GRAVE: Choquei não faz jornalismo, o que não o isenta de parte da culpa pela morte de Jéssica
Perfil não atendeu aos pedidos para tirar fake news do ar, com resultado trágico
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Foi antes mesmo do desgoverno de Jair Bolsonaro que a imprensa profissional passou a ser desacreditada no Brasil. O jornalista Paulo Henrique Amorim, ligado à esquerda, cunhou a sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista), para rotular os veículos que supostamente teriam feito campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff. O PT comemorava quando grandes jornais faziam cortes de pessoal, que o partido interpretava como um sinal de bancarrota iminente.
Mas claro que com Bolsonaro a coisa piorou muito. O ex-presidente incentivava seus seguidores a se informarem apenas pelas redes sociais, e insultava jornalistas quase todo dia.
O resultado é que surgiu toda uma geração que desconfia da imprensa tradicional. Exige dela uma neutralidade impossível, e se recusa a pagar pelo acesso a informações que foram devidamente apuradas e checadas. Prefere dar crédito a qualquer boato que surja em grupos de WhatsApp, espalhado por sabe-se lá quem, contanto que esse boato confirme suas preferências pessoais.
Nesse ambiente mais do que propício para a disseminação de fake news, surgiram inúmeros sites e perfis que simplesmente passam adiante notícias colhidas de outras fontes, sem dar o devido contexto nem fazer a menor checagem, e muito menos ouvir o proverbial "outro lado". Todas essas são regrinhas básicas do jornalismo, mas a turma tenta se proteger dizendo que não faz jornalismo.
Um dos perfis de maior popularidade é o Choquei, que tem 21 milhões de seguidores no Instagram e quase 7 milhões no Twitter. Fundado em 2014 pelo fotógrafo goiano Raphael Sousa, o Choquei se notabilizou por manchetes escandalosas que começam com um GRAVE ou um URGENTE, sempre em letras maiúsculas.
Seria tudo lindo se o Choquei se comportasse como o Meio, cuja newsletter diária traz links para as principais notícias de jornais e sites reconhecidamente sérios. Mas há uma diferença crucial. O Meio é feito por jornalistas. O Choquei só está interessado em gerar cliques para atrair publicidade, e dane-se todo o resto.
Na semana passada, o Choquei publicou trechos de uma suposta conversa entre o humorista Whindersson Nunes e a estudante Jéssica Canedo. A história surgiu originalmente no perfil Garotx do Blog e foi repassada por diversas outras páginas. Mas nenhuma tem o alcance e a repercussão do Choquei.
Jéssica começou imediatamente a receber mensagens de ódio. Pediu várias vezes que a postagem fosse tirada do ar e escreveu um longo desabafo no Instagram, ao que Raphael Sousa reagiu com desdém: "Avisa para ela que a redação do ENEM já passou", postou ele no X.
Na sexta-feira (22), Jéssica apareceu morta. Ela sofria de depressão, e é provável que tenha se suicidado. Aí a coisa pesou para o Choquei. O perfil publicou uma "nota de esclarecimento", se eximindo de qualquer responsabilidade. "Todas as publicações foram feitas com base em dados disponíveis no momento e em estrito cumprimento das atividades habituais decorrentes do direito à informação."
Que "atividades habituais" são essas? Obviamente, não incluem checagem de dados ou o direito ao contraditório. Ou seja, o que o Choquei faz não é jornalismo. Mas isso não o isenta de uma grande parcela da culpa por este caso trágico.
O perfil parou de ser atualizado no sábado (23), e Raphael Sousa excluiu sua conta pessoal do Instagram. Agora é ele que é alvo de mensagens de ódio.
A extrema direita está tentando jogar parte da responsabilidade pela tragédia no presidente Lula, que foi explicitamente apoiado por Raphael na campanha de 2022. Justo a extrema direita, a maior produtora e divulgadora de fake news do Brasil. É para rir ou para chorar?
Vamos torcer para que esse caso incuta um mínimo de responsabilidade nesses perfis de fofocas. Uma vida humana vale imensamente mais do que 1 milhão de cliques. O Choquei vai sentir isso na pele, pois deve perder patrocinadores. Que ganhe, em troca, um pouco de vergonha na cara.