Nos bastidores de 'Órfãos da Terra', refugiados ajudam a criar personagens e Instituto Boas-Vindas
'A grande premissa da novela é a empatia e a compaixão', diz atriz
Personagens centrais da trama da novela das seis da Globo, “Órfãos da Terra”, os refugiados já são boa parte da população de brasileiros –só em 2017, foram 33.866 solicitações de refúgio no país, segundo a Acnur (agência da Organização das Nações Unidas para refugiados).
Para receber todas essas pessoas, institutos de acolhimento oferecem moradia, comida e uma primeira socialização na entrada desses habitantes. É nesses institutos que se inspira o “Boas-Vindas”, centro de acolhimento de refugiados da novela.
Para a cenógrafa-titular do folhetim, Danielle Ramos, a própria Acnur teve um trabalho específico em relação ao campo de refugiados mostrado na trama, mas não tanto em relação ao instituto. "Trabalhamos de forma mais livre no centro de acolhimento, tentando criar uma identidade urbana, mas ainda assim acolhedora. Não queremos vincular nenhum tipo de tristeza e tragédia. Buscamos referências mais criativas e improvisadas. Era para parecer que eles ganharam tudo aquilo, e não compraram”, diz ela, citando detalhes como a arquibancada de pallet, feita pela equipe de arte.
Ela conta que boa parte do cenário é reaproveitada de outras novelas, e isso cabe especialmente ao instituto. Ao todo, foram três meses para montar a cidade cenográfica, que é inspirada na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, "um bairro conhecido por abrigar diferentes culturas e atrair públicos de diferentes estilos".
Dentro dessa cidade feita para a novela, o Instituto Boas-Vindas recebe refugiados como a protagonista Laila (Julia Dalavia) e seus pais, Missade (Ana Cecília Costa) e Elias (Marco Ricca), que fogem da guerra da Síria. Ele abriga pessoas de várias etnias, concentrando o aspecto multicultural da trama e carregando a principal mensagem dela: a da empatia.
"A grande premissa da novela é a empatia e a compaixão. Abrir os olhos para o estrangeiro sem esse olhar de caricatura e preconceito, porque quando você é uma pessoa estrangeira, já está em uma condição mais vulnerável”, disse Ana Cecília Costa, em entrevista à Folha.
Os artistas contam que, para compor seus personagens, tiveram contato com refugiados que ajudaram a criar veracidade na trama. "Conversei com muitos refugiados e é sempre uma história de superação contada de formas diferentes", diz Julia Dalavia, que interpreta a protagonista.
"A força e a alegria deles é o mais marcante. Contam situações que eu nunca imaginaria passar na minha vida, que eu nunca teria forças para passar. E contam com um sorriso no rosto, de superação. A forma deles verem a vida é muito diferente", completa.
Dalavia conta que pretende, com sua personagem, mudar a visão dos brasileiros sobre os refugiados. "Somos todos irmãos, filhos da mesma terra. Isso poderia estar acontecendo amanhã com a gente. A qualquer momento, em qualquer país. É muito cruel pedir que as pessoas recomecem em outro lugar, por conta de uma guerra."
Eli Ferreira, que interpreta Marie, conta que os refugiados trazem esperança por terem passado por “coisas tão absurdas e longe da nossa realidade". Ela diz ainda que há pouca atenção sobre a situação dos refugiados no Brasil, mesmo que eles possibilitem uma troca de experiências e culturas muito rica para nós.
"Conversei com refugiados sobre a situação deles e como foi a vinda. Muitos vieram na verdade antes de a guerra chegar aonde viviam. Outros vinham sem nem saber que estavam vindo para o Brasil. Alguns ficam apenas até acumular um dinheiro e partem para a Europa, para não ficarem tão distantes dos países deles", diz Ferreira. "É um povo alegre, que anda com esperança. Eles são gratos por estarem vivos."
Já Ana Cecília afirma estar encantada com a responsabilidade e maturidade dos refugiados, que "começam do zero, montando barraquinhas para vender coisas e mandando dinheiro para suas cidades, enquanto você vê uma garotada da idade deles super mimada e reclamando da vida".
Por detrás das câmeras, a atriz diz que recebe acompanhamento de um instrutor árabe e de uma congolesa que teve uma história trágica em seu país. "É um privilégio muito grande fazer essa novela, como artista e como ser humano. Todo dia você agradece depois que convive com essas pessoas."
"Parte da minha preparação foi não só entender o processo do que as pessoas estão passando, como a guerra, mas também me impregnar da beleza da cultura, da música, da comida, e dos lugares bonitos por onde passeava e festividades. Queria trazer comigo essa bagagem da exuberância da cultura árabe, para fugir da caricatura. [...] Cabe a nós aqui, nessa novela com alcance de público imenso, sensibilizar as pessoas e a partir disso, estimular essa empatia. Essas pessoas não são inimigas. Elas perderam tudo e estão tentando reconstruir suas vidas aqui."