Último 'Programa do Jô' foi melancólico, engraçado e emocionante
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O apresentador americano David Letterman encerrou seu talk show em maio de 2015, aos 68 anos de idade. Para seu grande rival Jay Leno, a aposentadoria veio ainda mais cedo, aos 64.
Ao longo de seu último ano no ar, em nenhum momento Letterman falou que aquela era sua última temporada na rede CBS. Leno, cujo programa era transmitido pela NBC, fez parecido. Aquela era a última temporada, ponto.
O fato de Jô Soares ter repetido a cada bloco de cada episódio de seu programa em 2016 que aquela era sua última temporada na Globo deixou claríssimo que o fim de seu talk show não estava em seus planos.
Intervieram a concorrência, a crise e o próprio tempo. Jô não era mais o líder absoluto do fim da noite. Perdia com frequência para garotos que podiam ser seus netos, como Danilo Gentilli (SBT) ou Fábio Porchat (Record).
Os cortes no orçamento de seu programa transformaram seu sexteto em quarteto e comeram-lhe o terceiro bloco. Para piorar, sua saúde frágil volta e meia o despachava para o estaleiro.
Nos Estados Unidos, uma conjuntura parecida nem teria acontecido. Os implacáveis executivos de lá teriam ceifado a atração há muito tempo. Mas aqui somos uns sentimentais: dizemos que um artista morre se parar de trabalhar, como se ele não fosse morrer de qualquer jeito.
O último ano do Programa do Jô, por mais que tenha recebido convidados raros como Fausto Silva ou Roberto Carlos, exalou um indisfarçável perfume de melancolia. E seu último episódio foi mesmo de arrancar lágrimas.
Diante de uma plateia cheia de VIPs, como Nizan Guanaes, Serginho Groisman e o próprio diretor-geral da Globo, Carlos Henrique Schroder, Jô surgiu reluzente num terno branco com listinhas e gravata cor de rosa. Já estava com os olhos vermelhos, e se engasgou diversas vezes durante as diversas homenagens que fez em seu monólogo de abertura.
Ziraldo, o último convidado, foi simbólico por ter ido ao programa em cada um de seus 28 anos de existência, e também por ter profetizado o fracasso de cada projeto bem-sucedido de Jô. Sua derradeira entrevista foi algo irregular: conseguiu até mesmo a proeza de falar mais que seu anfitrião.
Mas os momentos de cumplicidade entre os dois foram de emoção genuína. É neste quesito, aliás, que Jô vai fazer mais falta: nenhum de seus jovens sucessores têm tanta quilometragem, tantas histórias em comum com os convidados, tanto traquejo, tanta capacidade de se tornar íntimo de quem acabou de conhecer.
Durante quase três décadas, o talk show de Jô - que se chamou Jô Soares Onze e Meia durante seus 12 primeiros anos, no SBT - foi um oásis na TV brasileira. O único lugar onde podia se ver um número do Crazy Horse de Paris, uma entrevista histórica com Luís Carlos Prestes ou um papo em francês com Roman Polanski.
Jô pode ter tido mil defeitos, mas suas qualidades foram maiores, Sofisticado, inteligente, bem-humorado, engraçado, capaz de conversar com qualquer um. Fábio Porchat - que, por acaso ou não, apareceu pela primeira vez na TV na plateia do Programa do Jô - talvez um dia chegue lá. Não deixa de ser irônico que hoje ele esteja na maior rival da Globo.
O último programa do Jô (na Globo!) também teve vinhetas dos melhores momentos (que deveriam ter sido exibidas ao longo do ano todo), estocadas em Boni e a plateia aplaudindo de pé. Mas Jô fez questão de não fazer uma grande despedida. Terminou da melhor maneira possível, dizendo daqui a pouco a gente volta.