Riley Keough, neta de Elvis Presley, e o segredo para sua atuação 'normal'
Estrela do filme 'Zola', atriz costuma aparecer impassível e misteriosa
Estrela do filme 'Zola', atriz costuma aparecer impassível e misteriosa
Quase todas as atrizes costumam atuar quando estão conversando com alguém. Quando elas estão pensando ou sentindo alguma coisa, você sabe exatamente o que é. Mas Riley Keough, 32, é mais misteriosa.
Quer esteja pensando sobre questões de dinheiro e sexo em “The Girlfriend Experience” ou encarando uma rival romântica em “Docinho da América”, Keough certamente parece uma estrela –que ela tenha herdado olhos azuis límpidos e um queixo curvo como um ponto de interrogação de seu avô, Elvis Presley, certamente ajuda—, mas sua presença na tela costuma ser sempre impassível e misteriosa. O que as personagens de Keough estão pensando? É impossível dizer com certeza.
E isso não é ruim, e é a principal fonte de sua atração: a distância entre o que você não sabe e aquilo que deseja saber é hipnotizante. E de repente, quando você esquadrinha o rosto de Keough em busca de indicações de intenção ou de emoção, percebe que está aproximando os olhos dela.
“Ela é uma das atrizes que parecem se encaixar sem esforço em seus papéis, quase a ponto de não parecer estar atuando”, disse a diretora Janicza Bravo que insistiu que Keough interpretasse Stefani, uma stripper com intenções sinistras em sua nova e ousada comédia “Zola” —ainda sem data de estreia no Brasil.
O espectador se deixa atrair por Stefani mesmo que não consiga confiar nela, e Bravo sabia que Keough era capaz de interpretar essa ambiguidade até o limite. “Aquele bocado, aquele gostinho, aquele sumo, aquele sabor –era isso que eu queria”, disse Bravo.
No final de 2019, o roteiro de “Zola” foi enviado a Keough e uma reunião foi marcada no histórico e estrelado hotel Chateau Marmont, em Hollywood. Bravo chegou primeiro e, depois de se acomodar, uma mulher se aproximou de sua mesa, disse “alô” e ficou parada por lá.
O Chateau tinha uma boa densidade de celebridades entre seus frequentadores antes da pandemia, mas ainda assim civis esparsos conseguiam entrar. E a pessoa não parecia disposta a sair.
Ainda que Bravo tenha acenado em resposta ao cumprimento, ela estava ocupada olhando para a entrada, à espera de sua possível estrela. Mas lá estava aquela pessoa normal, uma não-celebridade, parada ao lado de sua mesa como se estivesse esperando alguma coisa. E aí a pessoa disse: “Sou Riley”.
Bravo se desculpou profusamente com Keough naquele dia e agora ri da situação. “Eu tinha uma ideia da aparência que ela teria –a via como uma pessoa maior que a vida—, e o que vi diante de mim foi alguém muito descontraída”, disse Bravo. “Estou hesitando em dizer a palavra, mas talvez o que eu não esperasse era que ela fosse normal”.
Eu tampouco. Quando conheci Keough, na casa de um amigo em Los Angeles na metade de junho, a energia calma e imperturbável dela me impressionou– algo que eu nunca tinha percebido nem mesmo nas estrelas mais obcecadas com “wellness”.
No caso de Keough, não havia avidez por agradar, necessidade de impressionar ou de atrair todos os olhares. A sensação era a de que você estava olhando para e conversando com uma pessoa normal.
Assim, como é que ela preserva esse jeito descontraído em Hollywood? “Tenho uma capacidade realmente rara no setor que é a de olhar para alguma coisa e dizer ‘nhé’”, disse Keough, dando de ombros. “Não levo as coisas a sério demais”.
“Zola”, baseado em uma conta notória do Twitter, é sobre pessoas que usam a mídia social como forma de promoção, mas Keough prefere usá-la para zoar sua condição de celebridade.
Ainda que tenha estrelado alguns filmes para o A24, um dos estúdios novos mais quentes de Hollywood, Keough usou o Instagram no ano passado para listar todos os filmes do A24 nos quais ela não conseguiu papéis, entre os quais “Joias Brutas”, “Spring Breakers – Garotas Perigosas” e “O Maravilhoso Agora”.
Os diretores dos filmes enviaram mensagens pedindo desculpas a Keough, mas as rejeições não a tinham incomodado demais para começar. “Não me incomoda fracassar”, ela disse. “Minha atitude é a de que, bem, vou batalhar mais”. E além disso, ela tinha questões maiores em que investir essa energia.
“Vivi a vida toda em uma espécie de crise existencial”, disse Keough, em tom corriqueiro, ajeitando os cabelos loiros arruivados. “Desde que pisei no planeta, sempre questionei o que estava fazendo aqui e por que as pessoas todas fingiam que tudo está normal”.
A infância de Keough foi longe de normal, é claro. Quando ela tinha cerca de cinco anos, sua mãe, Lisa Marie Presley, se separou do marido, o músico Danny Keough, e se casou com Michael Jackson. Sua mãe lhe fornecia acesso às fortalezas dos famosos, como Graceland e Neverland, e seu pai morava modestamente em um trailer e dormia em um colchão no piso do veículo.
Keough não se incomodava com as visitas ao pai. Certa vez, ela chegou a lhe dizer que “quando crescer, quero ser pobre como você”. Ela não sabia o quanto a declaração era ofensiva, mas aquela infância bifurcada, em companhia do irmão, Benjamin, viria a calhar na casa dos 20 anos quando começou a buscar trabalho como atriz: ela carregava autenticidade suficiente para interpretar pessoas comuns, mas privilégio suficiente para poder viver sem preocupações.
