Hoje é dia de pedir mais respeito às mães transantes
Phoda Madrinha adverte: não dê utensílios domésticos nem seja empata-phoda de mãe
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As pessoas têm dificuldade em ver a mãe como um ser transante. Não sei se a mágica de gerar uma vida remeta à Nossa Senhora e todas as divindades femininas que vieram antes dela, mas o povo esquece que a mãe transou, a avó transou e até aquela bisavó beata do interior deu em algum momento da vida.
Mamãe nunca me deixou esquecer. Quando conheci um dos seus namorados, um jangadeiro de Porto de Galinhas (PE), onde ela morou por duas décadas, não entendia nada do que ele falava, não pelo sotaque, que conheço e amo, mas pelos grunhidos mais para dentro que para fora. "Preciso de legenda. Como você consegue conversar?" brinquei, e eis que ela responde com cara safada: "quem disse que eu converso com ele? Para isso eu tenho as amigas". Vráááá!
Nos primeiros meses que minhas melhores amigas tiveram filhos temi que virassem Virgem Maria, sabia? Primeiro porque no começo ou a pessoa tá recém-operada, com pontos e todo o desconforto de uma cirurgia, no caso das que fizeram cesárea, ou apreensivas com o uso da perereca que se recupera de ter passado um ser humano. Depois porque por um tempo, que pode durar muitos meses, a mulher não quer ouvir falar de krush nem se pintado de ouro. Depois o fogo no rabo volta, claro.
Lembrei de uma amiga maravilhosa que transou no hospital pouquinho depois de parir. Sim, tudo é possível com a tsunami de hormônios, né?
A natureza, essa monstra maravilhosa, lembra a gente durante quase toda existência de que somos reles mamíferos todo mês, sangrando no uniforme da escola, na festa, no aeroporto, atravessando a roupa de cama e manchando o colchão de todos os namorados. Isso quando ela não te faz criar de porra nenhuma outro ser humano (só precisa de um tiquinho).
Fora que contraria todos os métodos anticoncepcionais. Eu sou filha de tabelinha, uma irmã veio daquele famoso DIU de cobre (amo DIU, mas os dos anos 80 eram meio cagados), outra de pílula... A mãe da minha melhor amiga engravidou nas coxas ainda virgem —juro que isso não é lenda urbana, nem roteiro bíblico. Não quero te assustar, mas nenhum, repito, nenhum método anticoncepcional é 100% seguro.
Na adolescência, a gente entra numa gangorra hormonal que balança as nossas emoções entre "credo" e "que delícia", fazendo a gente se transformar de Madre Teresa a Anitta no período fértil, e a Carminha na TPM. Tenho 48 anos, menstruo desde os 12 e ainda choro com novela que não acompanhei nenhum episódio e até propaganda, pasmem. Mas tem vezes que só quero ver sangue, meu ou dos outros. De preferência dos outros.
Minha irmã Julia me contando do parto humanizado dela foi um dos "causos" mais emocionantes que já ouvi na vida. Ó que cresci em Minas, terra dos "causos", e passei a vida como executiva de TV recebendo histórias para virarem séries e documentários. O nascimento da minha sobrinha Olivetchy e da minha afilhada Clarice, filha da Dani, transformaram as mães em seres selvagens, que garantem lindamente a sobrevivência da cria. Incrível ver de perto a transformação delas, das vidas delas, da maneira que vêm o mundo, tudo.
Meu sonho de criança e adolescente era ter uma daquelas mães que não tinham ressaca, mau humor, nem berravam e eram uma fonte constante e inesgotável de amor. Por ser totalmente transparente, o médico e o monstro da mamãe eram a única constância que ela tinha para me dar. Já reparou que quando a gente está perto demais perde o foco? Eu não enxergava a pensão atrasada, a ausência do papai, os perrengues de ser mulher empreendedora no Brasil da ditadura, as mil crises econômicas, inclusive o confisco do Collor, que levou tudo que ela custou a construir em anos de luta. E só muito recentemente vi que ela era uma das precursoras das mães transantes que abriram caminho nos anos 70, na onda hippie do amor livre e dos primeiros sinais do feminismo nos trópicos, que hoje permite que todas as amigas sejam mães transantes, ou seja, que não percam a permissão de serem mulheres ao se tornarem mães.
No meio do ano passado, mamãe foi diagnosticada com câncer de mama. Fez uma quimioterapia braba, daquelas que levam os cabelos, pelos, sobrancelhas e parecem levar a saúde junto. Ela, minha tia, minha irmã e eu, embarcamos num turbilhão emocional que incluía viagens para BH, ainda com a pandemia bombando, passagens nas alturas, muito amor e algum medo.
Passados os meses de quimio, que pareciam eternos, veio a cirurgia. Mamãe fuma que nem a Catifunda com o Tapa na Pantera e bebe mais que Chevette velho. Ah, pronto... pensamos: lá vem a conta de todos aqueles anos de sexo, drogas e rock and roll. Fomos obrigadas a olhar para a finitude. E agora se essa praga morrer? Não sei como é a vida sem ela e não quero saber. Mesmo. Universo, deusas, Nossa Senhora, Nanã, Shiva, eu sei que eu quis muito trocar de mãe, desculpa, mas agora eu quero essa, tá? Sim, desse jeito mesmo. Sim, até urrando.
"Se me der utensílio doméstico eu mato!", mamãe gritava a plenos pulmões nos anos 80. E ainda resmungava entre dentes nos restaurantes lotados em Dia das Mães: "tá lotado porque ninguém quis cozinhar para essas mulheres, coitadas". Pois nem o câncer pôde com a danada. Ainda fazendo radioterapia, com o colo normalmente moreno parecendo pele de crista de galo de tão queimado, uma penugem grisalha cobrindo a cabeça na promessa de vida, ela que driblou a morte ontem e já paquera hoje, acredita? E fuma, bebe, ri, chora...
A Phoda Madrinha torce para que você não seja empata-phoda da sua mãe, nem das que te cercam, que respeite a mulher que ela é, sempre foi e será mesmo quando os hormônios diminuírem a brasa do fogo no rabo. Aliás, nesse ano mamãe vai ganhar um vibrador.
PS: Ri e chorei escrevendo esse texto igualzinha a mamãe com seus "ups and downs" diários. Que bom que o fruto não cai longe da árvore...