No dia do orgasmo, os clitoritos das Olimpíadas de Paris mereciam mais destaque
Mascote dos Jogos está tão invisibilizado quanto o órgão com o qual se parece
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Vermelhas, robustas, com olhos injetados de empolgação. As Phryges, mascotes das Olimpíadas de Paris, deveriam representar o "gorro da liberdade". Trata-se de uma touca originária da Frígia, região onde hoje está a Turquia, que foi utilizada por republicanos franceses na época da revolução, movimento histórico de lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" que resultou na queda da monarquia e em muitas cabeças cortadas.
Mas, ao menos para o público brasileiro, elas lembram outra coisa bastante libertária: o clitóris, fundamental para o orgasmo, aquele pico de prazer intenso cujo dia foi celebrado na última quarta-feira (31). Acontece que os mascotes, apelidados de clitoritos, estão tão invisibilizados quanto o órgão feminino que existe "apenas" para o prazer!
Ainda não vi participações marcantes das Phryges animando as torcidas dos esportes Olímpicos. A essa altura, nos memoráveis jogos olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, o então mascote Vinícius já estava rodando a internet com performances de dança. Ele protagonizou até mesmo com um icônico desfile de vestido brilhante imitando a top model Gisele Bundchen. O que esperar de um carioca além de ritmo, carisma e deboche, não é mesmo?
Não sei o que aconteceu com os clitoritos franceses, se falta molejo, animação, se o seu design dificulta coreografias ou se, tal qual os clitóris femininos, estão recebendo pouca atenção! Eu esperava mais de uma Olimpíada que teve uma abertura tão transante, com referências a ménage à trois e cultura queer, além da valorização de mulheres intelectuais relevantes como a filósofa Simone de Beauvoir e a política Simone Veil, fundamental para a legalização do aborto na França.
Ok, se você chegou até aqui e está achando esse texto muito nonsense, tudo bem. Estou tomada de espírito olímpico e não consigo resistir a esses gracejos. Não entendeu ainda por que disseram que o mascote parece um grelo? É que a anatomia do clitóris, que foi totalmente descrita em 1998 pela cientista Helen O’Connell, é muito parecida com a do personagem, tem uma pontinha externa na parte superior e uma estrutura interna que lembra dois braços abertos.
A glande do clitóris fica envolta por um capuz, similar ao prepúcio que recobre a cabeça do pênis. Ela está localizada na parte superior da vulva, acima da uretra e da vagina. Em tese, não é tão difícil de achar, mas muitos homens não fazem o menor esforço para encontrar o de suas parceiras e muitas portadoras de grelo recebem uma educação repressora que não as ensina sobre o próprio corpo.
Por isso que, assim como o mascote das Olimpíadas, o clitóris e o gozo que vem dele têm significado político. O livro "O Prazer Censurado – Clitóris e Pensamento" (Ubu Editora), da filósofa francesa Catherine Malabou conta como esse órgão foi extirpado da estética, da intelectualidade e do cotidiano durante séculos, sendo esse apagamento uma das ferramentas de nossa opressão. Não foi à toa que demorou tanto para a anatomia dessa parte fundamental da vulva ser mapeada.
Sexualidade potente é liberdade, é uma maneira de desfrutar da vida e do próprio corpo. Obliterar o clitóris e o prazer feminino foi mais uma maneira de o patriarcado minar qualquer possibilidade de igualdade entre os sexos. E mais uma prova de que a dita fraternidade só vale entre portadores de pau —que se identificam como homens e performam como tal.
O orgasmo de quem tem vulva merece protagonismo e visibilidade. E os clitoritos parisienses também