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Descrição de chapéu The New York Times tiktok

Internautas usam linguagem de sinais e deixam músicas acessíveis a surdos

Mais que tradução, influenciadores defendem familiaridade cultural

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Anna P. Kambhampaty

Raven Sutton, 26, dançarina e artista performática que cria interpretações na linguagem de sinais americana (ASL, na sigla em inglês), decidiu esperar acordada pelo lançamento de “WAP”, um hit malicioso das cantoras Cardi B e Megan Thee Stallion, que aconteceria à meia-noite.

Sutton, que é surda, depois passou as horas seguintes traduzindo a letra do inglês para a linguagem de sinais, descobrindo que sinais usar e praticando seu fluxo para que ficasse sincronizado com o das cantoras. “É uma canção muito hype", disse Sutton, que vive em Riverdale, Maryland.

“Fala de empoderamento da mulher, de ter orgulho do próprio corpo, de coisas como essas. E eu estava tentando descobrir como interpretá-la, como expressar aquilo tudo. Eu queria que fosse sexy. Queria poder mover meu corpo e mostrar exatamente sobre o que a letra estava falando”. (As entrevistas com as pessoas surdas com quem conversei para este artigo foram conduzidas em vídeo via Google Meet, com a ajuda de uma intérprete de ASL.)

Sutton, que mais tarde postou sua interpretação da canção na mídia social, é parte de uma comunidade crescente de criadores de conteúdo negros e surdos, cujo objetivo é educar as pessoas sobre a surdez, destacar sua comunidade e tornar a música acessível a audiências surdas.

O trabalho não deixa de oferecer desafios, entre os quais uma percepção incorreta, mas muito comum, de que as pessoas surdas não são capazes de apreciar música. Elas na verdade são, em boa parte por meio de vibrações e da interpretação.

Essa percepção incorreta pode levar a problemas que variam da logística básica —lembrar de contratar intérpretes para shows e outros eventos ao vivo— a questões mais espinhosas, como garantir que o intérprete tenha uma formação cultural que viabilize a tradução.

“Não queremos só um intérprete qualquer que faça o trabalho, mas alguém que seja culturalmente competente”, disse Rorri Burton, fundadora da Pro Bono ASL, uma organização que congrega intérpretes BIPOC [negros, indígenas e não brancos].

Burton fez a interpretação em ASL das entrevistas para este artigo, traduzindo as perguntas e respostas entre os participantes surdos e a repórter.

“Quando você tem alguém como Megan Thee Stallion, alguém do hip-hop, ou artistas negros, que fazem música negra, e, por exemplo, podem usar a ‘palavra com n’”, disse Burton, a questão pode se tornar um problema caso o intérprete não seja negro, especialmente se um intérprete branco sinalizar a palavra [considerada ofensiva quando usada por pessoas não negras].

E embora os criadores negros de conteúdo muitas vezes proponham interpretações novas e inspiradoras, são intérpretes brancos que em diversos casos conseguem mais destaque.

Recentemente, Kelly Kurdi, intérprete de ASL de Houston, e branca, fez sucesso viral com sua interpretação expressiva de “WAP” no Lollapalooza, vista mais de 14 milhões de vezes no TikTok em uma semana. Ela estava “fazendo mais que as dançarinas de apoio”, afirmava um dos comentários sobre o vídeo. Outro comentarista disse: “Ela CONHECIA a tarefa”.

Ainda que a resposta online venha sendo em geral positiva, Kurdi disse que ela “reconhece o privilégio e a maneira pela qual as pessoas percebem as coisas”. Ela acrescentou que “amo ver pessoas surdas na plateia, e amo vê-las se divertindo muito, e lhes oferecer acesso. Tudo isso é muito bacana. Mas também reconheço os motivos para que eu tenha me tornado um sucesso viral”.

Kurdi mais tarde publicou uma mensagem no Instagram na qual apontava para o trabalho de diversos criadores negros de conteúdo, entre os quais Sutton. “Usem intérpretes de ASL sempre que possível”, ela escreveu na mensagem.

“Apoiem os criadores surdos de conteúdo. E, se você ainda tem dúvidas de que pessoas surdas ou com dificuldades auditivas vão a shows, siga essas páginas e vai descobrir algo de novo. Ver um intérprete de ASL trabalhando em um show deixará de ser tão chocante”.

Kurdi também mencionou Sutton em uma entrevista, como uma fonte importante de inspiração para seu trabalho. “Já vi as interpretações de Raven um milhão de vezes. Acompanho o trabalho dela o tempo todo”.

