Tony Goes

Opiniões políticas de Gloria Perez me afastaram ainda mais de 'Travessia'

Novela já era ruim, e ainda tem Cássia Kis num papel de destaque

Gloria Perez - Raphael Dias/Globo

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

É justo ignorar a obra de um artista por causa de suas ideias e atitudes na vida real? Essa pergunta não é nova, e não existe uma resposta definitiva para ela. Há décadas, a crítica discute como lidar com os romances do francês Louis-Ferdinand Céline, que nutria simpatias pelos nazistas e publicou panfletos antissemitas.

Nos dias de hoje, de polarização política acirrada, essa polêmica se banalizou. Não só deixamos de consumir livros, filmes e músicas produzidos por pessoas de quem discordamos, como ainda pregamos o boicote a elas. É a famosa cultura do cancelamento, que tem prejudicado carreiras e recebido críticas de todos os lados.

Um quadro bonito é um quadro bonito, ainda que tenha sido pintado por Iberê Camargo, que matou um desconhecido durante uma briga de rua. Mesmo assim, nunca mais eu consegui olhar do mesmo jeito para as telas do pintor gaúcho.

Quando a obra em questão é ruim, fica mais fácil abandoná-la. É o caso da novela "Travessia", atual atração da faixa das 21 horas da Globo. A trama confusa, que mistura a modernidade da internet com chavões antediluvianos dos folhetins, não empolgou o público. E ainda tem dois elementos que incomodam os eleitores mais progressistas: a atriz Cassia Kis e a autora Gloria Perez.

Muito já se falou de Cassia, que se converteu ao catolicismo mais radical e importunou colegas de elenco com sua pregação antiaborto e pró-Bolsonaro. Agora é Gloria quem vem chamando a atenção com postagens curtas nas redes sociais, porém reveladoras.

Em setembro, depois de curtir uma publicação antipetista, a escritora afirmou ao F5 que se sentia cerceada. "Isso é declaração de voto? Ah, gente! É cada uma! Vivi minha juventude sufocada pela ditadura e esse patrulhamento está ficando igualzinho". E arrematou: "Nunca declarei voto. Nunca, em tempo nenhum. E vou continuar assim. É um princípio meu".

Bom, Gloria Perez não chegou a fazer uma declaração formal, mas ficou claríssimo em quem ela votou nas últimas eleições. Ao rebater uma espectadora que criticava "Travessia" no Twitter, a novelista saiu-se com um "fez o L, é, fia?" –como se o fato de votar em Lula desqualificasse a moça.

No sábado (10), Gloria reagiu a um vídeo postado pelo general da reserva e deputado federal Girão Monteiro (PL-CE), que defendia a intervenção das Forças Armadas para impedir a posse de Lula. A novelista escreveu "vacina" num comentário, manifestando seu apoio a um eventual golpe de estado.

É estarrecedor que um escritor defenda a quebra da ordem institucional, que costuma desembocar em censura e ditadura. A própria Gloria conta que cresceu sufocada pelo regime militar. E agora quer o mesmo para as novas gerações?

Claro que ela tem todo o direito de apoiar o que quiser, estamos numa democracia, blá-blá-blá. Mas, quando vou assistir a um capítulo de novela, eu não me desligo das minhas opiniões. "Travessia" se tornou ainda mais insuportável para mim.

Como colunista de TV, não posso fingir que o carro-chefe da maior emissora do país simplesmente não existe. Vou ter que ver "Travessia" de vez em quando, para me manter a par da trama e poder comentá-la.

Mas assistir pelo mero prazer, como fiz tantas vezes com "Pantanal"? Não dá. Só de pensar que o texto foi escrito por Gloria Perez e que a Cassia Kis pode aparecer a qualquer momento, eu já sinto engulhos.