E o comportamento blasé lhe cai bem. Em filmes como “Docinho da América” e “Logan Lucky – Roubo em Família”, sobre trapaceiros tentando sobreviver, as personagens dela pareciam reais, vivas e não havia sinal de condescendência na interpretação.
Ou, como afirma um tuíte recente, “Riley Keough compreende a classe trabalhadora branca bem melhor do que J.D. Vance”. Seria pretensioso compará-la ao autor de “Hillbilly Elegy”, agora candidato problemático ao Senado? Talvez, mas o tuíte ainda assim recebeu mais de 1.000 “likes”. A marca de Keough é forte.
“Zola”, uma história passada na Flórida, originalmente parecia seguir o mesmo molde: Stefani vem do sul e trabalha com sexo, dois tipos que Keough já tinha interpretado muitas vezes no passado. Mas a atriz desejava aproveitar a oportunidade para levar as coisas adiante.
“Eu não queria que fosse mais um ‘Docinho da América’, uma interpretação contida, muito naturalista”, disse Keough. “Se você faz uma coisa bem, as pessoas gostam daquilo e você termina preso”.
Bravo também queria que ela forçasse os limites. Adornada com trancinhas em estilo afro e brincos de argola, Stefani cacareja e confabula com um sotaque negro falso tão pronunciado que até Iggy Azalea enrubesceria.
No começo, quando estava tentando encontrar a voz de Stefani, Keough mandava gravações pelo telefone a Bravo. “E Janicza sempre dizia ‘mais, mais’. Eu rebatia que tudo bem, se era aquilo que ela queria”.
A heroína negra do filme, Zola (Taylour Paige) fica perplexa diante do exagero no comportamento de Stefani e, em uma era na qual a apropriação branca da cultura negra se tornou tópico quente, as audiências podem se ver chocadas por Stefani.
Bravo recorda que “Riley me perguntou se não seria cancelada por aquilo. Mas o que ela está fazendo só funciona se for extremo. Se a pessoa faz a coisa pela metade, parece que ela está tentando se desculpar previamente”.
O resultado é o completo oposto dos desempenhos mais contidos de Keough: Stefani é absurda, exagerada e engraçadíssima, embora Keough entenda que alguns espectadores não saberão o que fazer com ela.
“As pessoas vão se questionar se têm direito a rir, e se rir faz delas pessoas ruins”, ela disse. “E amo isso. Tenho um pouquinho de ‘troll’ em meu coração e acho que isso transparece no meu trabalho”. E se as pessoas tiverem dificuldade para adivinhar as intenções de Stefani à medida que ela espicaça Zola a acompanhá-la em uma viagem que se torna perigosa, isso é proposital.
“Não dá para saber se a coisa toda é uma manipulação mesmo nos momentos em que ela está vulnerável”, disse Keough. “É por isso que amo interpretar personagens que podem ser vilões. É muito mais divertido fazer com que as pessoas tenham momentos com esses personagens, momentos em que elas se sintam mal pela personagem ou se divirtam com ela, ou pensem que gostariam de acompanhá-la naquela viagem”.
“Zola” estreou em janeiro de 2020 no Festival Sundance de Cinema, e Keough estava empolgada com o lançamento do filme na metade daquele ano. Ela sempre gostou de estar à procura e, se o filme conduzisse a trabalhos novos e mais interessantes em comédias, talvez isso a ajudasse a se compreender melhor.
Mas a pandemia torpedeou esses planos e, quando Keough estava se ajustando aos meses sem trabalho, seu irmão mais novo, Benjamin, se suicidou, em julho de 2020.
O que se seguiu foi “um ano em que senti ter sido jogada no oceano sem saber nadar”, disse Keough. “Nos primeiros quatro ou cinco meses, eu não conseguia sair da cama. Fiquei completamente debilitada. Não consegui falar por duas semanas”.
Mesmo agora, Keough tem dificuldade para aceitar a tragédia. “É muito complicado para nossas mentes colocar isso em algum lugar porque causa indignação”, ela disse. “Se estou me separando de alguém, sei como lidar com isso, onde arquivar em minha mente, mas o suicídio de um irmão? Onde arquivar isso? Como integrar? Não há como”.
Keough superou as dificuldades com a ajuda dos amigos e do marido, o dublê Ben Smith-Petersen, mas primeiro teve de estabelecer algumas regras: “Eu queria garantir que sentiria tudo e não fugiria de coisa alguma”, ela disse.
Para isso, recentemente Keough se tornou doula de pacientes terminais. Em lugar de facilitar partos, ela orienta pessoas sobre as questões que surgem no período final de suas vidas.
“Foi o que realmente me ajudou, me colocar na posição de ajudar”, ela disse. “Se eu puder ajudar outras pessoas, talvez possa ajudar a mim mesma”.
E recentemente ela encontrou coisas a apreciar em sua dor, além disso, embora admita que, se alguém lhe dissesse que algo de bom surgiria pouco depois da morte de Benjamin, ela teria reagido com palavrões. “Mas há esse senso da fragilidade da vida e de como cada momento importa para mim agora”, ela disse.
É a nova normalidade de Riley Keough, à qual ela ainda está se acostumando. Talvez não tivéssemos como definir onde ela está porque até recentemente ela mesma não tinha certeza. E isso é difícil de evitar depois de uma infância que ela passou ricocheteando entre dois extremos. Mas agora, aos 32 anos, ela enfim compreendeu uma coisa.
“Acho que, quando eu estava crescendo, sempre estive à procura de respostas”, ela disse. “Agora sei que tudo está dentro de mim. Só posso me render e estar presente para a experiência”.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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