'O Sétimo Guardião' não chega a ser ruim, mas é uma novela irrelevante
Na reta final, trama de Aguinaldo Silva ainda não empolga o público
Em 1988, “Vale Tudo” captou perfeitamente o clima vigente no Brasil. O país se preparava para a redemocratização, depois de mais de duas décadas de regime militar, e discutia a honestidade, tanto na esfera privada quanto na pública.
A novela de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva foi pensada para embarcar neste debate, centrada em duas personagens: a honesta Raquel (Regina Duarte) e sua filha pilantra, Maria de Fátima (Glória Pires). O resultado foi um estouro de audiência e um legado duradouro: até hoje, “Vale Tudo” é lembrada como uma obra-prima da teledramaturgia brasileira.
Em 2012, “Avenida Brasil” também se tornou um fenômeno. A trama de João Emanuel Carneiro não trazia nenhuma referência direta à situação política da época, nem era especificamente brasileira –tanto que fez enorme sucesso em todos os países em que foi exibida. Mas a vingança de Nina (Débora Falabella) contra Carminha (Adriana Esteves) atingiu um nervo, e também repercute até hoje.
Gilberto Braga viria a amargar o maior fracasso da faixa das 21h da Globo com “Babilônia” (2015). João Emanuel Carneiro não repetiu o estrondo de “Avenida Brasil” em suas novelas seguintes. Sinal de que não existe fórmula infalível: o êxito de um folhetim tanto pode ser a consequência de um planejamento cuidadoso, como pode cair do céu. O fracasso também.
Vejamos o caso de “O Sétimo Guardião”. Aguinaldo Silva quis prestar uma homenagem a si mesmo, reunindo elementos de suas novelas anteriores e voltando ao realismo fantástico, um gênero que causa impacto na TV brasileira desde, pelo menos, “Saramandaia”, de Dias Gomes (1976).
Mas “O Sétimo Guardião” parece ter sido amaldiçoada. Assim que foi anunciada, dois anos atrás, um ex-aluno das oficinas de dramaturgia de Aguinaldo Silva entrou na Justiça, reclamando direitos autorais e remuneração. Segundo ele, a sinopse e o primeiro capítulo da novela teriam sido desenvolvidos em sala de aula, com a participação da classe inteira.
Assustada, a Globo cancelou a produção, que foi retomada depois que algumas arestas legais foram aparadas. Aí surgiram outros problemas: desentendimentos entre o elenco por causa de atrasos, um suposto caso extraconjugal entre dois atores que agitou as redes sociais, a doença do protagonista e até mesmo a morte de um jovem figurante.
Tanto reboliço garantiu que “O Sétimo Guardião” não saísse das manchetes. Mas pelas razões erradas: no que realmente interessa, o engajamento do público, a novela é uma decepção. Uma festa suntuosa, onde só faltam os convidados.
Não que seja ruim. O texto é afiado, com bons diálogos. O elenco está quase todo muito bem –meu destaque vai para Nany People, que, em sua primeira novela, duela de igual para igual com gigantes como Tony Ramos ou Lília Cabral. Fotografia, direção, acabamento, tudo tem com o padrão Globo de qualidade.
Então, o que foi que deu errado? Talvez o tema central: a fonte da juventude. Um assunto não exatamente original, mas de apelo universal. Afinal, quem é que não gostaria de ficar mais jovem?
E, no entanto, o drama em torno das águas milagrosas de Serro Azul está passando batido. Pode ser que a cidade seja um microcosmo por demais isolado da realidade para refletir o mundo aqui fora: a internet e mesmo a telefonia só chegaram lá agora, com algumas décadas de atraso.
Em outras palavras: “O Sétimo Guardião” não dialoga com o espectador. Não exprime nenhum anseio contemporâneo, nem traduz para seus personagens os dilemas que vivemos em 2019. É bonita de se ver, mas gira em falso.
Talvez tivesse rendido uma ótima minissérie, como já disseram alguns críticos. Como carro-chefe da principal emissora do país, não chega a ser um fiasco, mas também carece de brilho. Não tem a menor relevância, e será esquecida assim que sair do ar.