Ariadna se diz cansada de ser taxada de polêmica: 'Só grito por respeito'
Ex-BBB fala de obstáculos e sobre ver uma trans no reality após 11 anos
Ex-BBB fala de obstáculos e sobre ver uma trans no reality após 11 anos
Antes mesmo de as alianças começarem, foi um pronome, supostamente errado, que mobilizou os fãs do Big Brother Brasil 22 (Globo). Mesmo com o aviso nada discreto estampado na testa da cantora Linn da Quebrada, ou apenas Lina, alguns de seus colegas não conseguiram entender que é ela, e não ele.
Ariadna Arantes, 37, não passou por isso. Não houve erro de pronome, mas houve outros problemas. A primeira mulher trans a participar do reality, em 2011, assiste agora à colega retomar sua luta por representatividade. É apenas a segunda trans a ter chance ao prêmio do programa, hoje de R$ 1,5 milhão.
Passados 11 anos de sua participação, Ariadna diz que não houve grandes mudanças na sociedade e as pessoas transgênero ainda vivem sob o peso da violência, do preconceito, da falta de oportunidades e da invisibilidade.
"Se tivessem [ocorrido] mudanças, você estaria vendo mulheres trans fazendo faculdade, trabalhando em bancos, em grandes cargos. Claro que tivemos alguma melhoria, não é que eu queira generalizar, mas mudou pouca coisa, não é o suficiente ainda para o século em que estamos", afirma ela.
Apostando na carreira de influenciadora, ela diz que ainda não é contratada por grandes marcas para fazer propaganda, mesmo com um milhão de seguidores no Instagram. Após a participação do reality No Limite (Globo), ela conta que foi procurada por algumas empresas, mas não consegue viver como influenciadora.
"Estamos na semana da visibilidade trans e nenhum trabalho rolou. Você não está vendo nenhuma trans influenciadora famosa fazendo trabalhos. [A transfobia] é algo que é muito descarado na sociedade", afirma ela se referindo ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado neste sábado (29).
Nascida no Rio de Janeiro, Ariadna convive com o preconceito desde cedo e, como acontece com muitas trans, ele começou em casa. Ela conta que foi expulsa pela mãe aos 14 anos. "Fui morar com a minha avó e ela também não tolerava o fato de eu ser trans e me botou para fora também."
Depois disso, Ariadna chegou a se candidatar a uma vaga de serviços gerais em um banco e ouviu que não era da política da empresa dar emprego para pessoas como ela. "A única coisa que me restou foi a estrada", afirma a influenciadora, se referindo ao período em que se prostituiu.
Aos 19, uma cafetina lhe deu a oportunidade de trabalhar na Itália, ainda com prostituição. Ela conta que a mulher cobrou 12 mil euros (R$ 71 mil), que seriam pagos com o dinheiro que recebesse dos programas. "Como não tinha perspectiva, vi a possibilidade de sair do pesadelo [que era a vida no Brasil] e, depois de pagar a dívida, poderia juntar dinheiro para fazer a cirurgia de redesignação sexual."
O procedimento aconteceu cerca de sete anos depois, em 2009, em Bangkok, na Tailândia. Ariadna então voltou à Itália, onde viveu durante 19 anos, até retornar, no ano passado, para o Brasil para investir na carreira de influenciadora, chegando recentemente a 1 milhão de seguidores. "Um presente no Dia da Visibilidade Trans", comemora.
Mesmo estabelecida e hoje mantendo uma relação boa com a família, Ariadna ainda destaca muitos obstáculos, até na comunidade LGBTQI+. Segundo ela, mesmo lembradas na sigla T, as pessoas trans dificilmente são exaltadas como divas e rainhas na comunidade. "Só somos lembradas na época das militâncias, no resto do ano somos descartadas."
A influenciadora cita as rainhas das paradas gay de São Paulo e do Rio como exemplo: "Você vê a Luísa Sonza, Lexa, Anitta, Viviane Araújo que são heteras. Não quero causar um desconforto a elas, porque elas também lutam pela comunidade, mas quando a gente fala de representatividade é importante falar com quem vive na pele."
A esperança da influenciadora é que a participação da Linn no BBB 22 ajude a comunidade a dar alguns passos, como quebrar a ideia de que as trans são polêmicas, briguentas e associadas à prostituição. "Linn, além de travesti, é poeta, uma ativista cultural e uma pessoa que pode estar ali no nosso convívio."
Sobre o pronome masculino usado por colegas de confinamento para se referir a Linn, como aconteceu com Eslovênia, em pelo menos duas ocasiões, e em mensagens enviadas por Laís dentro da casa, Ariadna afirma que eles não se dão ao trabalho de respeitar a cantora.
"Eu posso entender uma irmã que trata uma travesti com o pronome masculino, porque cresceu com ela. Mesmo um primo ou a mãe podem ter ainda dificuldade de adaptação. Mas não uma pessoa que foi apresentada a ela ouvindo 'Oi, eu sou Lina’. E muito menos vendo a palavra ‘ela’ tatuada no rosto."
Apesar de não ter tido problemas como esse em sua participação no BBB, Ariadna afirma que sofreu com comentário e ataques da mídia e de pessoas que estavam fora da casa mais vigiada do Brasil. Ela chegou a comentar recentemente em suas redes sociais sobre uma capa do jornal Meia Hora que a abalou na época.
"Eu lembro que chorei muito por tudo que aconteceu. Segurei por nove dias, mas teve uma hora que eu não aguentei, desabei, passei o dia inteiro chorando em casa, no escuro. Não queria comer, não queria levantar [da cama] com toda aquela pressão."
O pedido de desculpas do jornal chegou apenas neste ano, há cerca de uma semana, via redes sociais, e Ariadna diz que não respondeu, assim como optou por não processar a publicação na época. "As pessoas estão acostumadas a um pedido de desculpas, mas não me procuram para falar 'vamos fazer uma capa falando sobre o que as trans sofrem?'."
Em tom de desabafo, Ariadna diz que está cansada de ser taxada como polêmica. "Eu estou há 11 anos gritando por respeito, reconhecimento, querendo trabalho e ajudar as outras meninas como eu. E o meu grito é legítimo."
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