Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Dule Hill Instagram/dulehill

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alexis Soloski
The New York Times

Dulé Hill, 46, começou a trabalhar em “The West Wing” em 1999, pouco depois do lançamento da série. Ele interpretava Charlie Young, um assessor do presidente dos Estados Unidos que não demora a começar um relacionamento com a filha mais nova do chefe, Zoey Bartlet (Elisabeth Moss). Charlie é negro; Zoey é branca. E as cartas de ódio não demoraram a começar a chegar.

“Foi um choque para mim”, disse Hill em uma recente conversa por vídeo de sua casa em Los Angeles. “Uau, eu disse a mim mesmo. Isso é algo que corre fundo neste país. Corre muito fundo”.

Hill pediu para ficar com as cartas e as colou na parede de seu trailer como uma fonte peculiar de inspiração. A esperança dele era a de que, caso interpretasse o papel com o máximo possível de talento, ele facilitaria a contratação do próximo ator não branco –e tornaria um pouco mais difícil que insultos como aqueles fossem enviados. “Estamos todos nessa jornada, tentando levar a bola para a frente”, ele disse.

Mas, às vezes, seguir em frente pode significar olhar para trás. Em breve, Hill, um ator dotado de agilidade, elegância e charme brincalhão, vai aparecer na versão repaginada de “Anos Incríveis”, que estreia nos Estados Unidos na próxima quarta-feira (22), na rede de TV ABC —ainda não há data para estreia no Brasil.

Passada em Montgomery, Alabama, em 1968, a história traz Hill como Bill Williams, professor de música durante o dia e músico de funk à noite. Pai dedicado e artista ambicioso, Bill tenta preparar seus filhos para um mundo que nem sempre reconhecerá sua plena humanidade. Interpretar Bill encoraja Hill –que se tornou pai recentemente– a exibir a vasta extensão de seus talentos –dramáticos, cômicos e rítmicos.

Ainda que a nova versão de “Anos Incríveis” continue a ser uma comédia de 30 minutos de duração e tom nostálgico, ela também leva Hill a confrontar temas que seus papéis anteriores na TV –jovens insensíveis, neuróticos animadinhos, profissionais astutos –raramente permitiam.

Porque Hill sabe que ele é um homem afortunado, em termos pessoais e profissionais. (E fala a respeito disso com um sorriso que ilumina a tela do computador.) Mas também sabe o que significa ser um homem negro nos Estados Unidos.

“Você ama seu país e aprecia seu país”, ele disse. “Mas também percebe que esse amor nem sempre é retribuído”.

Hill assinou para a nova versão de “Anos Incríveis” apenas alguns meses depois do assassinato de George Floyd, porque lhe parecia mais importante do que nunca mostrar que sempre existiram e sempre existirão famílias negras amorosas, mesmo em meio a tumultos.

“À medida que vivo minha vida, percebo que dos tempos ruins e desafiadores muitas vezes emana um brilho e uma luz”, ele disse. E o ator acha que a série pode ser parte dessa luz.

Hill é artista praticamente desde que aprendeu a andar. A mãe dele, professora de dança na região central de Nova Jersey, começou a ensiná-lo a sapatear e a dançar jazz e balé quando ele tinha três anos. Aos nove, ele foi escalado como substituto para o elenco do musical “The Tap Dance Kid”, na Broadway.

Mesmo assim, Hill não planejava fazer carreira como ator. Depois do segundo grau, ele começou a estudar administração de empresas na Universidade Seton Hall. Em 1995, quando estava no segundo ano, foi chamado para um papel na produção do musical “Bring in da Noise, Bring in da Funk”, na Broadway.

Quando surgiu um conflito entre o horário de uma apresentação e o de um exame de final de semestre na universidade, ele pediu ao professor para fazer o exame antecipadamente. O professor recusou e disse que Hill precisava decidir o que queria: estudar ou fazer carreira no show business. Ele escolheu o show business.

Em 1999, ele conseguiu o papel em “The West Wing”. Aaron Sorkin, o criador da série, se lembra de sua audição. “Há algumas coisas que nem mesmo um bom ator consegue fingir, e duas delas são ser inteligente e ser engraçado”, escreveu Sorkin em um email.

O trabalho de Hill até ali havia envolvido elencos majoritariamente negros. Como um dos raros atores não brancos em “The West Wing”, ele sentia uma obrigação de se sair bem. Hill desejava ser “um dos passos no caminho da mudança”, ele afirmou. Sua ambição, seu nervosismo, sua bondade –“ele irradia bondade”, disse Sorkin: tudo isso ele colocou em Charlie.

Quando “The West Wing” acabou, ele pediu ao seu agente que encontrasse um papel cômico. A resposta foi “Psych”, uma série policial humorística no canal USA. James Roday Rodriguez, com quem Hill contracenaria se fosse aprovado para a série, foi à casa dele para uma leitura do roteiro, um teste de química que determinaria se Hill seria escalado para o papel de Gus, o ansioso parceiro do detetive cheio de manias interpretado por Roday Rodriguez.

Hill tinha desenvolvido seu trabalho televisivo interpretando os roteiros milimetricamente precisos de Sorkin; já Roday Rodriguez vinha do ramo de comédia de improviso. A leitura foi esquisita.

“O cara não para quieto”, Hill se lembra de ter pensado. “Uma hora no teto, outra embaixo do sofá. E eu pensando comigo mesmo que ele estava tentando sabotar minha audição”.

