Crianças aderem aos podcasts para ouvir histórias e matar a curiosidade
Irmãos de 8 e 5 anos fazem sucesso com programa 'E se...Podcast'
Os ouvintes regulares de podcasts só crescem no Brasil. Há mais de 3.000 canais disponíveis, que tratam dos mais diversos assuntos. Tem notícias, debates e humor para os adultos, mas tem também contação de história e curiosidades para as crianças.
Os títulos infantis ainda são poucos, mas já fazem sucesso. O jornalista e publicitário Samuel Leite, 42, acompanha esse movimento desde 2004, quando surgiram os primeiros podcasts. E foi em uma brincadeira com os seus filhos, Bruno, 8, e Luiza, 5, que nasceu o "E se...Podcast".
"O primeiro que fizemos foi para um trabalho de Bruno, que a escola liberou para ser feito em áudio, vídeo ou qualquer outra plataforma. Quando sugeri a ele que fosse um podcast, ele adorou”, conta Leite.
Ele e o filho já curtiam juntos podcasts de games, principalmente no caminho de casa para escola. Com o filho, ele gravou uma versão diferente da história de “João e o Pé de Feijão”. No meio do processo, eles se perguntaram: “e se o João se desse mal, e o gigante levasse a melhor?”
A família, então, se reuniu ao redor de microfones para levantar possibilidades sobre a vida. Leite conta que primos, vizinhos e colegas de escola sempre participam como convidados. Em um dos episódios, por exemplo, um deles pergunta: "e se não existisse dinheiro no mundo?"/“Se não tivesse dinheiro, a gente seria feliz”, diz uma criança./“Não! A gente não ia conseguir comprar nada!”, responde outra./“Não! Se não tivesse dinheiro, a gente teria outro jeito de comprar coisas”, provoca o coleguinha.
O projeto acabou ganhando ouvintes mesmo sem divulgação. "Na seção de crianças do iTunes, já chegamos ao primeiro lugar e sempre aparece entre as dez mais ouvidas”, conta o pai, que foi um dos pioneiros a fazer um podcast nesse segmento. "Acho que a Luiza pode ser considerada a podcaster mais nova do Brasil”, brinca Leite. Hoje, eles também recebem sugestões de perguntas de ouvintes pelo WhatsApp.
MAIS PODCASTS PARA CRIANÇAS
"E se...Podcast" foi um dos pioneiros nesse gênero infantil. "Coisa de Criança", desenvolvido pelo engenheiro Thiago Queiroz, 37, e sua mulher,. a artista plástica Anne Brumana, 35, foi o primeiro podcast para crianças. Eles são pais do Dante, 6 e do Gael, 4, e Maya, de dez meses.
A proposta do podcast é responder a dúvidas como “Por que o céu é a azul?” ou “Por que o mar é salgado”? Queiroz afirma que se sentiu incentivado pela falta desse conteúdo para crianças. "Sempre quis fazer um conteúdo que meus filhos gostassem de ouvir”, conta o engenheiro. “Quando meus filhos começaram a fase dos porquês, eu encontrei conteúdos que ofendem demais a inteligência da criança. Elas entendem muito mais do que a gente possa imaginar”, avalia Queiroz.
O casal conta com uma equipe composta por uma pedagoga, um editor e outros profissionais que os auxiliam no projeto. Com 12 episódios já gravados, Queiroz se animou ainda em criar um segundo podcast chamado “Conta pra Mim”, com histórias para crianças, com a ajuda da contadora de histórias profissional Flavia Scherner. "Mostramos também aos pais que não é preciso ser profissional para ler uma história ao seu filho. Dá para brincar com as vozes e deixar o momento mais divertido”, explica Queiroz. O "Conto pra Mim" é um dos mais ouvidos na categoria para crianças no Spotify.
O "Podventura" é um outro jeito de contar histórias. Ele criado por Fernando Rodrigues, 58. “Trabalhei como publicitário, tive uma carreira paralela como locutor, mas sempre quis ser escritor”, conta Rodrigues, que é pai de Lia, 21, Ana, 18, e Bel, 8.
