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Celebridades

Tico Santa Cruz diz que família o prefere calado, mas debater é sua natureza

Cantor cita ameaças e amizades desfeitas após falas anti-Bolsonaro

Tico Santa Cruz durante show com o Detonautas Rock Clube 28.set.2019/AgNews

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São Paulo

De 2013 até agora, o cantor Tico Santa Cruz, 43, conta ter angariado mais problemas do que amigos. Adepto dos debates políticos e radicalmente contra o bolsonarismo e quem o apoia, o artista acha importante tocar nas feridas da sociedade mesmo que isso acarrete problemas para ele e sua família.

Entre 2015 e 2017, Santa Cruz sofreu ameaças por causa de seu posicionamento político mais à esquerda e por críticas ao ex-juiz Sergio Moro, até então responsável por julgar processos da Lava Jato. O músico fez uma carta aberta a Moro após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

E as ameaças voltaram a acontecer mais recentemente após dclarações de Santa Cruz contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e à forma como ele lida com a pandemia da Covid-19. Santa Cruz se declara favorável ao impeachment do mandatário, o que irrita seus apoiadores.

“Minha esposa e meus filhos com certeza não gostam de ver o pai e marido sendo atacado nas redes sociais. Isso repercute nas amizades, na família. Prefeririam que eu ficasse em silêncio. Mas essa é minha natureza”, diz o vocalista do Detonautas Rock Clube, que lança um disco de inéditas 23 de julho.

Formado em ciências sociais pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ele diz que sempre foi envolvido com política e até prepara um livro. "Será sobre meu posicionamento político, que não é de agora, e tudo que isso influenciou, desde minha família até banda, o trabalho, a censura financeira."

Em entrevista ao F5, o músico fala sobre a depressão, que diz ter começado a tratar, os cuidados que tem para sair na rua em tempos de polarização e sobre as amizades que perdeu por suas declarações, como Roger Moreira e Lobão, nomes que ele tinha como referência antes das eleições de 2018.

“Eu espero que um dia o Lobão se desculpe publicamente pelo que fez, se tiver humildade para isso. O Roger [do Ultraje a Rigor] é um grande músico, mas está adoecido pelo bolsonarismo”, diz o músico se referindo a críticas de Lobão ao Detonautas e a desentendimentos com Roger. Veja trechos editados da entrevista.

Falar de política é natural para você?
Estudei ciências sociais na UFRJ e sempre fui muito envolvido com política. Se pegar pesquisa rápida no Google e colocar [as palavras] Tico Santa Cruz, protestos, mobilizações, você vai encontrar muitas manifestações minhas em uma época que eu fazia isso praticamente sozinho. Acredito que o ruído ainda é melhor do que o silêncio. Não debater política para mim é muito perigoso.

Mas os debates acalorados te machucam?
Talvez seja uma utopia minha, mas eu acredito, no futuro, que as pessoas consigam dialogar de forma menos apaixonada e mais racional. Dentro das redes sociais tem muito ódio, muita gente que se protege pelo anonimato. Assim como tem muita injúria, calúnia e difamação. Nesses casos procurei a Justiça. E todos os processos que eu movi eu ganhei. A internet não é terra sem lei.

​Você disse receber ameaças. Quem está te ameaçando agora?
A gente não sabe da onde vêm as ameaças. Minha esposa [Luciana Rocha] recebeu um telefonema de uma pessoa falando o nome dela e pedindo dados. Obviamente ela não falou nada e agiu de forma racional, controlou o nervosismo. Depois, a pessoa perguntou se ela queria morrer. O que fazemos é monitorar sempre nossa segurança, temos nossas formas de nos comunicar e não criamos rotinas.

Já foi ameaçado na rua, cara a cara?
Na rua nunca tive nenhum tipo de problema e espero nunca ter. Só em um show no interior do Rio de Janeiro, um policial entrou armado e ficou com celular escrito Bolsonaro. Em determinado momento ele começou a meter a mão nos equipamentos do palco. Quando os seguranças foram tirá-lo, ele sacou a arma e apontou para eles, começou uma confusão horrível.

