Marwa Atik, à esq., que contratou sua antiga estagiária, Khadija Sillah, à dir.Marwa Atik Jessica Chou - 10.jan.22/The New York Times

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Jennifer Miller
The New York Times

Em setembro de 2020, Audrey Peters, que tinha ganhado fama há pouco tempo como influenciadora no TikTok, assinou sua primeira parceria com uma marca. Uma conta chamada @Overheard pediu que ela recitasse trechos de conversas escandalosas alheias durante as caminhadas por Manhattan que ela filmava com seu smartphone. Mas não demorou muito para os amigos de Peters perdessem a paciência com a ideia de andar alguns passos atrás dela segurando o celular para gravar as cenas de seus passeios pela cidade.

Um colega criador de conteúdo sugeriu que em lugar disso Peters, 24, procurasse um estagiário não remunerado –alguém que a ajudasse em seu trabalho em troca da experiência adquirida. A ideia parecia perfeita. Peters tinha sido estagiária não remunerada, em seus anos de universidade, e a experiência a beneficiou. Por isso ela postou uma história no Instagram na qual anunciava uma vaga para um estágio não remunerado e de tempo parcial.

O anúncio não foi bem recebido. Os comentários se acumularam, definindo-a como classista e acusando-a de exploração. Em retrospecto, ela diz, a descrição do trabalho que ela fez no anúncio era incompleta. Ela tinha a intenção de cobrir as despesas do estagiário com transporte e refeições, e de apresentá-lo aos representantes das marcas com quem tem parcerias.

​Mas ainda assim, disse Peters em uma entrevista por telefone em novembro, "mesmo depois que encontrei problemas e comecei a receber críticas pesadas, continuei a receber emails e mensagens de pessoas que diziam que adorariam trabalhar para mim". E mais de um ano depois de ela postar o anúncio, candidatos continuavam a se apresentar".

Depois de uma década de batalhas trabalhistas, processos judiciais coletivos e leis cujo foco era tornar os estágios empresariais menos abusivos, pode ser difícil compreender que interesse alguém teria por ocupar um posto como esse (remunerado ou não) junto a uma celebridade de internet que trabalha por conta própria. Mas para pessoas que cresceram online e passam a maior parte de seu tempo conectadas, compartilhando vídeos cuidadosamente editados e trocando recomendações de produtos, a oportunidade de aprender a ganhar a vida com o conteúdo que criam pode ser atraente.

Em uma pesquisa conduzida pela Morning Consult em 2019 com 2.000 pessoas da Geração Milênio, 54% delas disseram que se tornariam influenciadoras se pudessem. Agora, depois de quase dois anos que mudaram radicalmente a maneira pela qual as pessoas trabalham e vivem, o apelo da liberdade e flexibilidade criativa (para não mencionar o potencial de uma renda mais alta) pode ter se tornado ainda mais forte.

"As pessoas mais jovens não querem viver uma vida corporativa. Querem se divertir, estar em algo relevante, integradas à cultura", disse Gabe Feldman, 26, diretor de desenvolvimento de negócios da Viral Nation, que representa 300 influenciadores em todo o mundo.

Há muitas maneiras de se tornar influenciador. Às vezes isso acontece por conta de um acaso feliz: um vídeo faz sucesso viral e marcas começam a procurar parcerias. Algumas pessoas gastam dinheiro em cursos de treinamento ou com "bots" que ajudem a expandir seu número de seguidores, na esperança de que isso as ajude a ganhar influência. Outras vão diretamente à fonte, e enviam mensagens a um influenciador que admiram, pedindo emprego.

É claro que arranjos como esses podem ter lados negativos, entre os quais horários de trabalho esquisitos, trabalho não estruturado, proteção limitada pelas leis trabalhistas e dificuldades na prestação de contas. Para não mencionar as mudanças de humor dos seguidores. "Digamos que você trabalhe com um influenciador que estava se saindo incrivelmente bem em 2021, mas em 2022 a audiência dele deixa de crescer", disse Feldman. "Isso significa a perda daquilo que fazia o trabalho valer a pena".

