Acossado nas redes sociais, Danilo Gentili prova uma dose de seu próprio veneno
Humorista costumava atiçar seus seguidores a perseguir seus desafetos
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Em 2017, descontente com uma crítica negativa a seu filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", Danilo Gentili estimulou seus milhões de seguidores a investir contra o CinePOP. Os profissionais que trabalham lá tiveram seus números de telefone vazados na internet e receberam até ameaças de morte.
Não foi a primeira vez que o apresentador do The Noite (SBT) agiu dessa maneira. Nos primeiros anos de sua carreira, sempre que alguém lhe desagradava, Gentili não hesitava em conclamar sua horda de admiradores para atacar online a pessoa em questão. O episódio mais notório aconteceu com a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), mas muitos jornalistas foram alvos de sua fúria –inclusive eu, em duas ocasiões distintas.
Posso estar enganado, mas acho que a reação virulenta de Gentili contra os críticos de "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" foi a última vez que ele usou este recurso covarde, digno de alguém que nunca saiu da quinta série.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. Gentili apoiou a campanha presidencial de Jair Bolsonaro, que acabou sendo eleito em 2018. Mas, já no ano seguinte, indignado com as muitas barbeiragens do novo presidente, o humorista passou a criticá-lo publicamente. Era óbvio que, algum dia, ele também seria tratado como inimigo pelos bolsonaristas.
Esse dia chegou: no domingo passado (13), o deputado estadual André Fernandes (Podemos-CE) se indignou com uma cena do longa, que chegou recentemente ao catálogo da Netflix. Como todo mundo já sabe a esta altura, é o momento em que o diretor da escola vivido por Fábio Porchat tenta convencer dois alunos a masturbá-lo para escaparem de uma punição.
A cena é grotesca mesmo e não tem nada de engraçada. Na época do lançamento, uma reportagem da Folha já destacava essa tentativa de fazer piada com a pedofilia. Mas os apoiadores de Bolsonaro foram às redes sociais dizer que tinham adorado o filme. Inclusive o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), que esta semana apagou seu tuíte elogioso de quatro anos atrás e alegou não ter visto a cena polêmica porque devia estar falando ao telefone. Ahã.
Praticamente toda a extrema direita brasileira se levantou contra Gentili esta semana. O nome do apresentador subiu aos primeiros lugares dos "trending topics" do Twitter, por causa da enxurrada de mensagens de ódio que passou a receber. De antigo aliado, Danilo Gentili virou um abusador de criancinhas. O inimigo número 1 da família brasileira.
Confesso que acho uma certa graça nisso tudo. Habituado a ser pedra, Gentili teve seu dia de vidraça.
Felizmente, dessa vez o humorista está reagindo aos ataques com inteligência e até uma certa elegância. Nesta quarta (16), ele postou uma cena em que o ex-ator e atual secretário da Cultura Mario Frias esbofeteia uma mulher na novela "Os Mutantes" da Record.
"Que cena horrível que incentiva a agressão contra as mulheres", escreveu ele na postagem. "Isso passou na TV aberta? E se uma criança assiste? Nossa... devemos censurar?".
A coisa mais ofensiva da tal cena é a canastrice de Mario Frias. Dá para entender por que sua carreira artística não foi longe.
Mas Gentili tem razão. Se acharmos que toda cena que envolve algum tipo de violência, física ou psicológica, deve ser censurada, daqui a pouco não haverá mais dramaturgia.
O Ministério da Justiça quer tirar "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" de circulação, mas é duvidoso que consiga. A censura é inconstitucional no Brasil. O filme já teve sua classificação indicativa alterada de 14 para 18 anos, mas nem isto está surtindo o efeito desejado. Com tanta propaganda gratuita, a opus magna de Gentili chegou a figurar entre os títulos mais assistidos no ranking diário da Netflix nesta terça (15).