Estou há tempo demais na terra para esperar decência da masculinidade
Mulheres devem tratar os homens como eles as tratam e lutar por direitos reprodutivos
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Eu bem já falei aqui de dois homens por quem me daria ao trabalho de percorrer até quinze quilômetros (de carro, não a pé) para beijar. O Chico Moedas e o Matteus do BBB 24. Nas duas colunas em que expliquei qual era o appeal dos dois, deixei claro que estava me permitindo viver um encantamento momentâneo, pois cedo ou tarde eles poderiam fazer merda. Não demorou muito.
Chico traiu Luísa Sonza, fazendo girar ainda mais a engrenagem da sociedade do espetáculo, e Matteus fez algo bem pior que um chifre, ao se declarar negro para ocupar vaga na universidade. Triste? Sim. Supreendente? Não, já estou há tempo demais na terra para esperar decência da masculinidade. E antes que você fale "nem todo homem", fique quieto. É muito provável que você seja exatamente como "todo homem".
Vale dizer: eu continuaria percorrendo alguma distância para beijar Chico Moedas, mas uma distância menor. Iria de mototáxi até o Bar da Cachaça. Sigo achando ele um charme, e, ao menos na minha geração, dar uns beijos (ou até umas sentadas) está longe de significar querer casar com uma pessoa. E a maioria dos homens, não é "para casar". Aliás, falando bem francamente? O casamento higienista e nuclear enquanto instituição de exploração do trabalho doméstico e emocional das mulheres tem mais é que acabar mesmo.
Mas ei, Bruna? O cara traiu a outra e ainda assim você diz que ficaria com ele? Tá vendo? Seu dedo é podre e você fala como se os homens fosse o problema, sua amargurada!
Ora, tolinhos, existem coisas muito piores e mais opressoras que chifre. Muita gente pensa que basta não trair em um relacionamento monogâmico e não abandonar os filhos para um homem ser considerado exemplar e o dedo da mulher que casou com ele ser considerado maduro.
Mas sou capaz de apostar que a maioria dos homens que faz o mínimo dos mínimos e se acha uma excelente fruta colhida por uma mão muito sábia é, na verdade, um bebê grande e dependente: incapaz de fazer qualquer serviço doméstico porque acredita que isso é coisa de mulher; sem a menor habilidade para comprar as próprias roupas, que dirá, lavá-las; leigo em tudo que diz respeito à educação dos filhos, como materiais escolares e reuniões com professores; desorientado (ou totalmente desinteressado) no caminho do clitóris; imperito nos próprios sentimentos; dotado de autoestima desproporcional que o leva a pensar que é mais inteligente que todas as mulheres e, por isso, deve explicar tudo para elas; aliás, de tanto pensar que é inteligente deixou de se atualizar e só sabe falar banalidades com ar douto.
"Ah mas eu não sou assim!" Pensa o leitor que me lê só para me xingar nos comentários. "Ah, mas meu papai e meu maridinho não são assim", diz a leitora que até me acha legal, mas pensa que eu exagero. "Têm certeza, mesmo?", digo eu.
A podridão da masculinidade está muito mais embaixo do que um par de chifres. Ela fica mais evidente e tóxica em casos de assédio ou violência doméstica e sexual, mas está infiltrada em cada ramo da socialização masculina.
Por isso, não é o meu dedo ou o dedo das mulheres que são ruins, são as safras de homem que, há alguns milênios, são venenosas. O que não nos exime de responsabilidade. Morder uma fruta porque ela parecia muito gostosa até se fartar e passar mal é algo que acontece na vida. Mas insistir em colheitas fadadas a dar errado, mesmo sabendo perfeitamente de que forma o veneno age, é estar um pouco apodrecida também, precisando de um detox.
Com isso estou pregando que mulheres devem simplesmente desistir de homens? Não, se elas são heterossexuais e sentem atração por eles, que aproveitem o que eles têm de bom para dar, enquanto for bom, tratando-os com reciprocidade, da mesma forma que nos tratam. Tenho fé que até mesmo o homem mais obtuso faz alguma autoanálise depois de sofrer algumas objetificações, condescendências, descuidos, ghostings. E aí, quem sabe, não aparece um menos estragadinho?
O amor e o cuidado que mulheres fomos socializadas para dar têm que sair um pouco da esfera do romantismo e da piroca e se voltar para os nossos direitos reprodutivos que estão em risco. Menos fruta podre, mais militância por aborto legal.