Tony Goes

Bonner e Renata se saem bem na entrevista com Ciro, mas ainda podem melhorar

Clima com o candidato do PDT foi menos tenso do que com Bolsonaro

Ciro Gomes foi sabatinado pelos apresentadores do Jornal Nacional, William Bonner e Renata Vasconcellos - Marcos SERRA/G1/AFP

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O Brasil não tem tradição de entrevistadores incisivos. Políticos e celebridades estão acostumados a afagos e bolas fáceis quando dão entrevistas, especialmente para a televisão.

Pode ser culpa da nossa proverbial (e imaginária?) cordialidade; também pode ser da fraqueza da nossa democracia. Não sabemos muito bem como peitar os poderosos.

Nos Estados Unidos, é bem diferente. Âncoras de telejornal, apresentadores de talk show e até pessoas comuns, quando convidadas a interrogar um convidado, deixam de lado a bajulação e vão direto ao ponto, sem ofensas nem lacração. É cultural: aulas de debate fazem parte do currículo escolar.


Quando um jornalista da TV brasileira se aproxima deste molde, o espanto é geral. Se o entrevistado for um político, seus apoiadores imediatamente se queixarão que o entrevistador foi parcial e até mesmo grosseiro. Achamos que fazer perguntas incômodas é falta de educação.

Foi assim que muitos bolsonaristas reagiram à atuação de William Bonner e Renata Vasconcellos diante de Jair Bolsonaro, o primeiro presidenciável a ser sabatinado pelo Jornal Nacional nesta semana. Segundo essa turma, os titulares do noticiário da Globo teriam demonstrado inusitada agressividade, mas terminaram "jantados" pelo atual presidente da República.

Quem não acredita em mitos teve uma impressão melhor da dupla, mas tampouco poupou-a de críticas. Apesar de exalarem firmeza e autocontrole, Renata e Bonner deixaram escapar inúmeras mentiras proferidas pelo candidato do PL. Às vezes, quando parecia que a temperatura iria subir, eles mudavam de assunto, alegando que havia pouco tempo para muitos assuntos importantes.

O fato é que algumas das perguntas eram complexas demais, reunindo diversas falhas do governo. Bolsonaro então se aferrava a apenas uma delas e a rebatia com gosto, ignorando as demais. Quando a enrolação se estendia, os âncoras pareciam enfadados, loucos para falar de outra coisa.


Nesta terça (23), o convidado foi Ciro Gomes, ex-ministro e ex-governador do Ceará, que concorre à presidência pelo PDT. Relaxado, seguro e até simpático, o candidato ofereceu um contraste total com Bolsonaro, que exalava tensão e foi ríspido diversas vezes.

O clima foi muito mais ameno do que a da noite anterior, até porque não há muito o que se cobrar de Ciro. Não foi ele quem ocupou a cadeira presidencial desde janeiro de 2019; não foi ele quem lidou com a pandemia de maneira desastrosa, nem quem trouxe o país de volta ao mapa da fome. Não havia falas abjetas de que se arrepender, nem fake news a desmentir.

As questões focaram os planos de governo do candidato e mal tocaram no seu passado. Esta dinâmica favoreceu Bonner e Renata, que não foram interrompidos nem precisaram interromper bruscamente o entrevistado, como na segunda (22).

A Globo também quis dar mais protagonismo a Renata Vasconcellos. Dessa vez, foi ela quem abriu a conversa. Na sabatina anterior, a jornalista só conseguiu espaço para falar depois de 10 minutos, e foi tratada com condescendência por Bolsonaro. Com Ciro, Renata teve uma participação maior, com a elegância de sempre.

Tanto ela como William Bonner não costumam fazer entrevistas no Jornal Nacional. O programa raramente recebe convidados na bancada, algo comum em telejornais europeus. Ambos se saíram bem, mas, com mais traquejo, teriam tido um desempenho ainda melhor.

Na quinta (25), o JN recebe o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, do PT, que se sente muito mais à vontade num palanque do que sendo questionado por um repórter. Bonner e Renata devem tocar em assuntos espinhosos, e tomara que tenham aprendido com as duas primeiras sabatinas a não deixar o convidado engabelá-los.

Na sexta (26), a conversa com Simone Tebet –ainda pouco conhecida e com escassas chances de vitória – deve ser um passeio no parque.

Renata Vasconcellos e William Bonner estão entre os melhores âncoras do mundo. Como entrevistadores, os dois também são ótimos, mas podem se aperfeiçoar. Nós também precisamos melhorar como espectadores, e exigir perguntas cada vez mais duras a quem pretende nos governar. O jornalismo tem mais é que incomodar.