Música

Marmita, jogo do bicho, chamego com os netos: uma tarde com Zeca Pagodinho

Em dia de ensaio para show de 40 anos de carreira, neste domingo (4), no Rio, cantor encomenda quilos de pé de galinha para o jantar e fala sobre família, hábitos e convicções

Zeca Pagodinho checa as ligações no celular com o neto Domenico no colo - Cleo Guimarães - 24.jan.2024 / Folhapress

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Rio de Janeiro

Na sala de espera da Cia. dos Técnicos, um dos mais antigos estúdios de gravação do Rio, um menininho vê desenho animado ao celular, deitado no sofá, com a cabeça encostada na perna da babá.

Ele está com a testa um pouco inchada, e começa a ficar com uma marca roxa. "Tadinho, o Domenico foi correr para abraçar a perna do avô e caiu feio. Seu Zeca ficou doido, esses netos são tudo para ele", conta Marlene, a babá, ajeitando o uniforme impecavelmente branco.

O "Seu Zeca" é Zeca Pagodinho. Ele estava em outro cômodo, e quando surge no horizonte de Domenico, o que se vê é uma transformação fisionômica impressionante no menino. Do quase sono pós-choro, arregala os olhos, sorri e pede colo. "Vem com o vovô", diz Zeca, beijando o seu cocuruto.

Os dois vão para a sala ao lado, onde o cantor recebeu a Folha numa tarde de ensaios para o show deste domingo (4), no Estádio do Engenhão. É bem no dia de seu aniversário de 65 anos, e a apresentação, com participação de Pretinho da Serrinha, Seu Jorge, Alcione, Iza, Jorge Aragão, Xande de Pilares, Diogo Nogueira, Djonga e Marcelo D2, vai virar DVD pelos 40 anos de carreira.

Zeca já disse várias vezes que tem preguiça de trabalhar, mas não vem fazendo outra coisa nas últimas semanas. Além dos ensaios, foi ao Fantástico, não para de falar com jornalistas, e ainda participou do Big Brother Brasil 24 —quando quebrou o protocolo e pediu para fazer xixi entre uma música e outra: "Levei o cachorro no poste", anunciou, ao vivo, quando voltou.

O cantor mantém há anos o hábito de pegar o telefone e sair ligando para amigos, funcionários, manicures. Faz isso várias vezes durante a entrevista. Numa das ligações, combina o cardápio do jantar, em Xerém. Ele não só telefona direto (odeia WhatsApp), como bota sempre no viva voz. Ouve quem quer.

Do outro lado da linha está seu cozinheiro, que informa: "Comprei três quilos e setecentos de pé de galinha e cinco quilos de inhame, já temperei e vou começar a fazer". Zeca se entusiasma. "Isso é uma delícia, rapaz", anima-se, com o dente de ouro à mostra na arcada superior —o "dente de malandro", como ele chama, é a realização de um sonho de adolescência.

No dia seguinte, sua caçula, Maria Eduarda, completaria 20 anos, e o menu seria diferente. Ele explica que no terreno de Xerém há uma linha imaginária que o divide em dois. De um lado, ("o meu quintal"), come-se linguiça, pé de galinha, torresmo. Do outro, onde Duda iria festejar, é comida "afrescalhada": "estrogonofe, risoto, essas coisas".

Para beber, já estavam separadas 22 caixas de cerveja. "Será que dá? Dá, né?", pergunta, rindo. Ele emenda em outra ligação, agora para a mulher, Mônica. "Quer apostar que tá no supermercado? É louca por um supermercado, nunca vi".

E bota no viva voz de novo. "Oi, tudo bem por aí? Onde você tá?". Mônica diz que tá no hortifruti de Xerém. Zeca faz uma cara de "não disse?", e em seguida conta o que aconteceu com Domenico. "Pô, o Don Don tropeçou e bateu com a testa, coitadinho, porra...", diz, em tom de desolação.

