Primeira princesa Diana de 'The Crown', Emma Corrin fala sobre não binarismo e nudez na tela
Em 'O Amante de Lady Chatterley', artistas tem cenas de ousadas para um dramas de época
Emma Corrin sabia que aceitar o convite para interpretar uma adaptação de "O Amante de Lady Chatterley", o ousado romance de D.H. Lawrence, significaria nudez e sexo –em grandes doses. A/o atriz/ator britânica/o estava até disposta a se molhar, graças a uma cena central que acontece na chuva, quando o casal que protagoniza a história (Corrin como a dama e Jack O'Connell como o amante) brinca amorosamente na água, sem roupa. "Foi aquela cena que realmente me atraiu para o projeto, quando li o roteiro, porque pensei comigo mesma/o que aquilo era selvagem. Nunca vi coisa parecida na tela", disse Corrin.
E ainda assim, aquela sequência foi também "a coisa mais aterrorizante que já fiz em minha vida", disse ela/e (Corrin se identifica como não binária/o, e usa pronomes neutros). Não houve truques cinematográficos, ângulos de câmera complicados para proteger os atores, ou figurinos protetivos para camuflar a nudez: o que vemos na tela é a vulnerabilidade saltitante, úmida, carnal da nudez frontal completa. Para assistir ao filme, Corrin disse que foi preciso "muito uísque".
Corrin chegou à fama internacional com os olhares inocentes mas sedutores que emprestou à sua interpretação da princesa Diana em "The Crown", na temporada de 2020, conquistando prêmios e reconhecimento internacional por seu primeiro grande papel. Embora as duas situações estejam separadas por décadas, existe uma conexão entre a jovem Diana, que se contorce para tentar personificar um ideal impossível, e Constance Reid, uma mulher de mente independente que se casa com um aristocrata de primeira grandeza na época da Primeira Guerra Mundial e descobre que o lorde Chatterley desdenha completamente suas necessidades. Ambas são "mulheres aprisionadas, em busca de liberdade", disse Corrin.
Connie conquista essa liberdade em "O Amante de Lady Chatterley" –que estreou na Netflix no final de novembro– por meio de momentos de intimidade sexual que raramente costumam ser retratados em dramas de época (masturbação, sob todas aquelas saias!). Ao levar isso para a tela, "você sabe que está fazendo algo que ocupa um espaço que precisa ser ocupado", disse Corrin. "Eu me senti entusiasmada/o, com uma pontinha de ‘mas isso também é um pouquinho apavorante’. É uma posição empolgante em que estar, como ator."
Não é necessário um salto muito grande de imaginação para vincular os projetos e personagens com que Corrin escolheu se envolver recentemente à sua exploração pessoal de gênero, amor, poder, e as responsabilidades e custos de ser ouvida/o. Atualmente, ela/e está fazendo o papel-título em uma produção teatral de "Orlando", baseada em um romance de Virginia Woolf que não respeita as convenções de gênero e fala de viagens no tempo.
A ascensão de Corrin poderia ter sido simples: ela/e tem um jeitinho de rosa inglesa delicada, uma figura que parece elegante em figurinos de época e é aparentemente capaz de enrubescer sem esforço sempre que o roteiro assim exige ("bem que eu queria", comentou Corrin). Em lugar disso, ela/e compartilhou imagens de suas experiências com o uso de faixas para ocultar os seios e mudou duas vezes os seus pronomes, à medida que evoluía sua compreensão de como ela/e desejava se apresentar.
"Minha identidade, e ser não binária/o, é um abraço de muitas partes diferentes de mim mesma/o, o masculino e o feminino e tudo o que existe entre eles", disse Corrin. Ela/e esperava apenas que as pessoas tivessem paciência, e por papéis que englobassem todo o espectro da individualidade. "É difícil descobrir alguma coisa em você mesmo ao mesmo tempo em que está tentando se orientar em uma indústria que exige demais de você, em termos de saber quem você é", ela/e disse.
