Tony Goes

Juliana Paes não entendeu que a polarização atual é entre autoritarismo e democracia

Bem-intencionada, mas equivocada, atriz provocou debate saudável na internet

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Tudo começou com o desastrado depoimento de Nise Yamaguchi à CPI da Covid no Senado. A médica, ardente defensora da cloroquina, foi interrompida diversas vezes pelos senadores da comissão. Eles alegam que não queriam deixar Yamaguchi espalhar inverdades, o que é louvável. Só que agem do mesmo jeito até quando lidam com senadoras com quem se alinham politicamente.

Como se o "manterrupting" fosse pouco, Nise Yamaguchi ainda foi alvo de racismo nas redes sociais. Ela tem milhões de defeitos —mentirosa, carreirista, despreparada— mas ter ascendência japonesa certamente não é um deles.

O tratamento dispensado à médica foi alvo de críticas, e os bolsonaristas aproveitaram para acusar a CPI de grosseria e machismo. Curiosamente, eles não reclamaram quando o presidente xingou a jornalista Daniela Lima, da CNN Brasil, de "quadrúpede".

A atriz Juliana Paes, que já foi chamada de bolsominion em outras ocasiões, também saiu em defesa de Yamaguchi. Em seguida, ela foi rebatida pela atriz Samantha Schmutz, que interpretou sua irmã na novela “Totalmente Demais” (Globo). Schmutz não citou nomes e Juliana Paes, em sua tréplica, tampouco o fez, mas ficou claro que elas se referiam uma à outra.

No vídeo de mais de seis minutos que postou no Instagram, Juliana Paes mostrou que compartilha das mesmas angústias e demandas de milhões de brasileiros. Ela defende as causas minoritárias, quer um estado mais eficiente, pede saúde e educação para todos. Também foi calma em suas ponderações, e em nenhum momento resvalou para o desrespeito ou a agressividade.

Como praticamente todo mundo, Juliana Paes está farta da polarização que nos consome. Mas é justamente aí que ela se engana. "Ou você é gado, ou é mortadela", diz a atriz no vídeo, referindo-se a uma suposta divisão da sociedade entra bolsonaristas e petistas. Também afirma que não aprova "os ideais arrogantes de extrema direita nem os delírios comunistas da extrema esquerda".

Delírios comunistas da extrema esquerda? Oi? Lula não é nem nunca foi comunista, por mais que seus adversários apontem para fotos do ex-presidente abraçando Hugo Chávez ou Fidel Castro. Os 14 anos em que o PT esteve no poder tiveram altos e baixos, sem que em momento algum o Brasil corresse o perigo de se tornar uma ditadura comunista.

Mas a extrema direita insiste neste discurso, justamente para atiçar o medo em pessoas como Juliana Paes. A atriz está eivada de boas intenções, mas precisa abrir mais os lindos olhos e enxergar melhor o país ao seu redor.

Felizmente, vários de seus colegas estão dispostos a ajudar. Letícia Sabatella, Ícaro Silva e Bruno Gagliasso postaram respostas firmes, porém carinhosas, às declarações de Juliana Paes. Pode ser que ela mesma não mude de ideia, mas essas publicações ganharam milhares de curtidas e repostagens. Muita gente entrou nesse debate, que, até o momento, se desenrola de maneira saudável.

O que divide o Brasil de hoje não é a esquerda e a direita. É a extrema direita, que não tem nada de democrática, e todo o resto da sociedade. Não existe muro possível nessa questão. Há um grupo pequeno, porém articulado e influente, que quer instalar no Brasil um regime autoritário. A alternativa a isto não é outra ditadura, mas de sinal trocado: é a democracia, onde existem alternância de partidos no poder e respeito ao resultado das eleições.

Juliana Paes parece ser um amor de pessoa. Dá para perceber isso na deferência como outros atores a tratam, mesmo não concordando com ela. Também são adoráveis os milhões de brasileiros que, como ela, só querem um país melhor e mais justo.

Mas falta a muitos deles um pouquinho de clareza para entender de que lado o vento sopra, o que é até perdoável dada a barafunda em que estamos metidos. Um debate tranquilo, que não passe pano para ninguém e mostre quem é, de fato, o inimigo de todos nós, pode ajudar muito.