'Amor Perfeito' prefere promover a inclusão do que ser fiel à verdade histórica
Nova novela das 18h da Globo é baseada em filme espanhol de teor religioso
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Se um homem negro saísse à rua no Brasil da década de 1930 usando o mesmo corte de cabelo que o ator Diogo Almeida ostenta em "Amor Perfeito", correria o sério risco de ir preso por vadiagem. O quase-afro do personagem Orlando era simplesmente impensável para aquela época, ainda mais para um médico.
Mas a nova ocupante da faixa das 18 horas da Globo, que tem direção artística de André Câmara, não está preocupada em ser um registro histórico acurado. Camila Queiroz, que vive a protagonista Marê, também surge em diversas cenas de cabelos longos e soltos, outro look anacrônico.
E o que dizer do mosteiro onde vive o pequeno Marcelino, o primeiro papel na TV do ator-mirim Levi Assaf? O menino é criado por padres dominicanos, franciscanos, salesianos e jesuítas, uma mistura para lá de improvável na vida real.
Novela não é documentário, sabemos todos. A carga dramática vem antes da verossimilhança. Hoje em dia, a mensagem também tem precedência. E "Amor Perfeito", além de emocionar o espectador, também quer promover valores como diversidade e inclusão.
"A gente se colocou o desafio de fazer uma novela de época com a cabeça de 2023", disse Elísio Lopes, que assina a trama junto com Duca Rachid e Júlio Fischer, ao "Fantástico" deste domingo (19). "E é impossível que a gente faça hoje uma novela de época sem falar das questões que são pertinentes para o nosso tempo".
O curioso é que a trama é livremente inspirada em "Marcelino, Pão e Vinho", uma história que soa datada e até mesmo fora de moda nos dias de hoje. O livro do espanhol José María Sánchez, lançado em 1951, foi transformado em filme quatro anos depois por Ladislao Vajda. Um sucesso avassalador, que marcou a história do cinema e depois ainda ganhou vários remakes, em diferentes países.
Marcelino é um garoto órfão criado num mosteiro de frades, e seu sonho é encontrar a mãe que nunca conheceu. Ele conversa com uma estátua de Jesus Cristo, que se mexe e o abraça. O desfecho do longa comoveu as plateias de mais de meio século atrás, mas é tristíssimo para os padrões atuais.
A pregação religiosa explícita de "Marcelino, Pão e Vinho" não deve aparecer em "Amor Perfeito". Em seu lugar, um plot de sabor bem tradicional: Marê é presa e condenada pelo assassinato do pai, num plano diabólico de sua madrasta Gilda, vivida por Mariana Ximenes. Na cadeia, a mocinha dá à luz um filho de seu namorado Orlando. O bebê é entregue à adoção.
O primeiro capítulo, exibido nesta segunda (20), apresentou os personagens de maneira clara e objetiva. Como é de se esperar de uma produção da Globo, direção de arte e figurinos são formidáveis. Mas a novela também mostrou muitos negros frequentando ambientes de elite, como se o racismo de quase um século atrás não fosse ainda pior que o do Brasil contemporâneo.
De volta à Globo depois de sua saída tumultuada da novela "Verdades Secretas 2", no final de 2021, Camila Queiroz prova que foi uma escolha acertada para o papel principal do folhetim. Mais segura do que nunca como atriz, ela exala beleza e carisma O mesmo não pode ser dito de Diogo Almeida, que ainda parece não estar maduro para um papel tão importante.
Segundo dados preliminares, a estreia de "Amor Perfeito" chegou a alcançar por volta de 20 pontos de audiência na Grande São Paulo (cada ponto no maior mercado publicitário do país equivale a 206.674 pessoas). Um número semelhante ao do final de sua antecessora no horário, "Mar do Sertão". Ou seja: não é nenhum vexame, mas tampouco é um triunfo.
Resta saber se essa história de pegada bem antiquada, mas temperada com modernices e anacronismos, vai cair no gosto do público.