Dan Levy, astro de "Schitt's Creek", é um amigo de Corrin e se tornou um "salva-vidas", de acordo com ela/e. Ele disse que a expectativa de que todas as facetas de uma estrela sejam acessíveis, na era da mídia social, é perigosa, "especialmente no caso de uma pessoa ‘queer’ tentando encontrar seu lugar no mundo".
"Você quer participar do diálogo", ele disse em um email, mas "fazê-lo vem à custa de sua privacidade. Emma vem dedicando muita atenção ao que deseja dizer e ser, publicamente". O que Levy mais admira, disse ele, é "sua franqueza em não ter certeza absoluta –saber que aquilo que ela/e é resulta de uma conversação interna em constante evolução". "Sei que isso deve ser reconfortante para muita gente que consegue se identificar com essa situação."
Corrin, 26, vive no norte de Londres, em um apartamento decorado em estilos conflitantes (ela/e gosta de conjuntos Lego), dividido com três colegas a quem conhece desde a escola e com o cachorro Spencer, seu xodó. Em uma tarde quente de outono, ela/e apareceu para almoçar em Manhattan usando shorts e um suéter, e com o cabelo platinado e encaracolado cortado bem curto, um penteado novo que a/o agradava muito. Em chat coletivo com seus colegas de apartamento, ele/a sugeriu fazer uma permanente. "É um look de pajem renascentista, algo que sinto canalizar em minha alma, de qualquer jeito", me disse Corrin sobre o visual.
Absolutamente não, veio a resposta imediata via celular: uma foto de três loiras de braços cruzados em uma pose universal de "NÃO". Corrin disse que elas são o tipo de amiga que a/o conhecem "tão bem que não me deixam escapar com nada, e isso é maravilhoso".
A rede de apoio de Corrin é robusta, quase indestrutível. Sua mãe, que é terapeuta da fala, e dois irmãos mais novos assistiram à estreia de "O Amante de Lady Chatterley" em Londres. "Eu tentei preparar o terreno antes", disse Corrin. "E mesmo assim foi muito embaraçoso. Acho que foi ainda pior para minhas colegas de apartamento, que tiveram, de assistir ao lado da minha família". Mas os Corrin gostaram do filme, ela/e acrescentou. "Recebi mensagens de texto muito doces de meus irmãos, depois."
Desde sua grande estreia, Corrin vem trabalhando sem parar ("não sei o que é fazer uma pausa", ela/e disse). Depois de passar o terceiro trimestre em Nova York gravando uma série de mistério para o canal FX, ela fez um ensaio para a revista Vogue, como a primeira estrela não binária/o a aparecer na capa.
Laure de Clermont-Tonnerre, a diretora francesa de "O Amante de Lady Chatterley", entende por que Corrin —cujos pronomes durante a produção estavam em transição de "ela" para neutros— está em demanda. A estrela "tem uma qualidade de fazer parte do aqui e agora", disse a cineasta. "Ela é credível fazendo um personagem da década de 1960, da década de 1920, ou atual, e tem uma presença imediata e espontaneidade que reconduzem o espectador ao presente em sua companhia, e isso é uma qualidade muito forte. A energia singular que ela tem, a maneira como fala, a maneira como se move, é sempre surpreendente".
O aspecto físico do trabalho é muito importante nas atuações de Corrin. Ela/e vêm trabalhando regularmente com Polly Bennett, treinadora de movimentos e coreógrafa, desde que se conheceram em "The Crown", quando batalharam para decifrar os "dianismos", por exemplo a maneira pela qual a princesa inclinava a cabeça. "Quando você tenta olhar para ela da perspectiva de um ator, é para entender por que Diana fazia aquilo", disse Bennett. "Equiparar o mundo físico ao emocional."
Em "O Amante de Lady Chatterley", Bennett levou os atores principais a fazer "algumas coisas realmente estranhas, exercícios abstratos de perspectiva como os de uma escola de teatro", disse O'Connell, que interpreta Oliver Mellors, o solitário mas sensível jardineiro por quem Connie se apaixona. "E eu não tive a experiência de uma escola de teatro, o que significa que estava muito aberto a isso."
