Cássia Kis é mais uma a cair no falso discurso religioso de Bolsonaro
Cristãos não deveriam se empolgar só por palavras, mas por atitudes
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Cássia Kis é uma das maiores atrizes do Brasil. Ao longo de mais de 40 anos de carreira, ela deu mostras de uma incrível versatilidade ao encarnar tipos tão diversos como uma prostituta nordestina ou uma grã-fina carioca.
Também existe um vasto folclore ao seu redor. Circulam nos corredores da Globo histórias bem-humoradas sobre seu comportamento errático. Cássia já mudou de ideia diversas vezes. Foi espírita, petista, adepta da ioga, estudante de astrologia. Enquanto esteve casada com o psiquiatra João Baptista Magro Junior, incorporou o sobrenome dele a seu nome artístico. Lutou anos contra a bipolaridade e a bulimia, e depois disse que havia sido mal diagnosticada.
Em sua mais recente encarnação, Cássia Kis é uma católica fervorosa e, para espanto de alguns, defensora de Jair Bolsonaro (PL). Afinal, em 2020 ela disse que o presidente merecia "levar uma surra de cinto da mãe dele", porque o que ele diz "são coisas de criança, de homem mimado".
Evidentemente, a atriz tem todo o direito de trocar de opinião e de acreditar, ou deixar de crer, no que quiser. Estamos (ainda) numa democracia. Mas o regime democrático também permite que as opiniões de Cássia sejam alvo de críticas e análises, como a que estou tentando fazer aqui.
O atual fervor religioso de Cássia Kis ficou patente num vídeo divulgado no final de agosto no canal no YouTube do Centro Dom Bosco, uma organização católica reacionária que acha que o papa Francisco é progressista demais.
Além de pedir orações pelo Brasil no dia 7 de setembro, Cássia diz no vídeo que o país "foi uma terra povoada por católicos portugueses". Com um sorriso nos lábios, a atriz jogou na lata de lixo da história todos os povos originários e os africanos escravizados trazidos à força para cá, além de desprezar os milhões de brasileiros que são ateus ou adeptos de outras fés.
Nesta terça (4), ao chegar ao evento de lançamento da novela "Travessia" nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, Cássia Kis foi cercada por jornalistas ansiosos por conhecer suas posições políticas. A atriz não se fez de rogada.
"Há uma profecia de Nossa Senhora que diz que o Brasil terá um grande derramamento de sangue", afirmou ela. "Não sei se posso falar se estou esperançosa, mas sei que Bolsonaro tem encontrado a fé cristã. Ainda não é um católico, mas está em transformação".
Onde que Bolsonaro tem encontrado a fé cristã? Ao defender o armamento desenfreado da população? Ao zombar das vítimas da Covid e atrasar a compra de vacinas? Ao aceitar o apoio do jogador Robinho, um estuprador condenado pela Justiça italiana?
Como muitas outras pessoas religiosas, Cássia Kis também está se deixando levar pelas palavras de Bolsonaro, ignorando suas ações nefastas. O presidente fala em Deus o tempo todo e se diz católico, mas está longe de ser praticante. Não vai à missa, não se confessa, não comunga. Tampouco demonstra genuíno amor ao próximo quando corta verbas da merenda escolar ou dos tratamentos contra o câncer.
Bolsonaro, que já declarou que o aborto deveria ser "uma escolha do casal", hoje se vende como opositor ferrenho da prática, e é isto o que parece ter seduzido Cássia Kis. Ela, que fez um aborto aos 29 anos, agora se arrepende amargamente, e virou militante da causa contrária à liberdade de escolha da mulher. Inclusive, foi ao evento de "Travessia" portando uma camiseta onde se lia "aborto não".
Novamente: Cássia Kis tem todo o direito de ser contra o aborto. Mas é no mínimo curioso que uma pessoa com sua história de vida, que passou por tanta coisa, se iluda tão facilmente com o demagogo que busca agora a reeleição. "Ele é o único presidente do mundo que fala em Deus. E fala com força." Aí é que está a questão, Cássia. Ele só fala.