Tony Goes

'It's a Sin' é retrato fiel e emocionante do efeito da Aids sobre toda uma geração

Minissérie da HBO Max traz momentos de alívio cômico no meio de tragédia

Olly Alexander em cena da minissérie "It's a Sin" - Reprodução

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A primeira década da Aids é um assunto difícil para a dramaturgia. Não havia tratamento e, quando a doença começou a se espalhar, nem sequer prevenção. O resultado é que muitas das obras sobre esse período são previsíveis e, invariavelmente, deprimentes: o protagonista sempre morre no final.

Há honrosas exceções, é claro. A peça “Anjos na América”, de Tony Kurshner, traça um painel contundente dos EUA na década de 1980, abordando política, religião e a hipocrisia dos poderosos.
O filme francês “120 Batimentos por Minuto” retrata os primórdios do movimento Act Up, que forçou governos e farmacêuticas a investir em medicamentos contra a síndrome.

Este grupo seleto tem um novo integrante: a minissérie britânica “It’s a Sin”, finalmente disponível no Brasil através da plataforma HBO Max. Combinando momentos de drama, humor e crítica social com uma trilha sonora sublime, o programa consegue traduzir a euforia do início dos anos 1980, que logo se transformou em medo e horror. Eu me lembro bem: eu estava lá.

O roteirista Russell T. Davies também estava. Criador da versão original de “Queer as Folk”, a primeira série de TV sobre o estilo de vida gay, e de “Years and Years”, um inquietante exercício de futurologia, Davies talvez tenha cometido sua obra-prima com “It’s a Sin”.

A produção foi conturbada. BBC e ITV, as maiores redes britânicas de TV, recusaram o projeto. O independente Channel Four topou, mas reduziu os oito episódios originais para apenas cinco. No entanto, quando finalmente foi ao ar, em janeiro deste ano, “It’s a Sin” não só teve alta audiência e ótimas críticas como provocou um aumento na procura por testes de HIV.

A história começa em 1981. Ritchie (Olly Alexander) se muda da ilha de Wight, no sul da Inglaterra, para Londres para estudar teatro e se tornar uma grande estrela. Os planos do galês Colin (Callum Scott Howels) são mais modestos: arranjar um bom emprego, que ele consegue numa loja na Saville Row, a rua das alfaiatarias mais elegantes do mundo. Já Roscoe (Omari Douglas), de família nigeriana, foge de casa quando seu pai descobre sua homossexualidade e decide despachá-lo para a África.

Os caminhos dos três acabam se cruzando e eles vão morar todos juntos num amplo apartamento logo apelidado de Palácio Rosa, com mais dois colegas de escola de Ritchie, a sagaz Jill (Lydia West) e o bonitão Ash (Nathaniel West), de origem indiana.

Só a garota não é gay: os outros quatro aproveitam a recém-conquistada liberdade para mandar brasa, transando entre si e com terceiros num clima de festa permanente.

A alegria dura pouco. Começam a chegar relatos de um mal misterioso que está matando gays nos Estados Unidos. Um colega de trabalho de Colin, mais velho, cai doente e morre (o papel coube ao americano Neil Patrick Harris, que consegue falar com um sotaque britânico perfeito).

Ninguém sabe a causa, muito menos a cura. A princípio, o grupo de amigos desdenha o perigo e demora para estabelecer uma pífia regra interna: proibido transar com americanos.

Só que não vai demorar para a Aids fazer sua primeira vítima entre eles. Amigos e conhecidos também estão sucumbindo, e o pânico se instaura. O teste para detectar o HIV se torna imprescindível assim como o uso de camisinhas. No entanto, para alguns será tarde demais.

Contando assim, parece que “It's a Sin” segue a mesma rota descendente de filmes como “Meu Querido Companheiro” ou “Filadélfia”, que deixam o espectador desconsolado. Mas Russell T. Davies é hábil em construir tramas paralelas que só tangencialmente têm a ver com a doença, como o envolvimento de Roscoe com um político muito mais velho, vivido por Stephen Fry. Um pouco de alívio cômico é necessário em meio a tanta tragédia.

No epicentro de tudo está Ritchie, um verdadeiro tour de force de Olly Alexander. O vocalista do Years and Years (que começou como uma banda, mas hoje é um projeto solo) também tem vasta experiência como ator e aqui ele revela um escopo impressionante indo da superficialidade deslumbrada ao patético.

A nível pessoal, “It’s a Sin” me atingiu em cheio. Nos anos 1980, eu tinha a mesma idade dos personagens: foi a minha geração que precisou lidar com uma ameaça mortal e desconhecida no exato momento em que descobria a sexualidade. Perdi muitos amigos e só não fui alcançado pela Aids por pura sorte.

A série me serviu como uma espécie de catarse, até porque as músicas de fundo, como o hit dos Pet Shop Boys que lhe empresta o nome, também fazem parte da trilha sonora da minha vida.

“It's a Sin” não doura a pílula nem anestesia a dor causada pela Aids. Mas me deixou grato por ter sobrevivido e inspirado pelas pessoas que encararam de frente esse enorme desafio.

Erramos: o texto foi alterado

O autor trocava o nome da série "It's a Sin" por "Years and Years" em alguns parágrafos. O texto foi corrigido.