo na mídia social, para que pudessem me explicar que "tudo tem a ver com os livros", e assim por diante. Minha opinião é a seguinte: Há programas na TV de que eu não gosto —eu simplesmente não os vejo. Há atores que eu não acho interessantes –mas simplesmente nunca senti a necessidade de informá-los de que não gosto deles. Há pessoas que não gostam de minha aparência e não acham que alguém como eu deva desempenhar esse papel específico, porque quando leem o livro veem o personagem de uma maneira diferente. Tudo isso é natural. Minha objeção é às pessoas que me insultaram por motivos raciais.

Por algum motivo, as reações que venho encontrando recentemente parecem ignorar esse fato, e me tratam como se eu estivesse afirmando que "se você não gosta de mim, você é racista". Não é isso que eu estou dizendo. Eu não sei quais são as motivações das pessoas. Mas eu conheço as motivações de alguém que usa a "palavra com N" para me insultar. Sei o que isso significa.

Você já curtia "Game of Thrones" antes de conseguir esse papel?
Sim, já. Só fui assistir à série depois de três ou quatro temporadas, porque fantasia não é realmente meu estilo. Eu estava hospedado com um amigo em Los Angeles, e ele me perguntou se eu já tinha assistido a "Game of Thrones". Eu respondi que não; "a série tem dragões, por que diabos eu assistiria a isso?" [Risos] Ele respondeu: "Tente assistir a pelo menos um episódio". E descobri que era uma história muito mais bruta e, por falta de uma palavra melhor, realista do que eu estava esperando. Logo me viciei.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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