Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

O primeiro episódio da nova versão de "Gossip Girl" Divulgação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alexis Soloski
The New York Times

Em uma manhã quente de junho, um batalhão de operadores de câmera, assistentes de produção e cabeleireiros e maquiadores ocupou uma entrada de metrô no Upper West Side de Manhattan. Um assistente de direção gritou uma ordem e, de repente, os passageiros comuns desapareceram, substituídos por pedestres elegantes, ostentando os destaques da moda de outono.

Os sapatos reluziam, os dentes cintilavam, cada rabo de cavalo e topete brilhava. Em pouco tempo, uma ilha no meio da rua havia se transformado em um espaço livre de suor e repleto de glamour, escândalo, possibilidade. Visto na rua 72 com Broadway: “Gossip Girl”, de volta. XOXO [abraços e beijos].

“Gossip Girl”, uma série adolescente surpreendentemente literária, estreou na rede CW de televisão em 2007, e durou até 2012. A história acontece em meio ao topo da elite do Upper East Side, e a série jamais teve grandes audiências (o número “1%” era relevante para o programa de mais de uma maneira). Muitos críticos a consideravam indigna de atenção.

Quando a série acabou, em 2012, um artigo do The New York Times chegou ao veredicto de que “‘Gossip Girl’ nunca foi boa televisão. Longe disso”. Mas o estilo elegante da série, modelado pelas estrelas Blake Lively, Leighton Meester e Penn Badgley, fez dela uma das favoritas das páginas de moda.

Seu hedonismo impenitente —adolescentes fazem sexo, adolescentes usam drogas, adolescentes se tornam membros de uma família real, por um breve período— e as tramas que incendiavam a história pareciam feitos sob medida para a década de 2000, e agora uma nova geração a está descobrindo nos serviços de streaming.

“Gossip Girl” abriu caminho —e provavelmente o pavimentou com cristais Swarovski— para séries adolescentes ousadas que se seguiriam, como “Pretty Little Liars”, “Riverdale”, “Euphoria”.

Depois de um hiato de nove anos, uma continuação da série chegou no dia 8 de julho à HBO Max. (Não é uma retomada, os criadores enfatizaram, porque ela existe no mesmo universo do original.) A série chega a um mundo de alguma forma mudado —pelo #MeToo, pelo Black Lives Matter—, e dotado de uma atitude diferente com relação à riqueza e privilégio. E por isso a nova “Gossip Girl” também é diferente.

“Cada geração tem a ‘Gossip Girl’ que merece”, disse Joshua Safran, o “showrunner” da nova série.
Desde 2012, Josh Schwartz e Stephanie Savage, criadores de “Gossip Girl”, receberam numerosas propostas para estendê-la e expandi-la.

Embora tenham concordado com algumas extensões (existe uma “Gossip Girl: Acapulco”), eles jamais tinham encontrado motivo convincente para retomar a série. E o mesmo vale para Safran, um dos produtores executivos da série original, mais tarde envolvido em programas como “Smash” e “Soundtrack”.

Até que um dia, três anos atrás, ele decidiu que existia uma oportunidade. Safran cresceu no Upper East Side e estudou na Horace Mann, uma escola privada de elite que já foi centro de alguns escândalos, e tinha amigos que lecionavam em escolas desse tipo, por salários punitivamente baixos.

Eles lhe descreviam um mundo em que os professores se sentiam cada vez mais impotentes, expostos às exigências dos pais e ao desdém dos alunos. Na série original, os professores eram praticamente invisíveis. Aquela gata shakespeariana com quem Dan Humphrey (Badgley) dormiu? O professor de inglês com quem Serena van der Woodsen (Lively) namorou? Raras exceções.

Cena de 'Gossip Girl', que voltou com novos personagens e dramas atuais - Divulgação

Na nova versão, Safran sugeriu que os professores passassem a ter voz —uma voz conhecida: a de Kristen Bell, que lê em off cada post da Gossip Girl, na série original e nesta. No primeiro episódio, os professores, liderados por Kate (Tavi Gevinson), ressuscitam o apelido Gossip Girl como forma de patrulhar os alunos, criando um mecanismo online de controle social.

“Os professores têm mais ou menos a idade que muitas das pessoas que assistiram à primeira versão da série”, disse Gevinson. “São uma porta de acesso”.

A primeira série chegou durante a infância da mídia social. Na nova, a internet amadureceu. A Gossip Girl agora usa o Instagram para suas mensagens, e expõe a disparidade entre os eus perfeitos que projetamos online e as pessoas mais complicadas que somos no mundo real.

Um dos primeiros posts diz: “Estou vendo você”. E acrescenta: “Não o você editado com tanto cuidado, mas o você real, aquele que se esconde logo além da borda da imagem. Bem, é hora de alargar a imagem”.

A paisagem da mídia social é traiçoeira, como a série sugere, e semanas antes que a nova versão de “Gossip Girl” fosse ao ar, a série já estava causando indignação na internet. Na metade de maio, quando estava na fila em uma farmácia, Safran se ofereceu para responder perguntas enviadas no Twitter.

Uma pessoa perguntou se a nova versão humilharia meninas por sua promiscuidade e incluiria brigas físicas entre garotas. Ele respondeu que não às duas perguntas, acrescentando que “não acho que esse tipo de coisa precise fazer parte dessa série, ou qualquer série, para diversão”.

Sua resposta causou caos, e muita gente parece acreditar que uma série que não mostre meninas arrancando os cabelos uma da outra no bebedouro não será capaz de divertir.

Quando a revista Variety publicou um artigo no qual indicou que os novos personagens teriam algum entendimento básico sobre a desigualdade de renda, os comentaristas perderam a cabeça de novo. Na filmagem realizada na estação de metrô, vi Safran fazendo careta enquanto lia alguma coisa em seu celular. [O escritor e aspirante a político] J.D. Vance tinha acabado de criticá-lo.

Vance, autor de “Hillbilly Elegy”, tuitou, com um link para o artigo da Variety, que “o ponto de vista ‘woke’ vai tornar tudo chato e feio”. (O escritor anunciou recentemente sua candidatura ao Senado. Talvez os fãs originais de “Gossip Girl” sejam parte chave de seu eleitorado?)

Quem quer que tenha visto o primeiro episódio da nova série na HBO Max terá percebido de imediato que nada é tedioso e, é claro, ninguém é feio. A Nova York que “Gossip Girl” apresenta continua a ser uma fantasia, mas, em contraste com o original, é uma fantasia mais diversa.

A versão tem por centro duas jovens negras, as meias-irmãs subitamente reunidas Julien (Jordan Alexander) e Zoya (Whitney Peak), e seu grupo multirracial de amigos, o que representa uma melhora necessária com relação ao original.

“A série original evitava qualquer consciência de discriminação”, disse Peak, que assistiu à série original online. “Era só pessoas ricas e os problemas das pessoas ricas”.

Mas a discriminação existia, claro, mesmo nos ambientes mais endinheirados. Em 2019, quando os primeiros episódios da nova série estavam sendo escritos, ex-alunos negros de muitas das escolas de elite da cidade —Brearley, Chapin, Spence— discutiram suas experiências no Instagram. E as mensagens tornavam claro que era preciso discutir mais o preconceito e a igualdade.

Era uma conversação que Karena Evans, diretora do piloto da nova série, estava ansiosa por promover. Evans (“P-Valley”) adorava a série original. Mas, como mulher negra, jamais viu nos episódios originais uma personagem parecida com ela. Desta vez, ela queria mostrar aos espectadores, especialmente às jovens não brancas, que elas tinham lugar no mundo que “Gossip Girl” retrata.

“Em seu cerne, temos a ‘Gossip Girl’ que as pessoas amam”, ela disse. “Mas o que ela traz de novo é a inclusão, a diversidade, o lado queer, e a conscientização”. Sobre essa conscientização: sim, a série agora reconhece que nem todo mundo voa de jatinho. Um jovem personagem chega a explicar que “o privilégio ignora as realidades dos problemas sistêmicos”.

O que é doce. Mas ainda assim, o esbanjamento abunda. Os adolescentes são membros de um clube fechado. Vão a um desfile de Christopher John Rogers (alguns deles como modelos). Fazem festas particulares no Webster Hall.

Como o primeiro episódio estabelece, o look da série é mais ousado agora, menos saneado. “O olhar de Karena é suntuoso, belo, mas mostra a podridão nas beiradas”, disse Safran. “Você come o doce e tem a dor de dente depois”.

“Gossip Girl” teve de criar suas cenas opulentas apesar das restrições que a Covid-19 impunha às locações e ao número de atores em cena. (Quem olhar com atenção, verá os mesmos e belos figurantes aparecendo repetidamente.) Mas a série jamais foi sobre o luxo —ou sexo, ou drogas, ou gravidez inesperada.

O original tinha um tom literário que o distinguia da maior parte das séries adolescentes. Podemos definir assim: “The O.C.” jamais encenou “A Era da Inocência” como peça escolar. Safran descreve a estrutura profunda da série como uma comédia de maneiras. Seu tom, então e agora, deve tanto a Jane Austen quanto a “Dinastia”.

A nova versão mantém essa sofisticação mesmo que a transferência da CW para a HBO Max ofereça mais latitude para devassidão e linguagem menos que literária. Os criadores contemplaram a possibilidade de seguir nessa direção. Talvez, como brincou Savage (pelo menos acho que ela estava brincando), eles pudessem oferecer mais nudez frontal do que “Euphoria”.

“Mas nos perguntamos se aquilo era ‘Gossip Girl’, se era daquele jeito que queríamos seguir”, disse Savage. “E concluímos que não”.

Em lugar disso, a nova série abraça a urbanidade, às vezes de um modo brincalhão e autorreferente. (Está bem, também abraça sexo oral quase público, no primeiro episódio.) Em uma cena, Kate, que foi integrante da Iowa Writers’ Workshop, compara as mensagens originais da Gossip Girl a um romance perdido de Edith Wharton.

Em outro, ela diz, sobre a voz da Gossip Girl, que é “como se E.M. Forster tivesse sido seduzido com a ajuda de drogas por Dorothy Parker e Jacqueline Susann”.) Os adolescentes leem James Baldwin e Eve Babitz por diversão, como os adolescentes costumam.

O que vale dizer que a primeira “Gossip Girl” tinha uma relação tênue com a realidade observável, e o mesmo se aplica à nova versão, por mais que tenha mudado. “Espero de verdade, genuinamente, que a série ofereça o escapismo e a diversão de que precisamos agora”, disse Alexander, que interpreta a rainha adolescente da história.

Evans ri da ideia de que um show “woke” não possa ser tão emocionante e bonito quanto qualquer outra coisa na televisão. “É preciso manter o glamour”, ela disse. “Afinal, é ‘Gossip Girl’”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem