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Bichos
Descrição de chapéu The New York Times

Jovem de 22 anos faz sucesso no YouTube com coleção de animais exóticos

'Ter um grande número de animais atrai espectadores', diz Tomas Pasiecznik

Rambo, um tegu argentino preto e branco, empoleira-se no ombro de Tomas Pasiecznik

Rambo, um tegu argentino preto e branco, empoleira-se no ombro de Tomas Pasiecznik Rosie Marks -8.jun.2021/New York Times

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Amanda Hess
The New York Times

Tomas Pasiecznik mora com os pais, um cachorro e 26 outras espécies de animais em Nova Jersey, entre as quais uma píton reticulada, uma tarântula chilena, uma colônia de baratas das cavernas gigantes da América Central e um ouriço pigmeu africano chamado Chloe.

A contagem não inclui os animais que Pasiecznik adquire para servir de comida a outros animais. Quando conversamos por Zoom, em uma tarde recente, Pasiecznik saiu da câmera por um instante e voltou trazendo duas larvas de mariposa azuis que tremelicavam na palma de sua mão —eram o jantar dos escorpiões e das tarântulas.

"Elas são superbacanas", diz. "É difícil para mim servi-las como jantar. Eu preferiria ver as larvas se tornarem mariposas, e tudo isso."

Pasiecznik, 22, é um sujeito magrinho com um senso de moda estranhamente atraente. Mesmo usando uma camiseta grandalhona com o logotipo de alguma marca, e calças xadrez apertadas –exatamente o tipo de roupa que eu usava na escola na metade dos anos 1990—, ele parece muito alinhado, enquanto eu parecia um maluco.

Ele é o tipo de jovem que fala sinceramente sobre suas paixões. "Minhas duas maiores paixões são os animais e a tecnologia", afirma. No Instagram e no YouTube, ele posta com o nick Tomas Pasie e é frequentador regular de um cantinho da internet conhecido como PetTube: uma comunidade de pessoas que gostam de filmar seus muitos, e muito exóticos, animais de estimação.

Há diversos motivos para que uma pessoa termine por ser dona de um grande número de animais de estimação incomuns. Um dos motivos pode ser a paixão por animais. Outro é que o YouTube parece apaixonado por animais —quanto mais, melhor.

"Ter muitos animais não é meu objetivo, mas ter um grande número deles atrai espectadores no YouTube", diz Pasiecznik. No momento, ele tem 31 animais (suas colônias de baratas e de isópodos são movimentadas demais para calcular o número individual de espécimes, e por isso ele conta cada colônia como um animal de estimação.)

É um número relativamente modesto para Pasiecznik. Os vídeos mais populares que ele já postou tinham títulos como “alimentando minhas 31 tarântulas (Saiu errado)”, com 3,7 milhões de visitas, “alimentando todos os meus animais (mais de 100) [Loucura]”, com 1,6 milhão de visitas, e a versão em espanhol desse mesmo vídeo, que recebeu 1,8 milhão de visitas.

Pasiecznik cresceu assistindo ao YouTube ("sou apaixonado pelo YouTube literalmente desde criança"), e o conteúdo dele é criado para satisfazer os impulsos que dominam a plataforma: combina as demandas por esquisitices vistosas e instruções muito práticas sobre como fazer alguma coisa.

Em um vídeo típico, ele fala para a câmera, sobre uma trilha sonora de música genérica sintetizada, e demonstra competência perfunctória ao instruir os espectadores sobre os detalhes da criação de aranhas, sobre como preparar salsichas para as refeições de lagartos, e sobre como umidificar corretamente um habitat de camaleões .

Pasiecznik promove seu trabalho por meio de colagens fotográficas coloridas que incluem uma foto de seu rosto em posição central, cercada por imagens de animais esquisitos. Os títulos de seus vídeos enfatizam a natureza "insana" de sua "coleção" de animais.

Em 2018, ele foi destaque no Ripley’s Believe It Or Not como ”colecionador prolífico” de “animais insanos”. Mas Pasiecznik não aceita essa caracterização. "Não gosto de usar o termo ‘coleção’", diz.

No passado, ele acumulava pilhas e mais pilhas de latas da bebida energética Monster —isso era uma coleção. Os animais de estimação dele são indivíduos, e ele se importa com eles, e os ama. Pasiecznik atribui à mãe a empatia que sente por criaturas estranhas. Ele diz que "ela me ensinou de verdade a amar todos os animais. Mesmo os minúsculos".

Pasiecznik nasceu na Argentina —seu primeiro idioma foi o espanhol— , e depois de se mudar para os Estados Unidos "literalmente sem nada", e morar em uma série de apartamentos alugados, a família se mudou para uma casa própria em um subúrbio em Nova Jersey, onde ser dono de animais também representava liberdade.

A família não tinha mais como proibi-lo de ser dono de uma cobra, ou um monte delas. No segundo grau, Pasiecznik foi escolhido como "o garoto mais único", e apareceu no anuário com uma camiseta que dizia "amo os répteis".

Às vezes seus amigos brincavam e diziam que iam matar seus insetos, o que ele tolerava. "Eles talvez não soubessem que era muito rude brincar dizendo que pisariam nos bichos", diz. "Mas eu tinha literalmente criado aquela aranha desde que ela era" —e ele aproxima o indicador do polegar até que a distância entre eles seja imperceptível— "desse tamanhinho".

O PetTube é um espaço divertido. Suas personalidades incluem Emzotic, que trabalhou em um zoológico no Reino Unido e mais tarde se tornou youtuber; Taylor Nicole Dean, entusiasta gótica dos répteis que acaba de voltar ao YouTube depois de suspender as atividades de seu canal por um ano a fim de se concentrar na sobriedade; Marlene Mc’Cohen, atriz e amiga dos pássaros que cria personas separadas para cada um de seus 12 papagaios; e Thmpsn, violinista clássico e influenciador que vive com um séquito de cobras, um coelho enorme e diversas mulheres com implantes generosos nos seios.

Superficialmente, o conteúdo deles pode parecer "enfatizar" a natureza exótica da "coleção" de animais e a domesticação do que é selvagem dentro de uma casa suburbana. Parte do atrativo é a diversão visual de ver um papagaio em voo por sobre os carpetes acinzentados de uma casa, ou uma pilha de cobras se retorcendo sobre um piano.

Mas se contemplarmos de outra maneira, essas figuras representam um compromisso radical para com o cuidado, em muitos casos dedicado a animais que a maioria das pessoas não veria como dignos de carinho. São pessoas que amam os animais, mesmo os animais estranhos, e até mesmo enxames de animais potencialmente repulsivos.

O clima idílico desse espaço costuma ser desestabilizado por uma crítica persistente: talvez as pessoas não devessem amar todos os animais; talvez haja um limite para o número de animais de estimação que alguém deveria ter.

Ocasionalmente, figuras famosas do PetTube são acusadas de especulação ao adquirir animais, ou de negligenciar seus bichos. E às vezes os animais —como é o destino de todas as criaturas na Terra— morrem.

Entre uma oferta de condolência e outra, as pessoas que comentam podem questionar se o animal viveu tanto quanto deveria, e especular se o PetTuber tem alguma responsabilidade por sua morte. Os críticos enfatizam o dever dos youtubers interessados em animais de servirem como exemplo nos relacionamentos entre seres humanos e animais, e muitos dos Pettubers são ativistas engajados dessa causa.

No PetTube, o objetivo é celebrar os animais que têm donos humanos, mas também questionar: por que os seres humanos deveriam ser donos de animais? Quando conversei com Pasiecznik, ele estava sentado diante de um computador em uma garagem mal iluminada e convertida em viveiro. Um sofá marrom rechonchudo e diversas gaiolas para répteis eram visíveis ao seu redor.

Sobre o sofá havia uma cópia da edição do Ripley’s Believe It Or Not que ele foi destaque, e uma placa do YouTube celebrando a marca de cem mil assinantes em seu canal. A presença dele online tinha me acostumado tanto ao pano de fundo de seus vídeos que, quando ele apareceu na janela do meu Zoom, a impressão que tive foi a de um daqueles quadros de casas mal assombradas que subitamente ganham vida.

Em seus vídeos e postagens no Instagram, a performance de especialista de Pasiecznik pode obscurecer a profundidade emocional de seu apego aos animais. Ele se formou recentemente no Instituto de Tecnologia de Nova Jersey e reduziu o ritmo de produção de vídeos para o YouTube, porque estava concentrado na universidade e nos animais.

No dia em que conversamos, o camaleão de Pasiecznik, Rango, tinha morrido há pouco tempo, aos sete anos (uma duração de vida apropriada para um camaleão domesticado). O corpo de Rango estava guardado no freezer de Pasiecznik, esperando a decisão dele sobre como se despedir.

Ele estava considerando a possibilidade de preservar os corpos dos animais, talvez para doá-los a alguma espécie de museu. Pergunto se ele aprendeu sobre a morte na infância, porque tinha tantos animais, e ele faz silêncio por algum tempo. "Falar dos animais me comove", ele diz; "estou comovido, agora".

Ele sugeriu que eu assistisse a um vídeo que postou no YouTube sobre o assunto, alguns anos atrás. Naquela noite, fiz buscas no YouTube até encontrar o vídeo, intitulado “Ele morreu... meu primeiro lagarto de estimação (História completa)”, e ilustrado com uma foto de Pasiecznik, ainda criança, segurando a criaturazinha nas mãos. Um emoji de um rosto amarelo e pensativo pende por sobre a imagem.

No vídeo, Pasiecznik fala diretamente para a câmera, por sobre uma melodia eletrônica incessante. Ele conta ter comprado Seth, um lagarto de cauda longa, em uma loja PetSmart quando tinha cinco anos de idade.

Ele queria uma cobra, mas seus pais não permitiram, e por isso ele comprou o lagarto mais parecido com uma cobra. Ele amava Seth demais, e não conseguia ficar longe dele. "Fiz algo que ninguém deve fazer: segurei o lagarto nas mãos por tempo demais, sem lhe dar tempo para relaxar", disse Pasiecznik.

Na manhã seguinte, depois de passar tanto tempo com o animal nas mãos, Pasiecznik encontrou uma cena macabra no terrário de Seth. O lagarto tinha morrido. A boca dele estava cheia de terra. "Foi minha culpa", disse Pasiecznik. "Eu o segurei nas mãos por tempo demais”.

Era uma história muita triste sobre um menino e seu lagarto. Mas também servia como prova da maneira pela qual o YouTube se infiltrou no relacionamento entre animais e seres humanos, dando forma às nossas experiências emocionais mais básicas e enquadrando-as às suas especificações tecnológicas.

A descrição do vídeo diz: “O primeiro lagarto que tive morreu... um dia depois que eu o comprei! Era um lagarto de cauda longa da PetSmart! Eu só tinha cinco anos! Manter répteis como animais de estimação é maravilhoso! Lagarto de estimação, cobras de estimação e sapos de estimação são ótimos".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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