Rosana Hermann

Xuxa e Marlene Mattos brigavam o tempo todo

Colunista relembra como foi ser roteirista de atração comandada pela apresentadora

Xuxa e Marlene Mattos se reencontram depois de 19 anos de rompimento - Blad Meneghel/Divulgação

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Na quinta-feira (13), a Globoplay lança "Xuxa, O Documentário", com cinco episódios e direção-geral de Pedro Bial. Para o espectador, a série conta toda a trajetória de Xuxa, seus 60 anos de idade e 40 anos de carreira. Para Xuxa, parece ter sido também uma oportunidade de revisar sua história, encerrar ciclos e reconfigurar toda a visão de sua jornada pessoal aos olhos da mulher madura que se tornou hoje.

Grande parte desse longo caminho já é bem conhecido do público, tanto pelo que a própria Xuxa já revelou sobre suas dores e amores quanto pela mídia, que passou décadas cobrindo cada um dos detalhes que a estrela viveu. Mas o doc promete não apenas atualizar alguns fatos marcantes.

Uma delas é a história de Marcelo Ribeiro, o "menino do filme", como ela diz, o ator mirim com quem Xuxa contracenou numa polêmica cena erótica do filme "Amor Estranho Amor" em 1982. E, claro, há também o mais esperado dos momentos: o reencontro com Marlene Mattos depois de 19 anos de separação.

Eu também estou curiosa para ver como esse momento foi mostrado, dirigido, captado, editado. Primeiro porque não é exatamente um flagrante espontâneo, evidentemente. Xuxa está sentada num auditório, tem a luz toda pronta, ela está vestida e maquiada, Pedro Bial está em cena e, então, Marlene entra por uma porta e senta-se perto dela, na posição determinada.

Lembremos sempre que, mesmo sendo chamado de documentário, tem toda uma produção artística, decisões, cenas refeitas. Acredito que o diálogo em si seja mesmo real e autêntico, mas certamente houve toda uma conversa com ambas as partes. De qualquer forma, acredito em Xuxa quando ela diz que não se trata de um documentário de celebração e, sim, de revisão de tudo. E, segundo, estou interessada em assistir ao documentário porque vivi uma parte dessa história de perto.

Eu vi essa Xuxa nascer. Em 1983, quando entrei para trabalhar na televisão pelas mãos de Mauricio Sherman, na Band, eu era a jovem roteirista do "Essas Mulheres Maravilhosas", programa ao vivo apresentado pelo veterano J. Silvestre.

Marlene Mattos era a secretária de produção, braço direito de Sherman. Xuxa, que era então conhecida como modelo e namorada de Pelé, foi convidada para participar do programa e aceitou. Sherman ficou encantado com ela e, imediatamente decidiu contratá-la, porque via nela o tal "star quality", qualidade de estrela, que também chamamos de carisma. Isso além da beleza da jovem de 20 anos.

Pouco tempo depois, Sherman sairia da Band para ser diretor na recém-criada TV Manchete no Rio de Janeiro. Decidiu que Xuxa apresentaria um programa infantil e que Marlene Mattos cuidaria de tudo para ela. E assim foi. O sucesso foi meteórico.

Anos depois, no começo dos anos 90, Marlene me chamou para escrever para Xuxa. Sempre me dei bem com Marlene, embora não tivesse nenhuma intimidade com Xuxa. Aceitei e passei a trabalhar na Globo no Rio de Janeiro. Foi bem difícil.

Marlene me "apresentou" para Xuxa de uma forma bizarra. Disse, na minha cara e na cara da Xuxa que "estava contratando uma roteirista inteligente" para fazer os textos dela. Xuxa ficou irritada e disse que "não precisava de ninguém para colocar palavras em sua boca". Imagine a minha situação ali. Fiquei quieta e continuei fazendo meu trabalho, sabendo que aquilo não ia dar muito certo.

Xuxa passou a implicar com tudo o que eu escrevia. Lembro de um dia em específico quando escrevi na abertura do roteiro o termo "descolado", gíria da época para coisas legal, cool, bacana. Xuxa começou a ler o texto e, ao encontrar a palavra, parou a gravação. E falou alto, para todos, algo como: "Descolado? O que quer dizer isso? Tinha alguma coisa colada para descolar? Eu não vou falar essa palavra". Quis morrer um pouco de vergonha, mas continuei firme. Sabia que o motivo era outro.

Marlene e Xuxa brigavam o tempo todo. Vi Marlene gritar com Xuxa, vi Xuxa batendo o pé e dizendo que não ia gravar. No final de 1993, junto com Charles Peixoto, escrevi o roteiro do Especial de Natal da Xuxa, "Presentes Mágicos", uma adaptação de um texto de Leila Dourado. Eu adorava as pessoas da produção, com pessoas incríveis, como a Vivian Perl.

No começo do ano seguinte, fiquei grávida de minha filha. Enquanto minha barriga crescia, as coisas pioravam entre elas. Aproveitei a licença maternidade para sair. Fiz outros trabalhos para Xuxa e Marlene ainda nos anos 90, mas fiquei com aquele sentimento ruim de que Xuxa me odiava e, talvez por isso, nutri também um sentimento não muito bom em relação a ela. Até porque eu havia lido algumas vezes na mídia indiretas dela para mim.

Até que, em 2016, quando eu coapresentava o programa de viagens Porta Afora, com Fabio Porchat, Xuxa foi convidada para um episódio sobre compras. Fiquei apreensiva, temendo um clima ruim, mas nada disso aconteceu.

Foi um reencontro intenso. Ela me abraçou, ficou tudo bem, foi realmente lindo acompanhar duas mulheres maduras revendo o passado com amor e sabedoria. Espero que o reencontro de Marlene e Xuxa seja assim também. Porque o rancor faz tanto mal para quem é objeto da mágoa, como para quem sente. Vivamos em paz. Um beijo, Xuxa!