Ganhamos no futebol, mas a Coreia do Sul tem goleado no 'soft power'
Influência cultural do Brasil no mundo hoje é menor que a do país asiático
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Foi um belo jogo, não foi? Um primeiro tempo impecável, com tantos gols brasileiros que quase ficou monótono. No segundo tempo, a Coreia do Sul marcou seu gol de honra, mas nossa seleção dominou a bola quase o tempo todo e garantiu uma classificação tranquila para as quarta de final da Copa.
Estranho seria se fosse o contrário. Afinal, o Brasil ainda é o único pentacampeão do mundo, capaz de seduzir torcidas daqui a Bangladesh. Os coreanos são adversários de respeito, sem dúvida, e melhoram a cada ano que passa. Só que ainda não fazem parte da elite do futebol.
Mas existe outro clube onde a Coreia do Sul chegou há pouco tempo e já entrou para a área VIP: o do "soft power". Esse tal de "poder suave" nada mais é do que a influência cultural que um país exerce sobre os demais. Pode estar atrelado ao poder militar e ao poder econômico, como é o caso dos Estados Unidos. Ou não, como é o caso da pequena nação asiática.
Nos últimos cinco anos, os sul-coreanos emplacaram, entre outras façanhas, o primeiro longa em língua não inglesa a vencer o Oscar de melhor filme ("Parasita"), a banda de maior sucesso do mundo (BTS), a série mais assistida do streaming ("Round 6") e o reality show com mais versões internacionais ("The Masked Singer"). Enquanto isso, a culinária deles também se populariza. Hoje é fácil encontrar kimchi, a tradicional conserva apimentada coreana, em qualquer grande cidade do planeta.
Tudo isto não aconteceu por acaso. Essas conquistas todas são fruto de uma parceria sólida entre o Estado e a iniciativa privada. Os sul-coreanos investiram pesado em sua indústria cultural e agora colhem os resultados.
O curioso é que, até pouco tempo atrás, a grande potência emergente do "soft power" era o Brasil. Éramos tidos por muita gente como o país mais legal do mundo, com praias lindas, gente alegre, música irresistível e comida deliciosa. Só que não soubemos aproveitar essa boa vontade toda e perdemos espaço.
Há muitas causas para isso, mas uma delas é evidente: o governo que ora finda fez o que pôde para prejudicar nossa imagem internacional. Criminalizou a atividade cultural e chegou a vender o país unicamente como uma meca sexual –contanto que o turista seja homem e hétero, veja bem.
Nosso cinema minguou e parou de ganhar prêmios importantes. Nossas telenovelas perderam audiência para produções turcas e "doramas" coreanos. Anitta precisou cantar em espanhol para penetrar no mercado americano.
Mas a partida desta segunda-feira (5), por incrível que pareça, me encheu de esperança. Porque foi mais do que só um jogo de futebol. A criatividade e a ginga brasileiras explodiram nas dancinhas de comemoração dos nossos jogadores. Nosso humor irreverente varreu as redes sociais, com juras de amor eterno a Neymar –mesmo ele tendo pintado o cabelo da cor de um bife folheado a ouro. A estilosa máscara negra do atacante coreano Son não é páreo para a nossa malemolência.
Somos maiores que a Coreia do Sul em área, em população e, por enquanto, no PIB. Falamos uma língua que não é tão isolada quanto a deles. Inventamos a caipirinha, hoje saboreada em todos os continentes. Ah, sim, e de vez em quando ainda jogamos futebol.
Ganhemos o hexa ou não, o Brasil está de volta. Assim como a Copa, o "soft power" também está ao nosso alcance. Te cuida, Coreia.