As ameaças já te afetaram profissionalmente?
A gente perdeu um show no Japão em 2017 por ameaças de uma página bolsonarista da comunidade japonesa no Brasil. Alguns ameaçaram as contratantes que já estavam com visto e passagens compradas. Como não estavam acostumadas a isso, não quiseram fazer o show.

O que sua família acha dos debates que você entra?
Minha esposa e meus filhos, com certeza, não gostam de ver o pai e marido sendo atacado nas redes sociais, isso incomoda, claro. Eu também passei a equalizar melhor o meu diálogo e a não entrar em qualquer tipo de conflito. Eles se preocupam muito porque como sou pessoa pública isso repercute nas amizades, na família. Prefeririam que eu ficasse em silêncio e não me posicionasse. Mas essa é minha natureza.

Você toma cuidado ao sair na rua?
Obviamente eu tomo meus cuidados. A gente [família] recebeu algumas ameaças mais pesadas no período de 2015 a 2017. Agora as redes se inflamaram mais com o enfraquecimento do bolsonarismo. Mas ainda acredito que a gente deve fazer aquilo que a gente acredita que seja a construção de uma democracia.

Por que alguém te agrediria?
Se por ventura alguma coisa acontecer a mim, eu acho que seria mais uma evidência de que o Brasil é mais um país que não respeita o pensamento democrático. Não faço ataque a nenhuma instituição e a nada que subverta algum regime autoritário. Ao contrário. Acredito que o risco existe, mas que preciso enfrentar para seguir com as pautas que acredito que sejam fundamentais.

Como está a sua saúde mental com tudo isso?
Eu não sou uma pessoa com quadro de depressão, mas em janeiro [de 2021] comecei a ficar num estágio de irritabilidade. Comecei a ficar muito tempo sonolento, cansado. Percebi que estava entrando num processo de depressão. Procurei minha terapeuta que me orientou a ir ao psiquiatra que receitou um medicamento. Algumas semanas depois minha cabeça estava melhor.
Mas a saúde mental da minha família também foi muito abalada em alguns momentos. As ameaças [sofridas desde 2015] já atingiram meu filho que na época era menor de idade, minha esposa. Pessoas não tinham menor escrúpulo de direcionar a mim. Então é tudo muito grave. Sempre tentei manter minha calma e racionalidade e proteger minha família para que não sofresse. Mas não é fácil.

Falar de política atrapalha sua carreira na música?
Eu como artista e pessoa pública fiquei muito estigmatizado por um período e isso não é bom porque você não consegue marcas, patrocinadores, parceiros. Mas agora as coisas estão mudando. Percebo que muitos outros artistas e até contratantes de festivais grandes, como do Rock in Rio, entendem que o Detonautas é uma banda com boas músicas e que também está comprometida com a democracia e com as pautas humanistas.
Espero que a gente volte a ter o espaço que merecemos pela música. O Detonautas foi visto por muitos anos como uma banda que muita gente não queria ter por perto. Uma injustiça muito grande, pois a banda no palco tem músicas que falam de política, mas não faço palco de palanque. Meus posicionamentos individuais, eu respondo por eles, embora todos nós tenhamos pensamentos semelhantes.

Você escreve um livro. O que terá nele?
Será sobre essa questão do meu posicionamento político, que não é de agora, é algo que já faço há anos. Vai entrar o contexto e consequências para minha família e para a banda, o trabalho, a censura financeira, pois por muitos anos o Detonautas foi marginalizado, colocado numa geladeira.

Você tem mais amizades ou inimizades?
Entre 2013 e 2018 eu tive mais problemas do que amigos. Fiz amigos, muitos. Mas teve pessoas próximas que eu conhecia e se afastaram e algumas se tornaram bem agressivas usando de mentiras, calúnias e difamações nas redes. Eu tinha uma relação amigável com o Lobão e ele foi uma das pessoas que no início apoiou muito Bolsonaro, agora ele já se arrependeu.