Nos ensaios, os atores principais e realizadores, juntamente com a coordenadora de intimidade Ita O'Brien, delinearam as cenas de sexo e definiram seus limites.
Para O'Connell, que vem da mesma região do Reino Unido que D.H. Lawrence e reconheceu em Mellors um tipo conhecido de figura local, o treinamento o ajudou a "me acomodar àquela sensação de desconforto", ele disse. "Antes de cada tomada, havia uma sensação avassaladora de que eu não queria fazer aquilo."
A cena da chuva, em particular, parece ter representado um teste para todos os envolvidos.
Para começar, embora a rodagem tivesse acontecido em uma propriedade rural normalmente chuvosa e lamacenta, no País de Gales, e seus arredores, "tivemos o verão mais ensolarado da última década", disse de Clermont-Tonnerre. Hora de ligar a máquina de chuva.
A cena, que surge já perto do final do filme e serve para amplificar o amor e a conexão entre Connie e Oliver, dura 90 segundos (para evitar que o filme recebesse uma classificação de censura NC-17, a diretora teve que restringir todos os momentos mais explícitos). A situação precisa parecer espontânea e alegre, e expor o entusiasmo natural que um campo verdejante desperta.
"Aquela cena dependia demais de que duas pessoas se comportassem com total abandono físico", disse Bennett. "Não há como simplesmente instruir atores a fazê-lo. Nós coreografamos formas e momentos, e o modo pelo qual as roupas seriam tiradas."
Mas muito do que foi registrado aconteceu de improviso. "Estávamos no campo e olhamos um para o outro, e eu nunca tinha visto meu próprio terror refletido com aquela intensidade", disse Corrin. "Era como se estivéssemos tentando descobrir: e agora, o que fazemos?"
Em um set fechado onde apenas oito pessoas estavam presentes, com música tocando alto para inspirar energia, Corrin e O'Connell se soltaram. "Foi assustador para todos nós", disse de Clermont-Tonnerre. "E também libertador, a ponto de todos nós ficarmos com vontade de tirar a roupa e ir correr com eles."
E O'Connell aprendeu a acalmar suas dúvidas interiores. "Depois que você supera o desconforto, e às vezes o choque, inicial, algo realmente empolgante pode derivar dessa experiência", ele disse. "O que é bastante gratificante."
O romance de Lawrence, publicado originalmente de forma privativa em 1928, ficou proibido por décadas, mas depois que os costumes sociais relaxaram o texto foi objeto de múltiplas adaptações na tela. De Clermont-Tonnerre queria fundamentar a dela na perspectiva de Connie, no fato de que ela opta por deixar para trás a casa senhorial e buscar prazeres mais terrenos.
Êxtase, em todas as suas formas, era o que a diretora procurava. "Eu precisava que essa versão fosse erótica e que glorificasse o erotismo como uma necessidade real e vital", ela disse. "Quero que as pessoas sintam desejo, e que realmente fiquem excitadas."
O tipo de despertar sexual que Connie encontra é algo que "acho que está no centro de muitas de nossas vidas, definitivamente em termos de autodescoberta —e provavelmente ao longo da vida inteira", disse Corrin, acrescentando que "acho que a determinação dela de encontrar algo que seja muito genuíno, e uma conexão real, definitivamente me faz querer o mesmo. Ela é corajosa de uma forma que realmente me inspirou".
Corrin espera que parte dessa ousadia permaneça em sua vida, de outras maneiras. "Sou péssima/o em conflitos", ela/e disse. No trabalho, quando alguém lhe pede algo que a/o incomoda, Corrin telefona para Levy em busca de conselhos. "E ele diz que aquilo não está certo, e que preciso dizer não e estabelecer limites." (Segundo Levy, "a autopreservação é um trabalho de equipe".)
Irritar-se, erguer a voz na tela, ainda parece estranho para Corrin. "Estou sempre preocupada/o por não estar conseguindo fazer minha parte, porque estou muito pouco acostumada/o a sentimentos como esse em meu próprio corpo", ela/e disse.
Já chorar e fazer sexo "é algo que consigo fazer o dia inteiro", disse Corrin.
Tradução de Paulo Migliacci
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