Tony Goes

Por que Regina Duarte quer a volta da ditadura?

Ao clamar pelo fim do STF nas redes sociais, atriz vai contra sua própria carreira

Regina Duarte - Marcus Leoni/ Folhapress

Em 1975, Regina Duarte se cansou do título de “namoradinha do Brasil”, que ostentava havia quase uma década. Deu um tempo nas novelas, onde só lhe davam papéis de mocinhas ingênuas, e foi fazer teatro.

O texto escolhido foi “Réveillon”, de Flávio Márcio. Um espetáculo ousado, sobre uma família que comete suicídio no último dia do ano. Foi um grande sucesso de bilheteria, e Regina mostrou que era uma atriz de muito mais recursos do que a TV costumava mostrar.

Detalhe: Flávio Márcio, como todos os dramaturgos brasileiros daquela época, costumava ter problemas com a censura. Duas de suas peças foram proibidas.

Em 1979, Regina Duarte encarnou o personagem mais emblemático de sua carreira: a protagonista da série “Malu Mulher” (Globo). Uma jornalista divorciada que lidava com problemas até então nunca discutidos na televisão brasileira: sexo fora do casamento, aborto, drogas, homossexualidade.

Os tempos já eram de abertura política, mas a censura, ainda vigente, implicou com vários episódios de “Malu Mulher”. Um deles não chegou a ser exibido.

Em 1985, Regina Duarte assumiu outro papel icônico: a extravagante viúva Porcina, na novela “Roque Santeiro” (Globo). Desbocada e sensual, a personagem permitiu que a atriz revelasse uma inusitada veia cômica.

“Roque Santeiro” deveria ter sido produzida dez anos antes, mas a censura proibiu a novela no dia da estreia. Foi só depois do regime militar que a obra de Dias Gomes, escrita em parceria com Aguinaldo Silva, pôde ser levada ao ar. Foi só com o fim da ditadura que Regina Duarte pôde ser Porcina.

Regina Duarte nunca escondeu suas preferências políticas. Apoiou Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Em uma peça da campanha política de 2002 que se tornou famosa, a atriz disse ter medo de uma eventual ascensão do PT ao poder.

Em 2018, Regina Duarte declarou apoio a Jair Bolsonaro. Chegou a visita-lo em sua casa no Rio de Janeiro, quando o então presidente eleito convalescia do atentado que sofrera em Juiz de Fora (MG) durante a campanha eleitoral.

Nada disso é reprovável, muito pelo contrário. Regina Duarte pode não comungar das mesmas opiniões que muitos de seus colegas na classe artística, mas isto não a deslegitima. O embate de ideias faz parte da democracia, que só funciona quando todos podem se expressar.

Neste domingo (17), no entanto, Regina foi longe demais. A atriz aderiu à campanha “Fora STF”, e publicou vários posts em seu perfil no Instagram com palavras de ordem, convocando a população a ir para as ruas. Uma dessas postagens diz “se acabar o STF acaba a corrupção” (sic).

Como muitos brasileiros, Regina tem todo o direito de se indignar com as decisões da nossa suprema corte. Eu também não vou com a cara de alguns dos ministros. Faz parte do jogo democrático.

Mas pedir o fim do STF é outra coisa. É clamar pela restauração da ditadura. Uma ditadura, aliás, pior do que a que terminou na década de 1980: o regime militar aprontou mil e uma, mas nunca cogitou em acabar com o Supremo.

Sei que a verdadeira indignação de Regina Duarte é com a corrupção e a impunidade. Ela, como todos nós, também está farta de ver os poderosos se safarem com penas mínimas e tapinhas nas costas.

Só que não dá para cair na conversa dos extremistas que tentam implantar um governo autoritário no Brasil. Ao clamar pela extinção do STF, Regina se torna porta-voz desses celerados.

E vai contra sua própria carreira, cujos pontos mais luminosos só existiram por causa da resistência à censura e à ditadura.