Morte de Miguel precisa de uma Justiça mais ampla: a justiça social
Uma mãe perde o direito de embalar seu filho e todas choramos juntas
Nesta quarentena, mesmo com todo o tumulto do trabalho em casa e da escola online, eu tento “embalar” minhas filhas na hora de dormir. Embalar tem aspas porque não tenho mais bebês que posso balançar no colo.
São duas menininhas, uma de 7 anos e outra de 13, que ainda dividem comigo, quando conseguimos, esses minutos antes de dormir. Eu leio uma história ou parte de algum livro interessante, e coloco algumas canções. Penso em quando eram pequenas, no quanto já cresceram e que filhos aquecem nossos corações.
Esse ritual é o que mais me toca quando penso que Mirtes, doméstica de Recife (PE), nunca mais poderá embalar seu filho. Miguel, um garotinho de 5 anos, morreu no dia 2 de junho, ao cair do nono andar de um prédio em um dos edifícios mais nobres da capital pernambucana. Mirtes havia saído para passear com os cachorros da patroa, Sarí Gaspar Corte Real, primeira-dama de Tamandaré, cidade que abriga a paradisíaca Praia de Carneiros.
Miguel foi vítima de um crime, definido pela Polícia Civil como homicídio culposo, quando não há intenção de matar, mas que pode, segundo a OAB pernambucana, ser doloso, quando há culpa. A criança caiu quando estava aos cuidados da patroa de Mirtes. Sarí chegou a ver Miguel entrar no elevador, não o impediu e ainda apertou o botão. O resultado foi o acidente, que culminou com a morte.
O nome dela havia sido escondido e só saiu nos jornais após a mãe denunciar o ocorrido. Miguel não foi vítima de um descuido, foi vítima de uma sociedade que está doente, representada hoje por uma elite que trouxe herança da escravidão, principalmente no Nordeste, e tem se mostrado racista, egoísta e, infelizmente, antidemocrática.
A mãe de Miguel deveria estar em casa em meio à pandemia de coronavírus. Após a morte do garoto, ocorreram protestos em Recife. Na internet, há a hashtag #JustiçaPorMiguel. Muitos pedem a prisão de Sarí. O problema não está unicamente com ela.
Seria maravilhoso se, após ser punida, a sociedade mudasse. Mas quantas pessoas assim conhecemos? Eu tenho parentes, colegas e vizinhas. É preciso mudar a estrutura social. Quando uma mãe perde um filho, todas nós perdemos. Difícil escrever esta coluna.