"Como pai, li muitas histórias para elas, mas sempre achei que faltavam temas mais pop, meio como os desenhos da Pixar, por exemplo, que misturam aventura e humor de forma genial”, avalia Rodrigues. Ele então, criou a história “Três Irmãos em Perigo num Mundo Cruel”, contada em 13 episódios. Os irmãos, na verdade, são porquinhos e um deles é inspirado na sua filha mais nova, Bel. A ideia é que o conteúdo também seja transformado em livro.
Já uma obra moderna conhecida, “Histórias de Ninar Para Garotas Rebeldes”, das escritoras italianas Elena Favilli e Francesca Cavalo também virou podcast. O livro conta, de forma lúdica, a trajetória de vida de cem mulheres ilustres do passado e o presente.
“Elas tiraram o livro do papel e criaram um podcast e estavam oferecendo a outros países para criar versões. Corremos atrás de patrocínio e fizemos porque é uma ideia maravilhosa e encarei como meu projeto de vida”, conta Ju Wallauer, que já é conhecida pelo Mamilos, um dos podcasts mais ouvidos do Brasil, que ela apresenta com Cris Bartis.
As histórias são lidas pela própria Wallauer e, também, por convidadas, como a cantora Daniela Mercury, a youtuber Jout Jout, e a apresentadora Astrid Fontenele. Mãe de Ben, 7, e de Nina, 5, Wallauer colocou as filhas para ler os créditos finais de uma das histórias. Ela conta que teve muita dificuldade para pôr o projeto no ar, com pouco dinheiro e pagando cachês baixos. "Todas toparam fazer pela proposta de falar de mulheres fortes, corajosas e livres. Precisamos criar essa nova geração sob essa influência. São coisas assim que nos dão esperança”, defende a podcaster.
Como a maioria dos podcasters também são pais, eles contam que a melhor hora de pôr algo para a criança ouvir é nos momentos de tédio, principalmente no carro. “É perfeito para manter as crianças ocupadas no trânsito, no caminho da escola, em viagem ou quando elas estão de castigo numa festa de adultos”, brinca Fernando Rodrigues, do Podventura.
VARIEDADE DE ASSUNTOS POPULARIZOU O PODCAST
Hoje existem mais de 3.000 podcasts no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Podcasters. Quem já foi mordido pelo bichinho do podcast, passa de duas a três horas por dia ouvindo diferentes programas. Desse público, a maioria (75%) toparia pagar uma mensalidade para ter acesso aos seus conteúdos preferidos.
Os profissionais da área concordam que o Spotify ajudou muito a fazer esse mercado crescer nos últimos cinco anos. “Antes, para ouvir um podcast era preciso entender de tecnologia, baixar um programa e passar por várias etapas. O Spotify é uma plataforma que qualquer pessoa usa. Basta fazer uma busca por assunto, que você encontra um podcast de sua preferência”, avalia Samuel Leite.
A variedade de assuntos tratados pelos podcasts também conquistaram mais ouvintes, segundo Julián Catino, membro da diretoria da Abpod. “Antes, era só para nerds. Agora tem podcasts de atualidades, pautas sociais, política, educação. É uma mídia que fala de um assunto de forma objetiva em 30 ou 40 minutos. A mídia tradicional não tem muito tempo para focar em uma coisa só”, define Catino. “Os podcasts fazem um ótimo resumo de um assunto importante em pouco tempo”, completa Leite.
As plataformas mais utilizadas, ainda segundo a Abpod, são o Podcast Addicts, o iTunes, o Google Podcasts, o Pocket Castsa, além do Spotify. As iniciativas para crianças ainda estão no início no Brasil. “A nossa última pesquisa é de 2018, e as primeiras iniciativas surgiram nos últimos meses. No próximo ano, os canais de crianças devem aparecer mais”, conta Catino.
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