Quem está com medo são os conservadores, não eu, diz Linn da Quebrada
Cantora estreia como atriz em série da Globo, que já tem outras trans contratadas
No último dia das gravações da série “Segunda Chamada”, em São Paulo, a cantora transgênero Linn da Quebrada conversa com jornalistas sobre sua estreia como atriz de TV. Alguém pergunta como ela se sente no momento polarizador que vivemos.
“Quem está com medo não são os TLGB”, responde ela, alterando a ordem habitual das letras da sigla LGBT. “Nós estamos ocupando espaços. Quem está assustada é uma classe conservadora, que se vê perdendo território. Eu também estaria se estivesse na pele deles”.
De fato, 2019 vem sendo um bom ano para Linn. Ao lado de Jup do Bairro, ela apresenta o talk show “TransMissão” no Canal Brasil, e está prestes a embarcar em uma turnê pela Europa. Também vai atingir um público bem maior do que de costume com “Segunda Chamada”, que estreia na Globo em outubro.
Na série criada por Jo Bilac, Carla Faour e Julia Sapaccini e escrita pelas duas últimas, com direção artística de Joana Jabace, Linn faz Natasha, uma aluna trans que sofre bullying no colégio noturno em que transcorre a ação.
“A Natasha é bem diferente de mim, estamos em momentos distintos das nossas vidas”, acrescenta a cantora. “Mas eu dei muitas sugestões às autoras, que estavam muito abertas, muito porosas”.
Natasha não é a primeira personagem transexual da dramaturgia da Globo, nem Linn, a primeira atriz trans. A atual novela da faixa das 21h, “A Dona do Pedaço”, tem Glamour Garcia como Britney. E a das 19h, “Bom Sucesso”, conta com Gabriella Joie como Michelly. Além disso, Nany People, que encarnou Marcos Paulo em “O Sétimo Guardião”, voltará em breve ao ar, como participante da terceira temporada da competição musical “PopStar”.
As trans não estão apenas em frente às câmeras. O grupo Globo já conta com uma roteirista transgênero: a dramaturga Luh Maza, que, depois de muitos trabalhos no teatro, agora assina vários episódios da quarta temporada de “Sessão de Terapia”, que estreia nesta sexta (30) na plataforma Globoplay.
“Eu fui chamada porque, a princípio, haveria um paciente transexual nessa nova safra”, conta Luh, por telefone. “Esse personagem acabou descartado, mas eu continuei na equipe. Escrevi a trama do Nando (David Jr., o Ramon de “Bom Sucesso”), um homem negro e heterossexual, em conflito interno por causa do sucesso da esposa, uma intelectual”.
Luh é negra e, além das questões de gênero, também é muito interessada na temática racial. No momento, integra a sala de roteiristas de uma outra série, que deve chegar à Globoplay em meados de 2020.
Em sua “live” no Facebook no dia 15 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que suspenderia o edital de chamamento de projetos com temática LGBT para exibição nas TVs públicas. Eram séries e curtas-metragens de baixo orçamento que, muito provavelmente, teriam pouca repercussão.
Enquanto isso, a maior emissora do país está contratando artistas transexuais, que escrevem e interpretam suas próprias histórias, sem depender de financiamento público. Não deixa de ser irônico, não é mesmo?