Tony Goes

Misturando protesto e galhofa, os peladões da década de 1970 eram até aplaudidos

Ao contrário dos expulsos pela Unisa, streakers não tinham conotação sexual

Alunos da Universidade de Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, chocaram as redes sociais - @ale_campelo no X

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Um dos assuntos mais quentes da tórrida semana que passou foi o caso dos alunos de medicina da Unisa que baixaram as calças e se masturbaram durante um jogo de vôlei feminino. O episódio ocorreu em abril, mas só causou escândalo depois que um vídeo viralizou nas redes sociais, há poucos dias.

Em outros tempos, tudo seria tratado como simples molecagem, coisa de "meninos" (apesar de todos os envolvidos serem maiores de idade), e ninguém seria punido. Mas agora a reação negativa – e plenamente justificada – foi tamanha, que 15 estudantes já foram expulsos da universidade.

O pior é que não se trata de um caso isolado. Há um longo histórico de trotes cruéis, desrespeito generalizado às mulheres e até explosões de violência envolvendo alunos de diversas instituições. Fruto de uma cultura machista e retrógrada que não combina com quem faz curso superior.

Vemos aqui, mais uma vez, a nudez masculina ser usada como uma arma, um instrumento de intimidação, uma ameaça nada velada de estupro. Mas houve um tempo em que correr nu num lugar público era um misto de protesto político e galhofa.

Estou me referindo aos streakers, que agitaram o início da década de 1970 com suas aparições-relâmpago em grandes eventos. O fenômeno, na verdade, é bem mais antigo: desde o final do século 18, no Reino Unido e nos EUA, correr pelado em público era uma aposta frequente entre os alunos das mais renomadas universidades.

Mas os streakers dos anos 1970 estavam inseridos em outro contexto. Era a época dos hippies, da contracultura, da Guerra do Vietnã. O musical "Hair" levou o nu frontal para os palcos da Broadway. Homens e mulheres já se despiam (e rolavam na lama) em festivais como o lendário Woodstock. A nudez era uma reação à caretice da sociedade, um ato de libertação.

Não demorou para que peladões surgissem em disparada em eventos esportivos ao vivo, para desespero das emissoras de TV. Também havia quem corresse nu para protestar contra o sistema ou a guerra. Não havia conotação sexual nem qualquer sinal de agressão às mulheres. Por isto mesmo, os streakers se tornaram populares. Eram aplaudidos, e alguns até se tornaram famosos.

O episódio mais conhecido aconteceu durante a 46ª cerimônia de entrega do Oscar em 1974. O ator britânico David Niven, conhecido por sua fleuma inabalável, estava no palco para anunciar um prêmio. De repente, passou atrás dele um sujeito nu em pelo, fazendo o "V" de paz e amor. A plateia veio abaixo.

Até hoje se discute se aquilo foi espontâneo ou uma armação da própria Academia. As câmeras de TV tomaram o cuidado de enquadrar o streaker, depois identificado como Robert Opal, apenas da cintura para cima. E David Niven reagiu à interrupção de seu discurso com uma piada que parecia ter sido escrita por roteiristas: "a única risada que este homem provocou foi quando exibiu suas deficiências".

A moda chegou ao Brasil, onde recebeu o nome de "chispada". Durou pouco, mas, provavelmente, serviu de inspiração aos atos abomináveis que esses estudantes vêm praticando há anos, sem maiores consequências.

As consequências parecem estar chegando, e marmanjos expondo suas partes pudendas em público devem se tornar mais raros. A nudez masculina, mais uma vez, será ressignificada. No entanto, a médio prazo, duvido que voltemos aos protestos bem-humorados dos streakers dos anos 1970.