Guilherme Senise, 20, estudante em Campbellsville, Kentucky, que subiu o vídeo de Kurdi, disse que seu motivo para fazê-lo era que muita coisa parecia estar acontecendo nele, além da sinalização de Kurdi. Megan Fox e Machine Gun Kelly aparecem brevemente nas imagens, de passagem. “E eu fiquei espantado, pensando, opa, algo deve estar acontecendo”, disse Senise.

Ele não tinha expectativas de se tornar sucesso viral, tampouco, porque “os intérpretes de ASL não são vistos como deveriam na mídia social”, ele disse. Mas Senise ficou contente por ver o vídeo ganhar tamanha circulação, como “oportunidade para que os intérpretes mostrem seu trabalho, e para que as pessoas surdas e com dificuldades auditivas se tornem mais visíveis”.

O vídeo não foi a primeira vez que uma pessoa branca e com audição regular fez sucesso viral com a interpretação de “WAP” em linguagem de sinais. Em 2020, Libbey Ketterer postou uma interpretação da canção em ASL, em um vídeo no YouTube, e o vídeo foi visto mais de 2,7 milhões de vezes.

“Isso acontece com bastante regularidade, pelo menos com frequência suficiente para que tenha sido observado”, disse Anabel Maler, professora assistente de teoria musical na Universidade do Iowa. “Tipicamente os vídeos mostram um intérprete que tem audição regular, muitas vezes uma mulher branca, e muitas vezes interpretando hip-hop”.

Essas interpretações também costumam ser sexualizadas, acrescentou Maler. “Isso minimiza seu valor real, que é o de oferecer acesso à comunidade dos surdos”, ela disse. "E também reforça a tendência de transformar a ASL em fetiche, a ideia de que a linguagem de sinais é maravilhosa e bela, sem colocar em discussão o quanto ela é rica e complexa, como todas as linguagens naturais”.

Para os criadores negros e surdos de conteúdo original, esse padrão pode ser especialmente desanimador. “Estamos falando de pessoas que sinalizam canções que não fazem parte da cultura delas”, disse Sutton. “E de uma canção de hip-hop que fala de uma experiência negra, de uma coisa negra, mas o rosto que ganhou sucesso viral é branco, e por isso são as pessoas bancas que recebem os benefícios desse tipo de coisa”.

Matt Maxey, 33, criador surdo de conteúdo em Atlanta que opera a página de Instagram @deafinitelydope, disse que “é mais inspirador ver um homem negro lá sinalizando, se você é negro”.

Maxey começou a postar trabalhos online porque, na época, ele não via muitas pessoas negras usando ASL na internet, especialmente fazendo interpretações de canções de que ele gostava, de artistas como J. Cole, Mac Miller e Big Sean. “Eu estava tentando expor a comunidade dos surdos à minha cultura, como um homem negro do sul”, ele disse.

Intérpretes que trabalham em eventos de alta visibilidade, como festivais de música, recebem atenção desproporcional. Sutton quer que as pessoas saibam que suas interpretações são mais do que apenas danças no TikTok. “Algumas pessoas com audição regular não entendem, e me veem apenas como uma dançarina surda”, ela disse. “Não, eu estou interpretando. Estou oferecendo pleno acesso; se eu ficasse lá parada, não seria pleno acesso”.

Ao mesmo tempo, a mídia social ajudou a amplificar as perspectivas das pessoas surdas. “Uma das coisas maravilhosas do TikTok e do Instagram é que os criadores surdos de conteúdo têm um lugar onde podem criar espaços próprios e colocar seu conteúdo”, disse Kurdi. “Anos atrás, não existia uma plataforma ou lugar onde eles pudessem colocar seu conteúdo, e agora existe”.

E para oferecer ainda mais acesso, organizadores de shows e eventos podem contratar intérpretes com audição regular e capazes de ouvir o que está sendo dito, para transmitir a informação a intérpretes surdos, e permitir “alguma coisa mais precisa em termos culturais e linguísticos, dirigida a uma audiência mais ampla”, disse Burton.

Depois desse momento viral, os criadores de conteúdo negros e surdos esperam se ver em posição de destaque da próxima vez, e que pelo menos o acontecido tenha servido como oportunidade para que as pessoas aprendam mais sobre acessibilidade.

“Quero que as pessoas pensem sobre as dificuldades que a comunidade dos surdos encontra a cada dia”, disse Sutton. “O que importa é aprender ASL para prover acesso, e não para que uma canção vire sucesso viral”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci