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Paul Rudd estreia comédia na Netflix e versão de 'Os Caça-Fantasmas' após sucesso na Marvel

'Aceitei que eu não seria o cara que as pessoas assistem pensando que gostariam de ser'

O ator Paul Rudd
O ator Paul Rudd - Mario Anzuoni/Reuters
 
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Dave Itzoff

Como muitos outros espectadores, Paul Rudd, 50, saiu do cinema depois de "Era Uma Vez... em Hollywood" pensando muito sobre Brad Pitt. Depois de passar duas horas em uma sala escura –onde ele viu Pitt, com seu jeito confiante e decidido, trocar sopapos com Bruce Lee, circular pela cidade com Leonardo DiCaprio e tirar a camisa para consertar uma antena de TV– a sensação de Rudd era uma mistura de leve deslumbramento com alguma intimidação. Mas ele também saiu com a convicção de que sua posição na hierarquia cultural estava mais clara.

"Pensei que, meu Deus, aquilo sim era um astro de cinema, um cara completamente 'cool'", disse Rudd algumas semanas atrás, ainda parecendo admirado. Sua voz subiu para um timbre irônico - "e Leo também não é de se jogar fora!" - antes de retornar ao seu registro usual, mais tranquilo, para descrever como a experiência de ver Pitt na tela o havia feito lembrar de que as audiências jamais o encarariam do mesmo jeito.

"Bem cedo me conformei que eu não seria o cara que as pessoas assistem pensando em 'sim, era ele que eu gostaria de ser'", disse Rudd. 

Ainda que alguns de nós possamos sentir que o conhecemos pela vida toda, Rudd está chegando a um novo pico de fama, graças em parte a gigantescos sucessos da Marvel como "Vingadores: Ultimato", nos quais ele interpreta o Homem-Formiga, um super-herói "engraçadinho". Ele ainda está filmando uma nova versão de "Os Caça-Fantasmas", em um dos papéis principais; o filme estreará na metade de 2020 e pode transformá-lo em um astro ainda maior.

Seus papéis de "sujeito durão e lacônico", que tornaram Pitt famoso, "não são oferecidos para mim, e não batalho por eles", diz Rudd. "Porque a verdade é que eu não me relaciono com eles da mesma maneira que me relaciono com a história de um cara amenamente deprimido ou incomodado, e tentando descobrir de que maneira escapar de uma situação tão comum".

Em sua visão, sua área de atuação envolve papéis de caras comuns que, apesar da beleza e do carisma do ator, são uma espécie de retrato do americano médio. Em suas interpretações mais bem sucedidas, ele está sempre enredado por problemas cotidianos; seu "timing" de comédia é impecável, mas suas interpretações mais engraçadas acontecem quando ele está frustrado e indignado com alguma coisa. Às vezes, ele parece ser duas pessoas ao mesmo tempo.

Essa é uma dicotomia que Rudd utiliza ao máximo em "Living With Yourself", uma comédia dramática com um toque de ficção científica que estreia nesta sexta-feira (18) na Netflix. Na série, ele interpreta Miles, um executivo de marketing deprimido que perdeu a paixão pelo trabalho e pelo casamento. A conselho de um colega de trabalho, ele tenta um misterioso tratamento em um spa na esperança de que isso o faça um homem novo e melhor - mas que em lugar disso o tratamento resulta na criação de um clone (também interpretado por Rudd) que é aparentemente superior a Miles de todas as maneiras.Com seu humor seco e ácido, "Living With Yourself" é uma série que talvez não funcionasse tão bem sem a dualidade inerente de Rudd.

Durante um pausa nas filmagens, em agosto no West Village de Manhattan, Rudd parecia charmoso como sempre. Vestido discretamente, com um boné de beisebol, camiseta e shorts, e ainda ostentando a barba de suas férias de verão, ele estava consciente de sua celebridade sem aparentemente curtir o fato, como quando ele falou de maneira crível sobre a experiência de usar o metrô como uma pessoa qualquer. "Se falo com alguém, a pessoa sempre pergunta por que estou andando de metrô. Porque preciso ir a algum lugar!"

Mas "Living With Yourself" também permite que Rudd encontre o humor e a humanidade no velho Miles: um cara que já estava enfrentando dificuldades para realizar suas modestas ambições e agora precisa lidar com um dublê inesperado, cuja existência cria padrões aos quais ele não pode aspirar.
A verdade é que talvez exista algo do velho Miles em Rudd. O ator conhece a sensação de querer as mesmas coisas aparentemente fundamentais que todo mundo mais deseja - e de encontrar incompreensão nessa busca. Ele quer ter certeza de que é bom naquilo que faz, e que seu trabalho expressa quem ele é, mas também quer preservar um senso de simplicidade e privacidade que às vezes sente escapar.

