Sérgio Reis inventa neologismo 'dinheiro para o público', e piora imagem de sertanejos
Internautas pedem que gastos de prefeituras sejam investigados por CPI
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O cantor e compositor Sérgio Reis imortalizou inúmeros clássicos da nossa música, de "Coração de Papel" a "O Menino da Porteira". Agora também poderá ser lembrado pela criação de uma expressão absurdamente hipócrita: "dinheiro para o público", que seria algo totalmente distinto de dinheiro público.
O malabarismo verbal surgiu durante uma entrevista para o historiador Gustavo Afonso, especialista em música sertaneja, publicada pela Folha. Ao se gabar de nunca ter utilizado os mecanismos de incentivo da Lei Rouanet, Reis foi lembrado pelo entrevistador de que prefeituras de todo o Brasil pagam shows de artistas com verbas municipais, sem os controles nem a transparência da lei. E os cachês são muito mais altos que os permitidos por esta.
"É dinheiro para o público, não é dinheiro público. Uma prefeitura precisa levar lazer para o povo da cidade", alegou o cantor. Só não esclareceu de onde viria esse "dinheiro para o público": do céu? Das árvores? De algum mecenas generoso? Ou, como toda verba pública, dos impostos pagos por pessoas físicas e jurídicas?
Ao longo da entrevista, Sérgio Reis se revela um típico tiozão do zap, que só se "informa" pelas fake news que circulam nas redes sociais e acredita em tudo que diz seu ídolo Jair Bolsonaro –da suposta falta de credibilidade das urnas eletrônicas ao ódio pela TV Globo.
As falas do veterano artista só serviram para levar mais lenha para a fogueira acesa por Zé Neto, da dupla com Cristiano, que se vangloriou de não depender da Lei Rouanet e de ter seus cachês "pagos pelo povo" durante um show em Sorriso (MT), em 12 de maio.
No dia seguinte, o jornalista Demétrio Vecchiolli postou um fio no Twitter demonstrando que o show em Sorriso custou R$ 400 mil à prefeitura da cidade –ou seja, foi pago com dinheiro público.
Envergonhado, Zé Neto pediu desculpas pelas redes sociais e ainda doou R$ 498 mil para um hospital em São José do Rio Preto (SP), na tentativa de limpar a própria barra.
Mas o estrago estava feito: sua fala desastrada atraiu holofotes aos cachês astronômicos pagos a artistas, especialmente sertanejos, pelas prefeituras de cidades pequenas pelo Brasil afora, dessas onde falta quase tudo.
Gusttavo Lima, por exemplo, está sendo investigado pelo Ministério Público por causa dos R$ 800 mil que irá receber por uma única apresentação na minúscula cidade de São Luiz, em Roraima, que tem apenas 8.000 habitantes.
Não deixa de ser divertido ver esses cantores, todos árduos defensores das sandices de Jair Bolsonaro, se verem obrigados a dar explicações pelos rios de dinheiro público –e não "para o público"– que irrigam suas contas bancárias.
Tem até um movimento pró-CPI do Sertanejo rolando nas redes sociais, algo improvável de ser instalada a esta altura do ano, quando já estamos nos aproximando das eleições de outubro.
De qualquer forma, como dito antes, o estrago está feito. Os sertanejos não têm mais credibilidade para atacar artistas que não apoiam Bolsonaro, sob o pretexto de que estes "mamariam nas tetas do Estado". A teta à qual eles mesmos estão pendurados é muito mais copiosa e menos controlada do que qualquer mecanismo previsto pela Lei Rouanet.
E dela jorra não "dinheiro para o público", mas dinheiro público mesmo. O meu, o seu, o nosso dinheiro.