Meu passado me condena e o seu também
Sexo, amor e responsabilidade emocional ficam melhor com o tempo
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Sinto muito pelos corações que parti
"Ninguém entra duas vezes no mesmo rio, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras". A frase de Heráclito me lembra demais o conceito budista de impermanência, que prega a necessidade de compreensão de que tudo é transitório, inconstante e tende a acabar. Mais ou menos como Lulu Santos cantou: "tudo muda o tempo todo no mundo", ou aquela piada velha em que tudo é passageiro, inclusive o cobrador e o motorista.
Já dei falsas esperanças para o krush apaixonado, sem a menor possibilidade de relacionamento, só porque o sexo era gostoso; traí porque uma oportunidade apareceu; até manipulei emocionalmente uma pessoa que não merecia. Duvido que você, caro leitor, não tenha tido irresponsabilidade afetiva com algum krush. E para cada filhadaputagem a gente criou uma desculpa de peidorreiro diferente.
Se a mudança é inevitável e constante, e se "não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos", como disse Anais Nin, é natural olhar para o que fizemos e enxergar novas perspectivas e, inclusive, nos surpreender com nossos próprios erros que antes não enxergávamos.
"O passado está sempre mudando, porque o passado depende do olhar que o presente lança sobre ele". Eduardo Bueno, meu querido Peninha, com quem fiz algumas coisas para o History Channel, falava isso em relação à história no seu canal Buenas Ideias, mas a frase cai como uma luva para gente também.
Quando o Daniel era surfista e tinha um cabelão, um fruto ainda não maduro, que flutuava na superfície da água carregado pelas marés, conheceu uma namoradinha com quem teve um affair, e cujo desfecho foi o coraçãozinho da moça a ver navios. Ele não demonstrava direito afeto e se fazia de durão, aquela cagada hereditária que passa de pai para filho. Um clássico do hétero topzera, que homens (e mulheres) mais desconstruídos e sensíveis hoje em dia rompem a duras penas na criação dos seus meninos.
Segundo Mario de Andrade, "o passado é lição para se meditar, não para reproduzir". Meu amigo poderia ter ficado a vida toda, confortavelmente, sendo justamente esse cara que se retroalimenta de sua própria toxidade, porém ele quebrou o ciclo. O lance é tentar aprender com os erros, mas não ficar remoendo, estagnado, e sim transformar a cagada em aprendizado, em novas ferramentas, para ser mais feliz.
Sempre brinco que culpa é que nem roupa bege, não fica bem em mim, rs. Então peço desculpas para todo mundo que machuquei, de forma consciente ou não, porque tem a cagada dolosa e a cagada culposa, quando não se tem a intenção de cagar. E quero também um perdão meu. Sim, porque é ruim a gente entrar numa onda de autoflagelo, se martirizando.
Belchior cantou que "no presente a mente, o corpo é diferente. E o passado é uma roupa que não serve mais". Sim, mas casos como o do meu amigo podem ser uma roupa reciclada, que irá se tornar uma peça nova. E, quem diria, depois de casamentos, filhos e inúmeras mudanças de vida, os dois se reencontraram mais de 20 anos depois. Ele ainda gato, mesmo meio calvo, ela muito mais interessante do que antes.
Como ele é meu amigo, tava torcendo pelo encontro, pela possibilidade de uma nova relação, e tive o privilégio de ouvir detalhes. Ele pediu desculpas pela irresponsabilidade afetiva, foram décadas de amadurecimento, de conexão com suas próprias emoções, para enxergar seus erros e se transformar. Lembra que eu falei que ele se fazia de durão e não demonstrava afeto? Então, ela ficou surpresa quando Daniel disse que, para ele, aquele affair dos dois tinha sido um namoro, pois ele não transparecia isso, mas ainda assim ela tinha um olhar amoroso sobre o affair.
Os dois ficaram e se amaram loucamente, vulgo: transaram horrores, segundo ele, melhor agora do que antes. Não duvido de terem se conectado melhor mesmo, inclusive no sexo, porque é muito comum a mulher ir perdendo a vergonha com o tempo, ir aceitando o próprio corpo e ir se soltando mais, enquanto os homens vão aprendendo a ler melhor o corpo da mulher, perdendo a ansiedade que pode gerar ejaculação precoce, ou só uma pressa pelo orgasmo, sem saberem que o gostoso não é só o destino, mas a viagem em si.
No caso dele ainda tem a desconstrução da própria masculinidade, que faz com que as emoções sejam vividas de forma mais solta, sabe? Isso gera um alargamento do afeto, a possibilidade de conexão não só de rabo, mas de coração também. E sexo apaixonado é sempre melhor, né? Ainda não vi as cenas dos próximos capítulos, o cliffhanger do que vai acontecer, mas a Phoda Madrinha está torcendo pelo encontro de cabeça, coração e rabo dos dois. Pelo visto, coração e rabo já rolou, agora só falta a cabeça, rs.
Shakespeare escreveu que o passado é um prólogo, e a Phoda Madrinha quer que você olhe para ele exatamente assim, como o começo para uma versão melhor de si e, consequentemente, da forma que age com o krush e com o mundo.