Tony Goes

Fernanda Montenegro e Gilberto Gil tornam Academia Brasileira de Letras mais pop

Quem se choca com a entrada dos dois não conhece a história da ABL

Fernanda Montenegro e Gilberto Gil agora fazem parte oficialmente da Academia Brasileira de Letras - Montagem

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Para quê serve a Academia Brasileira de Letras?

É legítima essa pergunta. Apesar de centenária e de frequentar as manchetes toda vez que elege um novo integrante, a ABL é uma entidade opaca para a imensa maioria dos brasileiros. Afinal, o que fazem aqueles senhores de fardão, além de tomar chá e falarem mal uns dos outros?

Surgida em 1897, nos moldes da Academia Francesa, a Academia Brasileira tem como propósito oficial o cultivo da língua portuguesa e da literatura nacional. Seus 40 membros, que recebem a alcunha de imortais, precisam ter publicado pelo menos um livro. Qualquer livro: não se especifica o gênero.

No entanto, desde seus primórdios, a ABL se afastou de ser apenas uma congregação dos maiores escritores do país. Entre os primeiros imortais está o inventor Alberto Santos Dumont, que jamais se notabilizou por nenhum romance. Novamente se espelhando na matriz francesa, nossa Academia preferiu reunir os notáveis da cultura brasileira, e não apenas os literatos.

Só que nem isso ela conseguiu. Nomes de peso como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Graciliano Ramos e Gilberto Freyre jamais se interessaram em se candidatar a alguma vaga. Uma das razões era a presença de políticos na Academia, autores de obras sem maior valor. Alguns de pendor autoritário, como Getúlio Vargas ou o general Adélio de Lira Tavares, membro da junta militar que governou o Brasil em 1969 e um dos signatários do AI-5.

Em eleições recentes, os acadêmicos têm evitado se curvar aos poderosos de plantão. Mas mantiveram a tradição de escolher membros de áreas fora da literatura propriamente dita, como o cirurgião plástico Ivo Pitanguy ou os cineastas Nélson Pereira dos Santos e Cacá Diegues. Também elegeram Paulo Coelho, o escritor brasileiro mais vendido de todos os tempos, dono de uma prosa aquém do irretocável.

A tendência foi mantida nas duas mais recentes escolhas de imortais. Duas semanas atrás, a eleita foi a atriz Fernanda Montenegro, cujo único livro é sua própria autobiografia, "Prólogo, Ato, Epílogo", escrito em parceria com Marta Góes. Nesta quinta (11), foi a vez do cantor e compositor Gilberto Gil.

Nos dois casos, choveram críticas nas redes sociais. Internautas que, provavelmente, não são muito chegados aos livros, de repente se tornaram árbitros da literatura. Segundo eles, Fernandona não merece estar na ABL porque, bem, é atriz. E Gil não passa de um cantor popular! Quem seriam os próximos acadêmicos, então? Algum MC do funk?

Essas críticas vêm carregadas de preconceito e ignorância. Ao dar vida no palco a personagens criados por Nélson Rodrigues e Millôr Fernandes, Fernanda Montenegro fez mais pelas nossas letras do que milhares de escritores. Quanto a Gilberto Gil, trata-se simplesmente de um dos nossos maiores poetas de todos os tempos.

A importância dos dois é tão grande que ambos foram convidados para assumir o ministério da Cultura, em diferentes governos – Gil aceitou, ocupando o cargo de 2003 a 2008.

O chocante é pensar que Fernanda é apenas a nona mulher a entrar para a ABL, e Gil, o segundo negro –o primeiro foi Machado de Assis. Como que uma instituição dessas pode pretender representar o Brasil?

A Academia sabe disso, e vem tentando consertar o estrago. Haverá mais três eleições até o final de 2021. Para a próxima, já no dia 18 de novembro, o favorito é Daniel Munduruku, autor de mais de 50 livros infanto-juvenis e traduzido no mundo inteiro. Será o primeiro imortal de origem indígena.

A presença deles torna a ABL mais pop, no sentido de mais popular, mais próxima da vida real. Mais brasileira, como seu próprio nome diz.