Música

Peça sobre Nara Leão destaca facetas pouco conhecidas da cantora

'Nara - A Menina Disse Coisas' entra em cartaz nesta sexta (8), no Teatro J. Safra, em SP

Atriz Aline Carrocino interpreta Nara Leão em peça - Janderson Pires/Divulgação
Fernando Silva
São Paulo

O musical “Nara - A Menina Disse Coisas” conta a história de Nara Leão (1942-1989) sem se apegar ao título de musa da bossa nova, sempre atribuído à cantora. Com estreia nesta sexta (8), no Teatro J. Safra, a peça mostra uma mulher diferente da conhecida pelo grande público.

“É uma Nara combativa, transgressora”, diz a atriz Aline Carrocino, 38 anos, que interpreta a artista capixaba. “[Em cena] ela fala o que pensa e não se deixa enquadrar.”

O nome da montagem já dá a dica. Escrito pelo jornalista Hugo Sukman e pelo ator e dramaturgo Marcos França, o espetáculo se baseia apenas em frases, depoimentos e no cancioneiro da personagem.

No roteiro, há até pensamentos íntimos. “Ela estudou psicologia e anotava sonhos. Então, a gente pegou alguns deles e colocou no texto”, afirma França.

“A menina disse coisas” é um verso tirado do poema “Apelo”, escrito por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em homenagem à cantora, em 1966. Em maio daquele ano, Nara criticou o regime militar e defendeu um civil no poder em entrevista ao jornal carioca Diário de Notícias. Na matéria, ela dizia que "os militares podem entender de canhão ou de metralhadora, mas nada pescam de política”.

Ameaçada de processo pelo Exército, ela ganhou a defesa do poeta mineiro nas páginas do diário Correio da Manhã. Em estrofes, pedia ao presidente Castello Branco (1897-1967) e ao ministro da Guerra, Costa e Silva (1899-1969), que não a prendessem.

O episódio, cuja repercussão foi grande e acabou sem a detenção da artista, é citado na peça, da mesma forma que outras passagens de sua trajetória. Estão lá o nascimento da bossa nova, o encontro com Chico Buarque e o diagnóstico de tumor cerebral.

O musical, contudo, não segue uma linha cronológica. “São memórias da Nara, não é uma biografia”, explica Aline Carrocino.

Para ela, a estrutura da trama oferece o caminho exato pelo qual deseja representar o papel. “Não quero que as pessoas falem ‘nossa, vi a Nara Leão’. Quero ser uma atriz falando as palavras dela”, diz.

Em cena, seu parceiro é o próprio Marcos França, 49 anos. Durante a história, ele encarna figuras importantes na vida da cantora, como o letrista e jornalista Ronaldo Bôscoli (1928-1994), o violonista e compositor Carlos Lyra e o advogado Jairo Leão, pai de Nara, morto em 1984.

“Mas não faço nenhum tipo de voz, não boto peruca”, explica França.

Assim, ele –sem caracterização– e Aline atuam e cantam acompanhados só por cinco músicos.

A simplicidade, conta o ator, é influência direta do musical “Opinião”. Encenada entre 1964 e 1965, a peça tinha Nara e os cantores Zé Kéti (1921-1999) e João do Vale (1934-1996) no elenco e falava da situação política do país à época.

“Poucos atores em cena, diálogo franco com a plateia e sem os efeitos do teatro musical”, enumera ele. Tudo para focar nas palavras da personagem. “A gente mostra uma artista que não queria ficar presa dentro de uma caixa e já falava de empoderamento da mulher.”

                             Repertório da peça mostra diversidade de Nara

Em 19 canções, a peça “Nara - A Menina Disse Coisas” faz um passeio pelo repertório da cantora que se ligou à bossa nova, ao Tropicalismo e à canção de protesto em sua trajetória.

“Nara Leão percorreu vários caminhos. Ela levou a música do morro, que ficava na roda de samba, a tocar no rádio”, exemplifica o ator Marcos França.

No quesito novidade, a artista era uma máquina. Além de dividir o palco com o sambista Zé Kéti no musical “Opinião”, gravou composições de Cartola (1908-1980) e de Nelson Cavaquinho (1911-1986) ainda em seu primeiro disco, “Nara”, de 1964.  

Ajudou também a lançar nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil e Sidney Miller (1945-1980) no cenário nacional, seja em duetos, seja interpretando músicas deles nos álbuns dela.

A cantora Nara Leão em 1967 - Bosco/Acervo UH/Folhapress

No espetáculo, é possível ouvir, entre outras, “Carcará”, “Lindoneia”, "João e Maria", "Opinião" e “A Banda”.

Questionada a respeito de quais seriam suas preferidas na hora de cantar, a atriz Aline Carrocino se emociona ao falar de duas faixas.

Uma é “História de uma Gata”, registrada no disco “Os Saltimbancos”, de 1977. “Faz parte da minha infância e da do meu filho [de dois anos]. Foi um pedido meu que ela entrasse na peça.”

Outra é “Diz que Fui por Aí”, da estreia de Nara. “Penso nela lá no fim do teatro, de braços abertos, e [cantando] ‘se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí’”, diz, com a voz embargada.

                         Atriz levantou projeto sem ter patrocínio 

Foi do amigo e jornalista Christovam de Chevalier que a atriz Aline Carrocino ouviu uma sugestão que ficou em sua cabeça por anos. “Por que você não faz a Nara?”, perguntou ele.

A questão era direcionada a uma profissional dos musicais. Atuou em “Noel, O Feitiço da Vila” (2013) e ganhou o prêmio de melhor atriz do CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude) por seu desempenho em “Luiz e Nazinha - Luiz Gonzaga para Crianças” em 2015.

A ideia de encarnar a cantora de voz suave, porém, só foi adiante no ano passado. Em abril, após Aline se juntar à diretora teatral Priscila Vidca e ao ator Marcos França, a peça “Nara - A Menina Disse Coisas” enfim estreou no Rio de Janeiro.

Atores Marcos França e Aline Carrocino em cena do musical - Janderson Pires/Divulgação

“A Aline resolveu fazer esse trabalho na cara e na coragem, sem patrocínio, sem nenhum tipo de lei de incentivo”, conta França. “E todo mundo topou.”

O projeto que chega a São Paulo tem sido uma aventura segundo a atriz. “Meu marido me acha uma louca”, diz ela, aos risos.

Nara Leão é coisa séria para Aline. “Ela é um furacão e me impressiona a cada dia que falo suas palavras.”

E o teatro também. “É claro que não vou passar fome para fazer o espetáculo. Peguei um empréstimo. Mas a minha existência como artista é maior do que a minha como indivíduo. Não tenho como ficar parada, não vou me calar.”

Nara - A Menina Disse Coisas

Avaliação:
  • Quando: Às sextas, às 21h30; aos sábados, às 21h; e aos domingos, às 20h (em cartaz até 17/3)
  • Onde: No Teatro J. Safra (r. Josef Kryss, 318, Barra Funda)
  • Preço: Plateia Premium e Vip R$ 70; Mezanino, R$ 60; Mezanino com visão parcial, R$ 40
  • Classificação: Livre
  • Capacidade: 627 lugares
  • Tel. : (11) 3611-3042