Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo casamento

O problema do peru comprido

Queria ter autoestima do homem hétero branco pauzudo com a força da mulher negra

Imagens do Levante, uma parceria do Solar dos Abacaxis e do Instituto Marielle Franco - Renata Felinto

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Um homem encharcado, pingando de chuva e talvez suor, já que tinha pedalado até a porta do apartamento, tira do bolso do casaco um picolé (você leu certo, caro leitor, um picolé) e diz sorridente "trouxe pra você". Era a segunda vez que minha amiga tinha visto o cara na vida. Se conheceram num app de paquera e no primeiro date ele tinha explicado que não tinha dinheiro pra drink, mas cerveja rolava. Corta pra esse segundo date, ela sem saber se oferecia uma toalha ou um banho pro sujeito.

"Quem dá aos pobres agrada a Deus". Não que ela acreditasse piamente em Deus, mas como tantas de nós, não teria problemas em usar essa frase, pagar o motel, e de quebra se sentir uma Joana D'arc, com a consciência de classe latejando entre as pernas.

Ela contava o caso e a gente ria da situação. Amar é um ato de coragem, mas ninguém conta que transar também é. Mulher tem medo de andar na rua sozinha à noite, lembra? Imagina chamar alguém pra sua casa. Entre o medo e o desejo, quando o desejo ganha Freud fica ouriçado, e a gente torce pra ter boas histórias pra contar e não herpes.

"Já tinha tirado o carro da garagem", foi o termo que ela usou, mas poderia ter sido "já bati a gilete no azulejo", ou qualquer dessas frases maravilhosas que explicam que o fogo no rabo tava aceso e pronto pra te consumir.

Essa amiga e eu adoraríamos ter nascido com a autoestima média de um homem hétero, branco, pauzudo. O Datafolha não fez essa pesquisa, mas entre as minhas amigas é unânime que a autoestima está diretamente ligada ao tamanho do membro. Quanto maior, mais alta ela fica. Infelizmente a chance do cara ser incrível é inversamente proporcional.

Tive um colega nos meus tempos de diretora de conteúdo do History Channel que era muito feio, mas ele sempre achava que todas as mulheres estavam a fim dele. Se sorrisse ou só fizesse uma cara boa no meio de uma reunião ele já mudava a expressão para o "How you doin'?" que nem o Joey do "Friends". Com tamanha autoestima, calhou de pegar uma desavisada de um outro time, uma menina fofa, linda. A bichinha amou o que viu entre as pernas do tal feioso, ficou toda interessada, quis mais, mas o besta partiu para a seguinte sem olhar pra trás. Tsc, tsc, ah, essas relações líquidas não sabem a delícia do repeteco, e que só com vários deles a gente consegue a famigerada conexão cabeça, coração e rabo.

Um dia minha irmã Alice foi almoçar com a gente e, na volta, assim que ela se despediu, ele foi categórico: me quer. Pois baixou a vingadora em mim, coisa rara, juro. Na mesma tarde minha irmã ligou. Como estava ao lado do feioso e com outras pessoas em volta, atendi no viva-voz. Falamos brevemente e perguntei: o que achou do fulano, Alice? Ela: quem? Rimos muito e minha irmã confirmou que nem tinha reparado no cara.

O tamanho do peru médio do brasileiro é 13 cm em estado sólido, mas tem uns com 10 cm a mais só de ilusão. Mulher é um bicho fofo, né? Poucas vão olhar pro peru pela primeira vez e dizer "isso é tudo que você tem pra me oferecer?", "cadê o resto?", "aff, essa mixaria não vale o que gastei de maquiagem". Um sujeito de peru médio e meio feio disse: "todo mundo elogia", "tenho que comprar camisinha tamanho XL". Entre rir ou seguir o baile, a maioria vai pensar "já bati a gilette no azulejo..." e fingir que o pau é tronco.

A gente sempre fala que tamanho não é documento. E não é mesmo. Quem liga pra isso é homem. Aliás, em outra coluna a gente fala da fixação com beleza e tamanho no mundo gay. Meu segundo marido era um anjinho barroco, mas era orgasmo garantido ou seu dinheiro de volta. Atenção que não estou falando de frequência aqui. Uma amiga contou que o melhor sexo da vida dela foi com um cara que sólido era menor que um dedão "em comprimento e espessura", explicou. Detalhe: alguns psicanalistas defendem, que a arma, que por si só já é um objeto de formato fálico, é usada para compensar o tamanho do membro masculino.

Também confesso que quando tive um upgrade de tamanho quando transei com o terceiro (e último) marido, deu uma preenchida em algo. Não no buraco existencial da alma, aquele que geralmente aparece na adolescência e uns anos depois passa. O meu buraco, não o cu, o da alma mesmo, passou com uns 30 e poucos. Não foi com o peru do "conje", mas a certeza de ser amado é o que há, né? Seja por amigo, família ou krush, sei que dele em diante não rolou nem uma titubeadinha.

Voltando pra amiga e o krush do picolé no bolso. Em outra coluna contei que eu sou trouxa, né? Então, sou dessas que teria dó de acordar o cara, mas para a amiga que pegou o pauzudo quebrado, por ela já ser hábil na solteirice e transarina, dispensar o sujeito depois do orgasmo era sine quoi non. Sexo é bom, afeto é lindo, mas pra quem tem que acordar cedo e trabalhar no dia seguinte... Com 20 a gente passa a noite em claro, com 30 parece ressaca, mas com quase 50 parece que você correu uma maratona, virou zumbi e depois sofreu um atropelamento; com 60 vai ser falência múltipla dos órgãos na certa.

De outro bolso da jaqueta encharcada o cara tirou uma escova de dentes, sinal que tinha certeza que ia dormir lá. Ela e eu ficamos pensando quantos caras tipo aquele moram no Tinder. De date em date, de cama em cama. Jantando as mulheres e o que quer que elas tenham na geladeira, ou ofereçam por carendade (carência com caridade); e esses são os que normalmente ainda estão morando num quartinho qualquer na casa da mãe, ou com amigos depois do desmame. "Vim de bicicleta do Itaú" ele choramingou, entre explicações sobre não ter o app uber ou cartão de crédito (com crédito), ou aquelas mil desculpas que só homem hétero cis branco daria.

Você imagina uma mulher na situação desses moradores de Tinder? Raro, né? E uma mulher negra ou não-branca? Mais ainda porque a gente não tem outra opção. Nós temos que ser o refúgio de nós mesmas. Seguramos a nossa própria onda, a dos filhos, da família, e ainda temos força suficiente pra acolher vez ou outra uns Tinderelas da vida. Somos muitas e somos foda. Inclusive como minha amiga, que chamou o uber do próprio celular, cheia de confiança por ser uma mulher independente, dona do seu nariz (e desejo), e pode dormir sossegada

A Phoda Madrinha espera que você tenha a autoestima do pauzudo, mas performe como o do peru-dedão, e que lute como uma mulher. Por falar em mulher forte e foda, fico feliz e honrada que as imagens que ilustram essa coluna hoje são do Levante, uma parceria do Solar dos Abacaxis e do Instituto Marielle Franco, e estão na SP Arte esse fim de semana.