E há também a questão do dinheiro. Feldman estima que apenas 40% dos clientes da Viral Nation remunerem seus estagiários com base em uma escala fixa de pagamento por hora de trabalho, salários regulares ou bonificações por trabalhos entregues. Para muitos jovens, que saem endividados da universidade e estão diante da inflação mais alta em 30 anos, trabalhar de graça se tornou insustentável.

Hoje em dia, a maior parte das grandes empresas remunera os estagiários, depois que diversas companhias de mídia e entretenimento foram condenadas por violações das leis trabalhistas na década de 2010. Mas estágios não remunerados não são considerados ilegais por definição.

Em 2015, um tribunal de recursos decidiu que eles eram admissíveis se o estagiário for o "beneficiário primário" do estágio. O Departamento do Trabalho americano agora trabalha com uma lista de sete critérios que um empregador precisa cumprir se deseja contratar estagiários não remunerados, entre as quais um componente educativo claro no trabalho e uma descrição de funções que signifique que o estagiário "complementa, em lugar de substituir, o trabalho de empregados pagos".

Nova York e a Califórnia também têm critérios rigorosos para empregadores que desejem oferecer estágios não remunerados. Uma empresa precisa pagar salário mínimo e horas extras aos seus estagiários caso eles estejam substituindo um empregado ou executando tarefas que usualmente caberiam a um empregado. "Isso acontece porque o número de abusos é muito grande", disse Anita Sharma, advogada cujo escritório tem grande número de influenciadores entre seus clientes, na cidade de Nova York e em Los Angeles.

"No mundo dos influenciadores, os negócios ganham escala muito rápido", ela disse. "Se estou sobrecarregado, minha audiência está crescendo e preciso de ajuda, e pessoas me mandam mensagens dizendo que querem trabalhar para mim e aprender comigo, é uma combinação perfeita".

Diversos advogados que contatamos para este artigo e se especializam em trabalho relacionado à mídia social disseram não conhecer nenhum caso de estagiário que tenha aberto processo contra um influenciador. Mas, disse Sharma, "um estagiário insatisfeito sempre tem a opção de se queixar às autoridades trabalhistas do estado, e elas agirão, o que garante que haja prestação de contas".

Lauren Berger, presidente-executiva e fundadora da Intern Queen, uma empresa de consultoria sobre estágios e desenvolvimento de carreira, acautela os influenciadores e recomenda que sejam cuidadosos. "As diretrizes são ambíguas" ela disse. "O que os influenciadores vão fazer quando um dos estagiários voltar depois de alguns anos e disser que ‘eu a ajudei mas ela não me pagou’? Há um processo judicial à espera, ali".

Kalyn Johnson Chandler, que comanda a Effie’s Paper, uma marca de produtos de papelaria e estilo de vida, disse que quando sua empresa era pequena, os estagiários recebiam um vale-transporte e dinheiro para cobrir suas despesas de almoço. Quando o negócio cresceu, ela começou a pagar um estipêndio real em dinheiro, de US$ 15 (R$ 80) por hora".

Hala Taha, por outro lado, vê a experiência que o estagiário adquire como a forma mais valiosa de remuneração. Ela construiu sua companhia, a Young and Profiting Media, com a ajuda de 40 estagiários e voluntários, de 2018 para cá.

"São ouvintes de podcasts que perguntam como podem ajudar, ou dizem que me admiram, ou desejam começar no ramo dos podcasts", disse Taha, 35. "Querem ingressar na indústria da mídia, ou na TV e rádio, e não têm experiência".

Ela tinha sete estagiários, no final de 2021, que ajudavam a redigir textos, administrar comentários e editar vídeos. A maioria deles recebia um estipêndio de US$ 300 (R$ 1.600) por mês em troca de 15 horas de trabalho por semana –o equivalente a cerca de US$ 5 por hora (R$ 27).

"Sou uma excelente redatora e uma excelente produtora de vídeos", disse Taha. "Por isso, quando comento em tempo real o trabalho que eles fazem, minha estimativa é que eles dobram sua competência técnica em um mês de trabalho". "Não acho nem um pouco estranho não pagar pelo trabalho deles", ela acrescentou.