Roday Rodriguez também se lembra daquele dia. “Provavelmente eu era o pior pesadelo para ele”, disse o ator. Mas com o avanço da série, Hill se tornou mais desenvolto e espontâneo. “Por sorte tivemos oito temporadas para que ele se transformasse naquela mistura de Jerry Lewis com Richard Pryor e Rowan Atkinson”, disse o companheiro de elenco.

Matt Shakman, que dirigiu diversos episódios de “Psych”, ecoa essa avaliação. “Dulé sempre oferece surpresas e é um daqueles atores raros capazes de fazer qualquer coisa”, ele disse.

“Qualquer coisa” inclui passos complicados de sapateado, algo que Hill costumava praticar no set em qualquer superfície disponível. “Ei, todo mundo sabe, você sapateia”, brincou Roday Rodriguez. “Todos compreendemos que você tem essa capacidade. Não precisa ficar exibindo no intervalo de cada tomada”.

“Psych” acabou em 2014. Hill teve passagens pela série “Ballers” e por “Suits”. Ele interpretou um papel muito diferente dos que costuma fazer, como um sinistro traficante de drogas em “Sleight: Um Truque Perfeito”, um thriller de baixo orçamento.

Em 2018, se casou com Jazmyn Simon, com quem trabalhava em “Ballers” e se tornou padrasto da filha adolescente da atriz. No ano seguinte, eles tiveram um filho. Roday Rodriguez aponta as mudanças que o casamento e a paternidade causaram no amigo.

“A diferença é que agora ele acorda muito feliz a cada manhã, contente por abrir os olhos e estar vivo”, ele disse.

Em meio a essa felicidade, Hill, deixando de lado o sapateado por um momento, teve tempo para explorar o lado triste da vida de um artista negro. Em 2019, não muito depois do nascimento de seu filho, ele estrelou no musical biográfico “Lights Out: Nat ‘King’ Cole”, mostrando o quanto a política da respeitabilidade havia custado ao cantor e pianista.

Colman Domingo, um dos roteiristas do espetáculo, sentia a ressonância entre Hill e Cole, dois homens negros tentando navegar com graça e doçura uma indústria dominada por brancos. “Existe dinamite por baixo daquela doçura”, disse Domingo. “Dulé não tinha medo algum disso”.

Ele jamais teve medo disso. Mas em uma carreira facilitada por seu charme pessoal, oportunidades para explorar esse aspecto de sua personalidade não foram frequentes. (Uma exceção foi seu papel como protagonista em uma remontagem de “Dutchman”, uma peça incendiária de Amiri Baraka sobre o racismo cíclico, em 2007).

Ele sabia que “Anos Incríveis” também poderia oferecer uma oportunidade. Quando leu sobre a aprovação do piloto da série, disse à sua mulher que aquela era a série se ele pretendia fazer um seriado de humor para uma rede de TV aberta. Depois que Floyd foi assassinado pela polícia e dos protestos que se seguiram, as lutas da era dos direitos civis lhe pareciam muito próximas.

“Eu queria contar uma história profunda e que pudesse ser relacionada ao que vivemos hoje”, disse Hill.

A “Anos Incríveis” original estreou na ABC em 1988, com Fred Savage como Kevin Arnold, um menino de classe média de 12 anos de idade tentando sobreviver à adolescência, em um momento no qual os Estados Unidos também pareciam estar buscando a maturidade política.

Amanda Ann Klein, professora da Universidade de East Carolina, escreveu elogiosamente sobre a série. Mas, em uma entrevista recente, apontou para um problema sério: “Um dos grandes buracos estava na forma como eles ignoravam as questões de raça”, ela disse. Por isso, ela estava empolgada em ver a premissa aplicada a uma família negra.

“Não acho que vejamos com frequência uma oportunidade de nostalgia para os americanos negros”, ela disse.

Saladin Patterson, o showrunner da nova versão, queria mostrar como aquele mesmo período pode ter afetado uma família negra amorosa e de classe média. “Sentimos que devia ser uma história de força, resiliência e perseverança”, ele disse em uma entrevista por vídeo.

Ele se inspirou na história de sua família e modelou Bill em seu pai, Bill Patterson, músico e empresário musical que passou toda sua carreira perto do estrelato sem chegar a ele. E não demorou a pensar em Hill para o papel.

“Queríamos tornar o personagem de Bill muito cool, muito bom no que faz”, disse Patterson. “E o Dulé verdadeiro é muito cool, o que significa que estaríamos trabalhando com o real”.

Mas o papel precisou de alguma atuação. “Para ser honesto, seu personagem na TV é mais contido do que ele na vida real”, disse Elisha Williams, 12, que faz o papel de Dean, o filho de Bill na série. (Ele também definiu Hill como “um daqueles caras cool, que estão por aí há muito tempo”. Ops.)

Hill espera que essa etapa de sua jornada ensine aos espectadores alguma coisa sobre os tumultos políticos da década de 1960 –a forma pela qual eles deram origem ao mundo que temos hoje, e a forma pela qual o amor negro persistiu. E ele espera que o trabalho o ajude a compreender alguma coisa sobre si mesmo e sobre a vida que quer dar aos seus filhos.

“Quando você interpreta um pai negro e você é um pai negro, a história certamente oferecerá um espelho para sua vida”, ele disse. “Vai me fazer questionar certas coisas –quem sou eu em tudo isso, quem desejo ser”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem