O que é vigorexia? Redes sociais levam jovens a buscar corpos musculosos
TikTok une adolescentes insatisfeitos com seus corpos
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Como muitos outros atletas escolares, Bobby, 16, aluno de segunda série do segundo grau em Long Island, dedicou anos a colocar seu corpo em forma por meio de dietas de proteína e sessões de exercício.
Entre rodadas de "Fortnite" e tarefas escolares, Bobby usa a internet para estudar as técnicas de fisiculturistas como Greg Doucette, 46, uma personalidade no mundo do exercício que conta com mais de 1,3 milhão de assinantes em sua conta no YouTube. E Bobby também vai à academia de ginástica pelo menos seis dias por semana.
"Ver caras como esses me fez perceber que eu queria ter um corpo parecido com os deles e postar coisas parecidas com as que eles postam", disse Bobby, que é um garoto com cabelos castanhos cacheados e o porte compacto de um ginasta. (O The New York Times não vai publicar os sobrenomes de adolescentes mencionados neste artigo, ou os de seus pais, para proteger sua privacidade.)
E ele nunca se esquece de atacar a geladeira, devorando Kodiak Cakes, repletos de proteína, e shakes Oreo que ajudam a reforçar a massa muscular. Ele consome tamanha quantidade de proteínas que seus colegas de escola às vezes o olham espantados, quando ele devora até oito porções de arroz com frango no refeitório.
Mas Bobby não está buscando musculatura para conquistar vaga nas equipes esportivas da escola. Seu objetivo é competir em uma arena diferente: o TikTok.
Ele agora posta vídeos de exercícios no TikTok. Gravados com seu iPhone 11, usualmente na academia ou na sala de estar de sua casa, os vídeos são dedicados a tópicos como a melhor maneira de desenvolver um "peito de gorila", "antebraços de Popeye" ou "músculos abdominais tipo Lil Uzi".
Bobby disse que já houve momentos em que se atrasou em seu trabalho escolar por ter dedicado tempo demais aos exercícios com pesos e ao preparo de refeições com alto teor proteico.
"Quando Bobby começou a divulgar seus vídeos, a família nem sabia que ele estava fazendo aquilo há meses, porque ele sempre foi extremamente independente e fez as coisas por conta própria", disse o pai dele, que tem 49 anos e trabalha como guarda de presídio na penitenciária de Rikers Island. "Ele não fala muito sobre o que se passa quando faz aqueles vídeos, mas sei que dedica bastante tempo a eles para garantir que sejam perfeitos".
O pai de Bobby consegue entender, em alguma medida. "Quando eu era mais moço, lembro-me de ver revistas de moda masculina e de ver os caras malhados, musculosos nas fotos e querer ser parecido com eles", ele disse. "Demorei algum tempo para me tocar de que um corpo como o daqueles caras era provavelmente inatingível para mim".
Mas, diferentemente do que aconteceu no caso de seu pai, para Bobby a audiência foi crescendo à medida que sua massa muscular aumentava. "Garotos mais jovens me veem como ídolo", disse Bobby, que tem mais de 400 mil seguidores no TikTok. "Querem ser exatamente como eu, alguém que ganhou musculatura ainda na adolescência".
Entre os discípulos dele está Tanner, 16, aluno de segundo grau no Arkansas, que entrou em contato com Bobby via Instagram. "Obrigado por me inspirar", Tanner escreveu.
Para muitos garotos e homens jovens, o culto aos músculos se tornou um rito de passagem digital na cultura atual, saturada de imagens de homens bonitos e de corpo esculpido. Há exemplos em toda parte –nos videogames hipermasculinos que eles jogam, nos heróis mesomórficos dos filmes a que assistem. Os filmes de maior bilheteria do ano passado foram todos dominados por clichês de masculinidade reforçados por computação gráfica: Homem-Aranha, Shang Chi, Venom e todo o universo Marvel.
Muitos médicos e pesquisadores dizem que a adulação online aos corpos masculinos musculosos pode ter efeito tóxico sobre a autoestima dos jovens, com as imagens intermináveis de barrigas-tanquinho e rostos de boy band criando sentimentos de inadequação e ansiedade naqueles que as veem.
E embora haja uma conscientização pública maior sobre os danos que a mídia social pode causar aos adolescentes –estimulado em parte pelo vazamento de pesquisas internas do Facebook que demonstram que a empresa oculta os efeitos negativos do Instagram–, boa parte da atenção que isso despertou foi dirigida às meninas.
Mas estudos recentes apontaram que as mesmas pressões online podem levar meninos adolescentes a se sentirem mal quanto aos seus corpos.
"As meninas discutem mais essas pressões, mas é exatamente a mesma coisa para os meninos", disse Elliott, 17, cabeludo e aluno de segundo grau no Colorado que começou a postar vídeos de condicionamento físico no TikTok dois anos atrás, muitas vezes sob o hashtag #teenbodybuilding. "Sinto que estou tentando ser algum personagem, em lugar de a pessoa que desejo ser".
Uma pesquisa de 2019 publicada pelo Californian Journal of Health Promotion estudava a imagem corporal entre os meninos. Quase um terço dos 149 meninos entrevistados, com idade dos 11 aos 18 anos, se disseram insatisfeitos com a forma de seu corpo. O grau de insatisfação era maior entre os atletas do que entre os não-atletas, e a maioria dos pesquisados desejava "ampliar a musculatura", especialmente no peito, braços e abdome.
A busca pelo peitoral perfeito é tão intensa que psiquiatras agora se referem a ela ocasionalmente como "vigorexia", uma forma de dismorfia muscular exibida principalmente por homens e caracterizada por exercício excessivo com pesos, preocupação por não se sentir musculoso o bastante, e adesão estrita a uma dieta que reduz o peso e reforça os músculos. A condição também pode levar homens jovens a sentir obsessão quanto à sua aparência, e levá-los a se olhar no espelho constantemente ou a evitar completamente fazê-lo.
Bryan Phlamm, 18, aluno de primeiro ano em uma universidade do Illinois, muitas vezes posta vídeos que o mostram sem camisa no vestiário da Charter Fitness, flexionando sua musculatura esculpida. Mas quando ele desliga a câmera, coloca uma camiseta para esconder o corpo enquanto se exercita na academia.
"Tento não me olhar", ele disse. "Isso me desencoraja, especialmente se você vê a mídia social e encontra caras que usam ângulos de câmera e iluminação que os fazem parecer três vezes mais musculosos do que são de verdade".
"A maioria dos estudos quanto ao tema da satisfação com o corpo e mídia social é conduzida com a população feminina em mente, o que é completamente compreensível, claro", disse Thomas Gültzow, pesquisador sobre saúde pública na Universidade de Maastricht, Holanda. "Quase nenhuma das pesquisas existentes se concentra em homens".
Em 2020, Gültzow e seus coautores publicaram um estudo que analisava mil postagens no Instagram que retratavam corpos masculinos. Imagens idealizadas de "homens esbeltos e altamente musculosos", o relatório constatou, recebiam muito mais "likes" e compartilhamentos do que imagens de homens menos musculosos ou com maior teor de gordura corporal.
Um passeio pelas contas mais populares do TikTok e YouTube revela uma paisagem dominada pelos músculos. Astros de mídia social como os manos do Dude Perfect, o fisiculturista e comediante conhecido como The Black Trunks e o criador de vídeos Jake Paul, um renomado "bad boy", exibem bíceps imensos e músculos abdominais duros como rochas. Figuras como Noah Beck, Chase Hudson e Bryce Hall são astros populares no TikTok, e circulam constantemente sem camisa.
Até mesmo muitos "gamers", no passado em geral desdenhados como nerds, estão ganhando massa. PewDePie causou frenesi no Reddit ao exibir sua musculatura recentemente esculpida, durante a pandemia. O regime diário de 20 minutos de exercício que ele segue foi visto mais de 10 milhões de vezes no YouTube.
Alguns dos bonitões de Hollywood deram início a uma reavaliação, porém. No mês passado, Channing Tatum reagiu negativamente a uma imagem que o mostrava sem camisa, do filme "Magic Mike XXL", exibida para a audiência do programa de entrevistas de Kelly Clarkson.
"Ter uma aparência como aquela é difícil. Mesmo que você se exercite, manter aquela forma não é natural", disse Tatum. "E nem mesmo saudável. É preciso passar fome. Não acho que ser magro daquele jeito seja saudável".
Mesmo que haja um longo histórico de celebração a físicos musculosos, nenhuma forma de mídia desordenou a tal ponto a maneira pela qual os jovens veem seus corpos quanto o voyeurismo insaciável e o exibicionismo encenado que alimenta plataformas como o TikTok e o Instagram.
"A mídia social é o espaço em que os homens jovens experimentam a avaliação de sua aparência por outros", disse Veya Seekis, professora na Escola de Psicologia Aplicada da Universidade Griffith, em Queensland, Austrália. "Quanto mais os homens virem seus corpos como objetos para exibição pública, mais eles temerão ser avaliados negativamente, e isso muitas vezes deflagra um padrão compulsivo de exercícios e outros comportamentos ‘saudáveis’ que podem terminar tendo impacto sobre o bem-estar".
Há três anos, Seekis vêm recolhendo dados sobre os hábitos de mídia social de 303 universitários e 198 estudantes secundaristas na Austrália. Ela constatou, em parte, que a exposição a imagens de físicos masculinos arquetípicos estava ligada à baixa estima corporal nos homens jovens e a um desejo reforçado de ganhar musculatura.
É um loop de retroalimentação quanto ao condicionamento físico que capturou Johnny Edwin, 22, um jovem altamente musculoso da Colúmbia Britânica, Canadá, que trabalha no ramo de construção. Ele disse que, quando estava no segundo grau, passava horas grudado a canais de YouTube como o de Chris Jones, que se descreve como guru do condicionamento físico e é conhecido pelo apelido Beastmode Jones.
"A mídia social e a pressão de ter um físico à altura do desses caras e uma aparência muito máscula tomaram controle completo de minha vida", disse Edwin, que continua a assistir a vídeos de exercício com pesos no YouTube.
Três anos atrás, ele começou a subir seus vídeos de treinamento físico para o TikTok, sob o nome de usuário Big Boy Yonny, e conquistou mais de 12 mil seguidores. "Mesmo que as pessoas elogiem minha aparência, ou coisa assim, sei que jamais vou ter um corpo perfeito", ele disse. "Se eu ganhar peso, agora, mesmo que apenas um pouco, não terei uma aparência tão boa, o que quer dizer que vou perder seguidores".
A pressão por um corpo melhor pode começar ainda no ensino primário. Rudy, 17, aluno de quarto ano de uma escola de segundo grau em Los Angeles, disse que meninos de apenas 10 anos o tinham contatado no YouTube e Instagram pedindo conselhos sobre o que comer e como conseguir um "físico Dorito" –o formato de torso triangular, de ombros largos, desejado por muitos dos influenciadores do fitness.
"E eu respondo a eles que devem pedir que seus pais comprem peito de frango ou carne magra, com arroz branco e legumes", disse Rudy.
O que os meninos de escola às vezes perguntam sobre condicionamento físico pode ser chocante. Um casal de pais de Burlington, Vermont, deu ao filho de 13 anos a permissão de usar mídia social pela primeira vez na metade do ano passado. "E isso abriu para ele todo um mundo novo de criadores de vídeo do Instagram e YouTube, exibindo músculos", disse a mãe do menino.
Ao longo dos próximos meses, o filho dela começou a se sentir obcecado por sua falta de definição muscular e a se queixar de que se sentia "fraco" e não tinha "o tamanho certo". A mãe dele comentou que "quando você tem de 10 a 20 meninos, todos alunos de oitava série, consultando esse tipo de conteúdo –um conteúdo que se tornou um objetivo para eles quanto ao que um homem deveria ser, e a aparência que eles desejariam ter, a mistura é poderosa".
O pai do menino disse que seu filho "ainda nem tem um corpo de homem, porque não passou pela puberdade, mas já está mantendo um padrão incrivelmente exigente sobre a aparência que deveria ter".
O pediatra Jason Nagata, especialista em medicina adolescente na Universidade da Califórnia em San Francisco, acredita que a pandemia possa ter exacerbado alguns desses comportamentos pouco saudáveis.
"A pandemia criou uma tempestade perfeita para os distúrbios de alimentação, com a combinação entre isolamento social, desordenamento das rotinas e temporadas esportivas normais, e presença constante diante de câmeras, por meio de mídia social ou videoconferência", disse Nagata. "Muitos meninos tiveram suas agendas e suas atividades esportivas regulares interrompidas durante a pandemia, o que fez com que se tornassem ansiosos quanto a perder peso ou ganhar peso".
Nagata conversou com meninos adolescentes que sofreram desmaios em academias de ginástica –às vezes sofrendo dores de cabeça, blecautes temporários e desorientação– porque exageraram nos exercícios com pesos e estavam com a energia baixa por conta da compulsão de contar calorias (uma condição conhecida como ortorexia).
Um estudo publicado no ano passado pelo The Journal of Adolescent Health contemplava os distúrbios alimentares entre homens jovens até o começo da idade adulta. Entre as idades de 16 e 25 anos, um quarto dos 4.489 participantes do estudo disseram aos pesquisadores que se preocupavam com sua falta de musculatura. E 11% reportaram ter usado produtos de reforço muscular como creatina ou esteroides anabolizantes.
O consumo de suplementos de venda irrestrita se tornou tão frequente que o uso de pó de proteína sem misturá-lo à água era um desafio popular no TikTok no ano passado. A ideia era perigosa o bastante para levar especialistas em saúde a divulgar um alerta de que a prática poderia causar espirros e problemas respiratórios. O consumo excessivo de proteína em pó também pode causar problemas no metabolismo e de conforto ventral, de acordo com uma análise finlandesa de estudos pré-existentes.
A distinção entre procurar uma boa forma física e o fanatismo não é sempre evidente. "Sabemos que existem muitas pressões sobre os homens, mas os comportamentos fora de padrão que se enquadram de forma mais específica no quadrante mais musculoso do espectro tendem a ser minimizados publicamente, porque manter hábitos centrados em objetivos é especialmente bem aceito, e até fonte de prestígio, no mundo do condicionamento físico", disse Stuart Murray, que comanda o programa de estudos de distúrbios alimentares da Universidade do Sul da Califórnia.
A vigorexia também pode levar a problemas nos relacionamentos pessoais. Muitos homens jovens que se exercitam demais e seguem dietas rigorosas costumam evitar as refeições na companhia de parente e amigos, e se queixam de se sentirem isolados e socialmente ansiosos.
"Perdi totalmente meu traquejo social", disse Edwin. Ele costuma evitar festas de aniversário e encontros sociais com amigos porque teme "o efeito sobre minha sessão de condicionamento no dia seguinte e como isso poderia afetar o crescimento dos meus músculos", disse, acrescentando que "há muitas memórias que não pude criar porque estava na academia. Basicamente, só saio de casa para trabalhar, fazer compras e ir à academia".
Edwin disse que ignora "telefonemas e mensagens de texto de todo mundo" e raramente visita sua família, que vive a 15 minutos de distância. "Se não houvesse mídia social ou internet, eu provavelmente nem me incomodaria com o meu físico, para ser honesto", ele disse.
Bobby, o aluno de segundo grau com grande número de seguidores no TikTok, também experimentou o lado negativo do excesso de exercício. Seu humor na escola às vezes depende de sua opinião sobre a aparência que tinha pela manhã.
Depois das aulas, conviver com os amigos muitas vezes é menos importante do que ir à academia, ainda que ele se sinta um pouco incomodado ao ver os amigos curtindo a vida no Instagram. Quando vai a festas, diz, ele às vezes passa a noite toda pensando que "em vez de estar aqui, poderia estar condicionando os braços".
No começo, ele achava que ter um físico musculoso pudesse ser uma maneira de fazer novos amigos, especialmente entre as meninas da escola. Mas a maior parte da atenção que ele recebe vem de outros garotos no TikTok que querem ganhar musculatura. "Os únicos amigos novos que você faz são os pesos", ele diz em um de seus vídeos.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci