Tony Goes

'Cine Holliúdy' consegue ser popular sem ser apelativa

Sucesso do novo humorístico é um bom sinal para o futuro da Globo

Ator Edmilson Filho em cena de Cine Holliúdy 2 - A Chibata Cideral - Divulgação
São Paulo

Sinto calafrios toda vez que ouço a expressão “humor popular”. Imagino na hora um desses programas que estão no ar desde o século 16, repleto de bordões preconceituosos contra negros, pobres, gays e mulheres em geral.

Por isto, eu não punha muita fé em “Cine Holliúdy”, a sitcom que estreou na Globo no dia 7 de maio. Confesso que não vi os longas-metragens que inspiraram a série, dois grandes sucessos de bilheteria. Fui assistir ao primeiro episódio por dever do ofício, preparado para detestar.

E não é que eu adorei? O universo criado no cinema pelo diretor e roteirista Halder Gomes recebeu o enxerto de atores e técnicos globais, gerando um híbrido de alta qualidade. Não houve pasteurização do chamado “humor regional”, nem apelo à baixaria.

Na TV, a trama de “Cine Hollyúdi” antecede à do primeiro filme. O conflito básico é idêntico: a chegada da televisão no interior do Nordeste, na década de 1970, ameaça o cinema de uma pequena cidade cearense. O protagonista também é o mesmo: o espevitado Francisgleydisson (Edmilson Filho), um personagem em vias de se tornar um clássico do humor brasileiro.



Vários atores dos filmes, desconhecidos do público da TV, integram o elenco da série, o que traz bastante frescor. Mas também há veteranos de outras produções a Globo, como Heloísa Perissé, Matheus Nachtergaele e Letícia Colin.

Letícia, aliás, está se firmando como a atriz mais versátil de sua geração. Depois de assombrar o espectador ao passar da imperatriz Leopoldina da novela “Novo Mundo” (2017) à prostituta Rosa de “Segundo Sol” (2018), ela agora demonstra um incrível timing cômico no papel de Marilyn, a paulistana transplantada ao sertão por quem Francisgleydisson se apaixona.

Os ótimos roteiros misturam uma certa ingenuidade com toques bem apimentados, inserindo-se em uma tradição que remonta à Commedia dell’Arte, a matriz do humor ocidental. Francisgleydisson é uma variante de Arlequim. E seu intérprete Edmilson Filho honra a tradição do Ceará, que nos deu grandes comediantes como Chico Anysio, Renato Aragão e Tom Cavalcante.

“Cine Hollyúdi” elevou a audiência da Globo no horário, e aponta um caminho interessante para o futuro da emissora. O sucesso do programa mostra que é possível realizar produtos de enorme popular, sem abrir mão do famoso “padrão Globo de qualidade”.

O desafio agora é manter esse nível nas inevitáveis próximas temporadas.