Sharma apontou que em alguns estados é necessário o pagamento de um salário mínimo para satisfazer os requisitos, caso o estagiário esteja realizando "trabalho substantivo", como planejar postagens de mídia social, editar legendas e publicar conteúdo sem supervisão. "Essas são tarefas importantes e essenciais para o trabalho do influenciador", ela disse.

Depois de quatro meses, disse Taha, ela oferece à maioria de seus estagiários um trabalho de período integral com salário de entre US$ 35 mil (R$ 189 mil) e US$ 48 mil (R$ 260 mil) anuais, exatamente porque eles adquiriram muita experiência prática. Outros, que ainda não terminaram a universidade, são contratados por remuneração de entre US$ 17 (R$ 92) e US$ 20 (R$ 108) por hora.

Caitlyn Saw, 21, foi estagiária de Taha no terceiro trimestre de 2020, sem remuneração. Ela trabalhava cerca de 15 horas por semana, planejava postagens de mídia social e revisava legendas dos vídeos de Taha no YouTube. Ela pôde arcar com o estágio porque ainda vivia com os pais e trabalhava em tempo parcial para uma agência de publicidade.

"Eu fiz dois estágios não remunerados antes da Young and Profiting Media. Estava acostumada a não receber pagamento", disse Saw. "Obviamente não é a situação ideal, mas acho que um estágio com ela tem um valor incrível".

Katie Welch, 44, vice-presidente de marketing da Rare Beauty, oferece conselhos sobre carreira no TikTok e disse que um estágio com um influenciador pode ser "um ótimo lugar para começar uma carreira", especialmente para quem quer trabalhar com marketing ou relações públicas. Mas também aconselha cautela. "O que eu diria a um estagiário é que ele precisa determinar se está sendo pago de maneira justa e tratado de maneira justa".

Jon Rettinger, 41, que opera diversos canais direcionados à tecnologia no YouTube, disse que sua esperança era a de oferecer orientação útil aos seus estagiários. É "um trabalho real, sem essa de Lamborghinis e lutas de boxe", ele disse, apontando que muitos criadores de conteúdo são vítimas de "bullying" online. "Eu gostaria que alguém tivesse me avisado, porque estava despreparado", ele disse.

Antigos estagiários dizem que apreciam a orientação que receberam. Sara Naqui, que começou tirando fotos como voluntária para Chandler, da Effie’s Paper, agora tem um contrato com a companhia e um canal próprio no YouTube. "Ela me apoiou de uma maneira que eu nunca tinha visto outro adulto apoiar, em meus esforços criativos", disse Naqui, 24, sobre Chandler.

A Vela Scarves, uma marca de "hijabs" para mulheres interessadas em moda moderna, e sua fundadora e diretora de criação, Marwa Atik, fazem questão de convidar seguidoras para trabalhar como voluntárias em sessões de fotos e para se candidatar a estágios. "Você está se dirigindo a um conjunto de pessoas selecionadas que já apoiam o seu trabalho, acreditam no seu trabalho e se veem usando o produto", disse Atik, 31. "É uma conexão muito mais forte quando trazemos nossas meninas".

Khadija Sillah, 23, ex-estagiária da Vela Scarves, disse que "Marwa se esforçou para me orientar e me ajudou a me conectar com marcas e desenvolver ideias de conteúdo, mesmo quando me faltava motivação". Ela foi recentemente contratada como empregada de tempo integral na área de mídia social da marca.

Chandler disse que seus estagiários ajudaram a construir a presença da Effie’s Paper na mídia social –no Pinterest, Instagram e por fim TikTok–, começando do zero. "Uma década atrás, eu era advogada e estava tentando me tornar empresária", ela disse. "Não tinha tempo de pensar sobre mídia social".

Mais tarde, Chandler solicitou a ajuda de uma antiga estagiária da empresa, Chloe Helander, que tinha criado uma consultoria de mídia social. Helander sugeriu que Chandler fosse a estrela das contas de mídia social da Effie’s Paper. Afinal, muitas companhias hoje tratam seus executivos como o rosto de suas marcas.

Chandler inicialmente recebeu a ideia com ceticismo. "Acho que tenho a pele escura demais, e sou velha demais", ela disse. Agora, afirma Chandler, "é por causa dela que meu rosto aparece em tudo".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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