Quando o assunto é o seu trabalho, Rudd disse que "eu não acho que tenho nada de muito grandioso a declarar, a qualquer pessoa. Não quero que as pessoas saibam tanta coisa assim sobre mim. Não tenho muito interesse em ser um livro aberto".

Isso não significa que Rudd não seja capaz de apreciar as estranhas oportunidades de que desfrutou em sua carreira, e que o encaminharam a alguns momentos culturais indeléveis, quer seja a temporada final de "Friends", quer um papel no filme e super-heróis de maior bilheteria na história. Nas palavras dele, "vivi o suficiente para saber que nada do que você pensa que vai acontecer acontece exatamente da maneira que você acha que aconteceria". 

Em algum universo alternativo, Rudd poderia ter continuado a sorrir e a repetir o mesmo papel em comédias como "Ligeiramente Grávidos" e "Eu te Amo, Cara". Mas a trajetória dele tomou um rumo inesperado cerca de cinco anos atrás quando foi convidado a fazer o papel de Scott Lang, o herói de "Homem-Formiga", da Marvel, sob a direção de Edgar Wright.

Rudd estava entusiasmado com a ideia de trabalhar com Wright, cujas comédias de ação incluem "Todo Mundo Quase Morto" e "Em Ritmo de Fuga", e a Marvel acreditava que Rudd era perfeito para incorporar tanto o lado terno quanto o lado desagradável do personagem principal.

"Scott Lang era um criminoso - nós o vemos pela primeira vez quando está saindo da cadeia", disse Kevin Feige, presidente da Marvel Studios. "Mas ele também tem uma filha e precisávamos de alguém capaz de ser engraçado, de fazer cenas de ação, e com quem as pessoas se identificassem como pai de uma menina pequena".

O talento cômico de Rudd também era vantagem, se a Marvel pretendia mesmo realizar sua visão de longo prazo e incluir todos os seus heróis em um só filme. Nas palavras de Feige, "um dia, essa pessoa talvez tivesse de fazer uma cena com Robert Downey Jr."

Quando Wright abandonou o projeto devido a discordâncias criativas e Peyton Reed assumiu a direção, Rudd continuou no projeto como ator e colaborando com ideias e diálogos; ele terminou por ser creditado como roteirista por "Homem-Formiga" e sua continuação, "Homem-Formiga e a Vespa".

Rudd também retomou seu papel nas grandes batalhas de "Capitão América: Guerra Civil" e "Vingadores: Ultimato". Mas ainda que seu prestígio estivesse em alta, Rudd sempre tenta manter o pés no chão. Feige recorda uma viagem que fez com Rudd à Disneylândia de Hong Kong para inaugurar uma atração baseada em "Homem-Formiga e a Vespa"; ele conta que o ator lhe mostrou um e-mail que tinha recebido da mãe, no qual ela o lembrava de o quanto era especial ser lembrado como parte de uma atração em um parque da Disney.

"Eu pensei que era por isso que Paul Rudd é Paul Rudd", disse Feige. "Porque ele tem uma mãe incrivelmente atenciosa e calorosa, que envia emails ao seu filho astro de cinema sobre esse tipo de coisa pela manhã".

Apesar de todas as suas experiências anteriores como Homem-Formiga, Rudd disse que jamais sentiu tão agudamente observado quanto na época do lançamento do muito aguardado e muito assistido "Vingadores: Ultimato", em abril do ano passado. No final de semana de abertura do filme, disse Rudd, "eu me senti muito mais consciente da pressão. Parecia que, não importa onde eu estivesse, as pessoas tinham acabado de assistir ao filme ou estavam saindo para isso. As crianças tinham visto o filme, e os pais das crianças sabiam que seu filhos tinham assistido".

As diferenças em sua vida de lá para cá, disse Rudd, "foram perceptíveis, mas você se ajusta. Eu me ajustei ficando em casa e fazendo xixi em garrafas, como Howard Hughes".

Mas ele não parece ver tanta graça no estoque aparentemente infinito de "posts" e memes, ainda que bem intencionados, que comentam sobre sua juventude aparentemente eterna e o celebram por jamais ter envelhecido ao longo de sua carreira.

Rudd disse que não tem contas de mídia social, mas quando perguntei se ele estava ciente desse tipo de comentário online, sua resposta ferina foi "estou ciente". "É certamente mais agradável que ouvir que estou uma (palavrão). Não sei o que dizer sobre nada disso. A verdade é que não existe coisa alguma a dizer sobre nada disso".

Seria possível presumir que Rudd optou por fazer "Living With Yourself" como tentativa de voltar às suas raízes no humor, demonstrar que ele vai além de sua caricatura na internet, ou para demarcar sua posição na corrida do ouro no mercado de streaming televisivo. Mas na verdade o ator não é consumidor muito ávido de séries de TV - "eu não vi 'Fleabag', mas adoro a série", ele disse em nossa conversa. (Mais tarde, Rudd assistiu a dois episódios, ele revelou em uma mensagem de texto.) Rudd tinha lido os roteiros da série antes que ela fosse produzida, e adorou o texto.

