Tony Goes

A Globo está certa em contratar Jade Picon como atriz?

Influenciadora ganhou papel na próxima novela de Gloria Perez

Jade Picon - Instagram/jade

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Lana Turner foi descoberta por um olheiro em uma lanchonete de Hollywood e se tornou uma estrela de cinema sem nunca ter atuado antes. Vera Fischer só tinha o título de Miss Brasil no currículo quando estrelou seu primeiro filme. Ana Paula Arosio, Cristiana de Oliveira, Vitor Fasano, Silvia Pfeiffer... a lista de modelos chamados a participar de novelas, com pouca ou nenhuma experiência em atuação é quilométrica.

Trazer rostos bonitos para a frente das câmeras é uma prática comum desde que os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo. Cinema é, antes de tudo, imagem. Num outro nível, também é fantasia. Juntem-se as duas coisas, e eis a tirania da beleza na tela que perdura até hoje.

Mas os tempos mudam, e hoje são exigidos muito estudo e esforço para se atuar em praticamente qualquer área. Entre os profissionais das artes cênicas, não é diferente. No Brasil, um ator precisa ser registrado no sindicato de sua categoria para poder trabalhar.

Jade Picon não tem esse registro. Mesmo assim, a influenciadora digital, um dos destaques do BBB 22, foi convidada pela Globo para interpretar um personagem muito parecido com ela mesma em "Travessia", próxima atração da faixa das 21 horas. Até Gloria Perez, a autora da novela, teria aprovado essa contratação.

Muita gente não gostou, é claro. Atrizes como Ana Hikari, Anna Rita Cerqueira e Nina Tomsic foram às redes sociais reclamar. "Duvido aguentar um dia. Nossa profissão é para gente qualificada. Não tem glamour, não é fácil e não é qualquer um que faz", escreveu Nina, a Ingrid de "Quanto Mais Vida, Melhor!".

O Sated-RJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro) também já avisou que irá barrar a participação de Jade na novela. "A lei é muito clara. Sem registro, não trabalha. Isso não é uma perseguição do sindicato a nenhum influencer, a nenhuma pessoa", afirmou Hugo Gross, o presidente do sindicato.

Todas essas reações me parecem muito justas. O mercado de trabalho para atores é duríssimo, com poucos papéis para muitos candidatos. A rejeição e o desemprego fazem parte da rotina desses profissionais. Aí, de repente surge uma influenciadora bonitinha, que ganha um papel numa novela só porque tem milhões de seguidores? Tomando o lugar de alguém que ralou muito?

Mas a questão também tem um outro lado. São muitos os casos de modelos que se tornaram não só grandes estrelas, mas também grandes atores. O exemplo mais fulgurante que temos no Brasil de hoje é o de Grazi Massafera.

Depois de chegar em segundo lugar no BBB 5 e angariar uma popularidade considerável, a paranaense foi escalada pela Globo para algumas novelas. No começo, suas participações eram pífias. Grazi não sabia projetar a voz, não sabia se movimentar em cena, não sabia nada. Era só bonita e ponto.

Mas ela teve consciência da oportunidade que tinha nas mãos, e investiu na carreira de atriz. Foi para a Espanha por conta própria, para fazer cursos de atuação, e depois trouxe seu professor espanhol para dar aulas na Globo. Estudou bastante e não teve medo de se expor. Resultado: ganhou o prêmio APCA e foi indicada ao Emmy Internacional pelo papel de Larissa, a modelo viciada em crack da novela "Verdades Secretas", de 2016.

Uma diretora de elenco da Globo me disse que Grazi era um caso único, um ponto fora da curva. Mas desconfio que Jade Picon também seja. Neste exato momento, ela deve estar tendo aulas de atuação. Se demonstrar o mesmo afinco que dedica a seus negócios e ao seu perfil no Instagram, pode ir longe. Também suspeito que a Globo dará um jeito de lhe conseguir o registro no sindicato.

De qualquer forma, a questão é complexa. Num mundo ideal, nenhum ator pisaria num palco ou num estúdio de gravação sem antes ter feito vários cursos. Mas quem disse que vivemos num mundo ideal?