Rosana Hermann
Descrição de chapéu Todas

O Brasil em estado de barril

Diante de tantas pessoas cultuando gente sem nenhum conteúdo relevante, faz sentido associar a volta de 'Chaves' à TV com a situação da população do nosso país

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Roberto Gómez Bolaños como Chaves - Divulgação/SBT

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São Paulo

O SBT vai voltar a exibir "Chaves" e "Chapolin". É isso mesmo, o seriado mexicano de televisão "criado, roteirizado, dirigido e estrelado por Roberto Bolaños" (como diz a Wikipedia) deve voltar a ser exibido. É realmente um fenômeno.

A sitcom "El Chavo del Ocho", ingênua e carismática e ambientada numa vila, estreou no México em 1972 e tem impactado muitas gerações ao longo de meio século. No Brasil, a série começou a ser exibida há 40 anos, em 1984, e tem fãs de todas as idades.

Não sei se o SBT quer homenagear os fãs, atender a um pedido deixado por Silvio Santos ou se a emissora não teve outra ideia para preencher a grade, só sei que o acordo com a Televisa foi fechado.

Mas o que chama a atenção não é o SBT em específico, mas o Brasil inteiro, que parece estar preso ao passado.

Assim como a onda de remakes do cinema mundial ("Duna", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "Karate Kid", "Nasce uma Estrela" e "Caça Fantasmas"), a TV brasileira tem refeito muitas novelas antigas com novos elencos, como "Pantanal", de Benedito Ruy Barbosa, atualizada por seu neto Bruno Luperi, e "Elas por Elas", de Cassiano Gabus Mendes, que foi refeita quatro décadas depois sob direção de Amora Mautner. E tem mais: em 2025, a Globo também deve exibir um remake de "Vale Tudo", de Gilberto Braga (1945-2021), atualizado por Manuela Dias.

Claro que grandes clássicos merecem várias versões, não há nada de errado nisso. Mas as emissoras de TV ficaram no passado de uma forma geral. Os programas de entrevistas como talk shows chegaram ao Brasil nos anos 1980; os programas de auditório existem desde os anos 1950. Ou seja, há 70 anos, assim como os telejornais ao vivo. O formato de "bancada", foi consolidado pelo Jornal Nacional, no ar desde 1969. Tudo é antigo. Até a grande novidade da televisão, o formato de reality show, já tem mais de 20 anos.

Existem muitas explicações possíveis para essa nostalgia. As pessoas têm memória afetiva, gostam de lembrar da infância, são apegadas à sua história. Mas há também outras possibilidades. Diante de um presente permeado de conflitos, guerras e polarização política e de um futuro pleno de incertezas para a humanidade e para o planeta, ampliadas por ameaças tecnológicas como a Inteligência Artificial Geral, voltar para o passado pode servir de refúgio emocional.

Mas pode ser também devido a uma crise criativa. A internet, apesar de gerar memes e coisas maravilhosas, costuma ser um grande remix, o famoso "mais do mesmo". Faltam coisas novas, ideias boas, formatos originais. E falta quem queira coisas novas, boas e originais.

Não acho que estamos na iminência de um apocalipse zumbi, mas diante de tanta gente torcendo pela briga, de milhões de seguidores cultuando gente sem nenhum conteúdo relevante, de uma geração inteira mergulhada num mar de distrações vazias, faria sentido associar a volta de Chaves com a situação da população do nosso país.

Pois, considerando que as pessoas de mais baixa renda estão endividadas até o pescoço devido a bets e joguinhos, enquanto influenciadores suspeitos ganham milhões por mês, o diagnóstico é claro: o Brasil entrou em estado de barril. E deve ter sido sem querer, querendo.