Ele te decepcionou? Quem mais?
Eu sempre lutei pelo direito dele de falar. O Lobão era um artista também controverso que recebia muitas críticas então eu o defendia, mas em determinado momento ele começou a usar de mentiras e acusar o Detonautas de usar dinheiro público. Nos chamou de ‘roubonautas’. O Roger do Ultraje a Rigor era outra pessoa que tinha admiração enorme e, ao contrário do Lobão, ele não se arrepende ainda de defender o bolsonarismo.
Eu espero que um dia o Lobão se desculpe publicamente pelo que ele fez, se ele tiver humildade para isso. O Roger é um grande músico, mas está adoecido pelo bolsonarismo. E os outros que tiveram problemas comigo no passado já vieram me pedir desculpas. Não tenho intenção de guardar mágoa.

Como você vê a disputa presidencial para 2022?
O Brasil não pode ficar em 2021 acreditando que só existem dois caminhos para seguir em 2022. Temos que construir uma alternativa ao Brasil que não seja com Bolsonaro no segundo turno. Se for Lula e Bolsonaro eu voto no Lula. Se for Doria e Bolsonaro eu vou votar no Doria. Se for o Ciro e Bolsonaro eu voto no Ciro. O Bolsonaro nunca foi opção, nem para síndico de prédio.
Não dá para achar que quem apoia esse governo negacionista com mais de 500 mil pessoas mortas pela Covid não seja uma pessoa que está mentalmente afetada. Não sou o dono da verdade, já errei e me desculpei. Mas o bolsonarismo é uma doença e quando conseguirmos curar parte da população dela o país poderá voltar a respirar de uma forma mais aliviada.

Já pensou em virar político?
Eu fui convidado em 2018 por vários partidos no campo progressista da centro-esquerda. Mas eu não tenho absolutamente nenhuma intenção em ser deputado estadual, senador ou qualquer coisa no âmbito político. Funciono bem fazendo meu papel como artista. Quero poder criticar e exercer as minhas opiniões e pontos de vista de forma livre.

Recentemente você falou sobre sexualidade fluída. O que quis dizer?
Essa questão começou de uma fake news das milícias digitais bolsonaristas que espalharam uma mensagem pelo WhatsApp que chegou aos meus familiares e meus amigos, onde eles diziam que eu tinha assumido o gênero fluído, que eu tinha outra personalidade chamada Xana e que eu era andrógeno. Fizeram mistura de conceitos.
Fui procurado por dois ativistas LGBTQIA+. Me falaram que sexualidade fluída era uma pessoa que em determinado momento da vida escolhia viver experiências heterossexuais e em outro momento poderia viver experiências bissexuais ou homossexuais. Eu sou casado há 20 anos, tenho dois filhos, sou uma pessoa hétero, sinto atração por mulheres, mas se um dia eu tivesse algum tipo de atração no caso por mulheres trans, que foi o que eu falei, não teria nenhum tipo de problema.

Quais serão os próximos lançamentos do Detonautas?
Vamos lançar mais três músicas. Uma chama "Bandeira Brasileira", que é uma música de 2010 que regravamos e aborda o Brasil e seus problemas enraizados. Outra é uma versão acústica de "Carta ao Futuro", que aborda toda essa coisa negacionista e autoritária do país, e "Clareiras", que fala dos sentimentos na pandemia. O álbum inédito sai em 23 de julho.
Esse disco que estamos para lançar é de crônicas porque quem quiser, em 2040, saber o que aconteceu no Brasil através do rock, estará tudo ali.

Por falar em pandemia, como tem sido a quarentena?
Não saí durante a pandemia, estou em casa desde março de 2020. Até o momento eu não peguei Covid. Continuarei com todos os cuidados. Dia 2 de julho será o dia que vou me vacinar.

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