Atores com autismo vivem personagens com autismo na série 'Nosso Jeito de Ser'
Programas que tratam da neurodiversidade estão ficando mais comuns
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Durante muito tempo, a mídia retratou os transtornos do espectro do autismo por seu aspecto mais extremo: os casos graves, em que a pessoa praticamente não interage com o mundo exterior. Um triste exemplo dessa abordagem foi o esquete "Casa dos Autistas", exibido em 2011 pela extinta MTV Brasil no humorístico Comédia MTV. O quadro rendeu processos à emissora e maculou a reputação do então iniciante Marcelo Adnet.
Havia exceções, mas que só que confirmavam a regra. Uma delas foi o filme "Rain Man" (1988), em que Dustin Hoffman interpretava um portador de savantismo, ou síndrome do sábio, distúrbio neurológico que faz a pessoa ter, ao mesmo tempo, uma grande capacidade intelectual e um déficit de inteligência.
A explosão das plataformas de streaming intensificou a sede por novas histórias, e, de uns anos para cá, começaram a surgir séries que mostram o autismo de maneira mais realista. Duas delas estão na Netflix: a sitcom "Atypical", que teve quatro temporadas, e o reality de namoro "Amor no Espectro", que já tem duas.
O exemplo mais recente é "Nosso Jeito de Ser", disponível desde o final de janeiro na Amazon Prime Video. É importante ressaltar que o serviço costuma alternar os títulos em português com os originais em inglês: a mesma série aparece lá com o nome "As We See It".
"Nosso Jeito de Ser" é a versão americana de um seriado israelense "Al Haspectrum" ("No Espectro"). A adaptação ficou a cargo do showrunner Jason Katims, de "Friday Night Lights", que tem um filho autista de 20 anos de idade.
A grossíssimo modo, pode se definir "Nosso Jeito de Ser" como "Friends" com autismo. Três jovens –dois rapazes e uma moça, todos por volta dos 25 anos– dividem um mesmo apartamento em Los Angeles, e enfrentam os dramas típicos da idade: a busca por um amor, um bom emprego, uma vida plena.
Só que os três têm distúrbios dentro do espectro do autismo. Jack, um gênio da computação, não tem o menor prurido de chamar seu chefe de burro durante uma reunião, e é demitido. Violet é caixa de uma lanchonete, e pergunta a todos os clientes se eles gostariam de transar com ela. Harrison é o menos sociável do grupo: morre de medo de sair de casa, pois barulhos como buzinas ou latidos de cães o deixam petrificado.
Os três personagens são vividos por atores que também estão dentro do espectro autista. Rick Glassman, que vive Jack, tem um currículo que inclui trabalhos como ator, editor, produtor e montador de filmes. Sue Ann Pien, a atriz de Violet, tem na série seu primeiro papel de destaque, depois de algumas participações especiais. Só Albert Rutecki, que interpreta Harrison, pode ser chamado de novato.
O trio de amigos vive com uma cuidadora, Mandy, papel de Sosie Bacon. O drama pessoal dela também ganha destaque: ela não sabe se acompanha o namorado, que vai para uma universidade em São Francisco, ou se fica em Los Angeles. Mandy se sente responsável por seus cuidados, por quem sente genuína afeição.
"Nosso Jeito de Ser" tem vários momentos engraçados, sem nunca tirar sarro de seus protagonistas. Mas também não faltam cenas exasperantes, como a obsessão de Violet por um colega de trabalho, ou a dificuldade de Jack em entender que talvez precise se virar sozinho em breve, pois seu pai está com câncer.
Para mim, que sou totalmente ignorante em relação ao autismo, a série é uma revelação. Eu nunca imaginei que pessoas dentro do espectro fossem capazes de tanta coisa, e minha visão sobre o assunto mudou bastante.
O bom é que "Nosso Jeito de Ser" é só mais um exemplo de programa que aborda a neurodiversidade –o termo que abrange todas as variações naturais do cérebro humano, que vão dos distúrbios da fala à esquizofrenia. Séries e realities que tratam do assunto, com humor e sensibilidade, estão se tornando cada vez mais frequentes, e isto é bom para todo mundo.