"Living With Yourself" foi criada em parceria com Timothy Greenberg, um antigo produtor do "The Daily Show" com quem Rudd produz a série. Greenberg, que escreveu toda a primeira temporada, extraiu inspiração de diversas fontes, o que inclui um persistente pesadelo de infância sobre encontrar um sósia idêntico, e discussões repetidas com a mulher dele, que não entendia por que o marido às vezes era muito sociável e às vezes ranzinza e solitário.

"Ela me perguntava por que eu não conseguia ser sempre minha versão feliz", recorda o produtor. "E eu respondia que todo mundo gostaria de poder apertar um botão e ser sempre a melhor versão possível de si mesmo. Mas isso não existe". Ele acrescentou que seu casamento é "muito feliz", e que ele e a mulher deixaram tudo isso para trás.

Rudd acrescentou muitas ideias pessoais à série. Foi ele que mudou o nome do personagem principal de George para Miles (por achar que já tinha interpretado Georges demais em outros filmes); pediu textos especiais dos roteiristas para os dois; e criou uma estratégia para interpretar o velho Miles e o Novo Miles em cenas nas quais eles contracenavam.

Jonathan Dayton e Valerie Faris ("Little Miss Sunshine"), o casal de cineastas que dirigiu os oito episódios de "Living With Yourself", diz que as sugestões de Rudd foram todas bem recebidas e que ele as fez no espírito correto. Acrescentaram que a afabilidade do ator era crucial para ajudar os espectadores a encarar os minutos iniciais de "Living With Yourself", cujo foco é o velho Miles, um sujeito sofrido e desgastado.

"É o luxo de ter um ator que tem um longo histórico de trabalhos, e que coloca tanto de sua pessoa na tela", disse Dayton. "Você não começa do zero. Quando você vê Paul no primeiro fotograma, já sabe muito sobre ele".

Faris disse que o velho Miles "é difícil de encarar, mas ajuda o espectador a passar pela primeira parte do processo, porque as pessoas sabem que é Paul, e que a história terá mais a oferecer que um cara deprimido".

Uma vida inteira no show business fez de Rudd uma pessoa protetora, não só de sua privacidade mas de sua família - ele é casado e tem dois filhos, e só falou sobre eles ao comentar as dificuldades de criar uma família em uma metrópole como Nova York.

Agora seus projetos no cinema requerem um grau de sigilo ao qual ele não estava acostumado, e Rudd está preocupado com a possibilidade de que minha descrição do que comeu no café revele se ele está ou não treinando para mais um "Homem-Formiga". "Pode não mencionar como quiser o fato de que estou comendo bacon", ele disse. "Falar dos ovos, tudo bem".

Perguntado sobre os planos futuros da Marvel para Rudd e seu personagem, Feige disse que "as peças de xadrez foram dispostas de forma muito cuidadosa depois de "Ultimato". "Quem está fora do tabuleiro, está fora; quem está no tabuleiro, não se sabe o que acontecerá".

Rudd fez "Living With Yourself" em parte para mostrar que pessoas inadequadas podem se redimir, ele disse, mas algumas questões sobre seus defeitos pessoais foram desviadas com humor gentil. Será que ele tem alguma falha? "Não, isso é que a parte louca da história", ele disse, com uma expressão exagerada de espanto. "É isso que torna tão difícil interpretar esses papéis. Entrevistei muita gente que tem defeitos. Tenho cadernos inteiros de anotações, horas de fitas".

Talvez Rudd não estivesse disposto a revelar, naquela situação, o que o torna tão imperfeito quanto todos nós. Mas o ponto de uma série como "Living With Yourself" é que todos temos essas imperfeições - mesmo aqueles que, vistos de fora, parecem perfeitos -, e essa verdade universal é reconfortante.
"Há dias em que você se sente bem, em sua melhor forma", ele disse. "Você está esperto, e se sente confortável. Gosta de sua aparência, ou se sente relaxado naquele dia. E depois vem os outros seis dias da semana".

OS CAÇA FANTASMAS

Rudd também teve de ser cauteloso ao falar sobre sua refilmagem de "Os Caça-Fantasmas", dirigida por Jason Reitman e que supostamente contará com participações de integrantes do elenco original, como Bill Murray e Dan Aykroyd.

"Eu assisti esse filme na infância", disse Rudd sobre "Os Caça Fantasmas" original. "Nosso novo projeto funciona bem como filme autônomo. Não é bom fazer alguma coisa só porque ela é parte de algo maior, mas existe um bônus adicional em ser parte de algo que tem lugar estabelecido na cultura".

Mas ele não comentou sobre a sensação de usar um "proton pack" pela primeira vez, e nem confirmou que usa um desses no filme. "Que equipamentos vou usar é algo que ainda não posso revelar", disse Rudd. "Nada a declarar".

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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