Entre um telefonema e outro, conversa sobre assuntos recorrentes em seu repertório. A Escolinha do Professor Raimundo é uma dessas obsessões. Mais que reiterar seu amor pelo humorístico, Zeca fez campanha para que voltasse ao horário original no canal Viva.

"Ah, gravei um vídeo com o Noah e mandei pro cara lá da Globo. Disse que a gente ia ficar órfão se mudasse a hora, não ia dar mais para ver". Deu certo. A Escolinha voltou a ser exibida às 18h45, cabendo perfeitamente na sua agenda.

Vadiagem? Samba até altas horas da noite? Zeca não é mais disso. A materialização desta nova fase, ele garante, pode ser comprovada pelo desapego a um item do figurino que dizia muito sobre seu estado de espírito: um par de sapatos brancos. "Quando eu calçava ele, ninguém me segurava. Meu neto já falava "Iiiihhhh....". Hoje ele diz que nem sabe onde os sapatos estão.

Viciado em TV, Zeca não está vendo "Renascer" nem assistiu a "Vale o Escrito", série sobre o Jogo do Bicho, outro assunto que o empolga. "Jogo do bicho tinha que ser matéria de faculdade", afirma.

E justifica: "Se você for saber a matemática que é aquilo… É letra dobrada, término de dezena, um milhar que tiver não sei quantas letras iguais paga não sei quanto. Não é brincadeira. Essa garotada não sabe o que é isso hoje, não", indigna-se.

Ele trouxe de Xerém vários calendários, daqueles grandes, de pendurar na parede, com os bichos e seus respectivos números. Distribuiu a todos que estavam na copa, esperando a comida. "É bom para você aprender a jogar", disse à repórter, também presenteada.

O almoço foi encomendado num galeto ali perto, em Copacabana. No cardápio escolhido por Zeca, a filha Eliza e o neto Noah, havia bife à rolé com purê, frango ensopado e estrogonofe de camarão. O menino mal tocou no prato porque havia se empanturrado de biscoito Torcida sabor churrasco minutos antes.

Edilene, a Baiana, assistente há décadas, passa o celular para Zeca. Era Seu Jorge. "Tá de mal comigo, cara? Tava falando aqui: 'Pô, Seu Jorge não atende mais, será que está magoado comigo?'". Jorge brinca que isso é "intriga da oposição" e desata a elogiá-lo. A conversa vai do áudio para o vídeo.

"Meu irmão, deixa eu falar uma coisa pra você. Além de uma discografia absurda, você é o único que tem a estrutura da indústria do samba na mão. Quem mais faria um show de samba no Engenhão, cara? Só você, ninguém mais. Você é o único do negócio". Zeca ri e diz: "Para de besteira".

Ele já contou que se borra de medo de "fantasmas". Mas o fato é que sua inspiração conta com toques sobrenaturais. Tanto que um espírito já baixou ao seu lado e lhe passou uma letra todinha, há alguns anos. "Estava na varanda, aí veio uma voz, cantando. Eu falei: não vou escrever. E a voz continuou cantando... E eu pensando: não vou escrever. Ela não parou. Aí eu falei, porra, tá bom".

Foi então ao quarto da filha pedir ajuda. "Duda, Duda, vem aqui! É que tem uma voz falando no meu ouvido e eu tenho que gravar isso agora e mandar para o Moacyr Luz [músico e compositor]. Grava aí. E comecei a cantar". Ele não diz que música era essa mas reafirma que veio "inteirinha".

Terminado o almoço, hora de voltar para o ensaio no estúdio. Zeca faz mais uma ligação, canta segurando o celular e diz que não vê a hora de voltar para Xerém. "Imagina aquele tanto de pé de galinha com inhame me esperando, hummmm....".

Show de aniversário Zeca Pagodinho - 40 anos de carreira

Quando: domingo, 4 de fevereiro, às 19h

Onde ver: Multishow e Globoplay (aberto para não assinantes)