Cinema e Séries
Descrição de chapéu Filmes

Diretor de 'Glass Onion' diz que cinema e Netflix podem coexistir: 'Complementares'

Rian Johnson comenta romance de Benoit Blanc e ideias para 3º filme da franquia 'Knives Out'

Da esq., Kate Hudson, Jessica Henwick, Daniel Craig e Leslie Odom Jr. em 'Glass Onion' - John Wilson/Netflix

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Kyle Buchanan

Um bom mistério cinematográfico muitas vezes inclui o desaparecimento de algo valioso. Mas o que acontece quando é o filme em si que desaparece?

Considere o curioso caso de "Glass Onion: Um Mistério Knives Out", a muito aguardada continuação do sucesso "Entre Facas e Segredos", do diretor Rian Johnson. O dinâmico caso de homicídio –estrelado, como seu predecessor, por Daniel Craig no papel do investigador particular Benoit Blanc– foi lançado em 600 salas de cinema dos Estados Unidos na véspera do Dia de Ação de Graças, atraiu multidões de espectadores durante a semana que ficou em cartaz, e depois desapareceu. Mas enfim surgiu o bilhete de resgate: a Netflix raptou "Glass Onion: Um Mistério Knives Out", e o filme só voltará a ser visto quando estrear no serviço de streaming, em 23 de dezembro.

Para a Netflix, que pagou US$ 465 milhões em março de 2021 (quase R$ 2,5 bilhões no câmbio atual) pelos diretos sobre "Glass Onion: Um Mistério Knives Out" e sobre um terceiro filme de mistério centrado em Benoit Blanc, isso representa uma nova e intrigante aposta. Embora Reed Hastings, um dos presidentes executivos da Netflix, admita que o filme poderia ter faturado mais se ficasse em cartaz nos cinemas por mais tempo, a "prévia" foi destinada principalmente a despertar o interesse pela estreia em streaming. "Não queremos criar um negócio de cinema", ele declarou durante a New York Times DealBook Summit. "Estamos só tentando nos fazer ouvir por sobre o barulho."

Johnson acredita que as duas coisas não sejam mutuamente excludentes. Conversei com o cineasta alguns dias depois que "Glass Onion: Um Mistério Knives Out" saiu de cartaz nos cinemas; ele tinha passado a semana em que o filme esteve em exibição assistindo a sessões promocionais em Nova York e Los Angeles e me disse que "depois dos últimos dois anos, ver os cinemas lotados e as pessoas se divertindo foi realmente emocionante". E, embora ele aprecie o esforço da Netflix para lançar o filme no maior número de cinemas que uma produção da empresa já ocupou e para obter as melhores salas, que não costumam exibir os títulos da companhia, Johnson espera que os futuros grandes filmes do serviço de streaming tenham ainda mais oportunidade de atingir a audiência cinematográfica.

Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Agora que você esteve na ponta oposta da experiência cinematográfica, como se sente a respeito?
Amei, e quero mais. Sou muito grato à Netflix e às cadeias de salas de cinema –o projeto era importante para eles, e eles se esforçaram para chegar a um acordo bom para os dois lados. Minha esperança é que nos saiamos bem quando o filme estrear em streaming, para que possamos realmente demonstrar que essas duas coisas podem se complementar.

Alguns cineastas que trabalham com a Netflix garantiram exibições nos cinemas por até cinco semanas. Por que você sentiu que uma semana apenas era a duração certa para "Glass Onion: Um Mistério Knives Out"?
Porque foi o que conseguimos, honestamente. Se pudéssemos, teríamos ficado mais tempo, mas há um par de coisas diferentes quanto a isso. Primeiro, a Netflix realmente se esforçou na promoção da temporada nos cinemas, o que o que eles não tinham feito em lançamentos anteriores. E também o fato de que estávamos em cartaz nas grandes cadeias de cinemas, AMC, Regal e Cinemark, e nas salas de cinema que têm o maior tráfego. Portanto, mesmo que à primeira vista possa parecer que o que aconteceu é semelhante ao que eles fizeram no passado, na realidade foi muito, muito diferente, e fico muito grato por essas diferenças.

Você acha que o Netflix escolheu deixar de ganhar dinheiro? Ou não é do interesse da empresa ter esse filme por mais tempo em cartaz nos cinemas?
Não sei, cara, isso está fora da minha alçada. Provavelmente é bom para os acionistas da Netflix que eu não dirija a Netflix. A realidade é que somos parceiros deles e eles têm sido ótimos conosco, mas, muito obviamente, eu gostaria que pudéssemos ter ficado mais tempo em cartaz nos cinemas. Espero que da próxima vez isso aconteça.

A Lionsgate distribuiu o primeiro filme, mas não houve acordo para a continuação, e isso resultou em que grandes empresas como Apple, Netflix e Amazon lhe apresentassem propostas para garantir o futuro da franquia. Você já tinha passado por uma guerra de propostas como essa?
Foi a primeira vez para mim.

Então, qual foi a sensação de ser a bela do baile?
Muito bacana, mas também muito angustiante, porque não se trata apenas de aceitar o melhor negócio. Trata-se de tentar inovar em uma época de grandes e tumultuosas mudanças.

Quais foram os fatores que você levou em conta?
Em última análise, foi um momento em que o modelo sob o qual lançamos "Entre Facas e Segredos" tinha deixado de existir, e um momento em que os estúdios estavam basicamente vendendo seus maiores filmes para os serviços de streaming, de qualquer jeito. Ter uma parceria direta com o maior serviço de streaming fazia muito sentido.

Quando você diz que o modelo de lançamento de "Entre Facas e Segredos" deixou de existir, você quer dizer que ele não existia em março de 2021, ou você acha que esse modelo não existirá mais no futuro, ponto final?
Eu estava falando de 2021, quando fechamos o negócio. Neste momento, eu não sei. Provavelmente estou um pouco mais otimista sobre as salas de cinema, mas ao mesmo tempo, quando você olha para os números, eles não voltaram ao que eram antes da pandemia. Mesmo quando penso sobre o próximo filme, que estou a ponto de começar a escrever, quem diabos sabe como vai ser o cenário quando for a hora de lançá-lo na prática? Tudo o que sei é que provavelmente será tão diferente do atual quanto o atual é de 2021.

Eu vi reclamações online de que, se você se importasse com o futuro das salas de cinema, não teria vendido os filmes para um serviço de streaming.
Olhe, eu me importo com isso. Lutei o máximo que pude para colocar o filme nas salas em que foi exibido. Mas simpatizo com essas críticas. Acredito em lançar filmes nos cinemas, e espero que todos saibam que estou trabalhando o máximo que posso para pressionar, pressionar e pressionar por isso. Acredito também que uma temporada de sucesso nos cinemas só tornará um filme mais valioso quando chegar ao streaming. Isso cria ruído, cria um momento cultural, gera divulgação de pessoa a pessoa. É isso que estamos nos propondo provar, aqui.

Fale um pouco sobre seu processo de escrita. Quando você está criando um mistério, até que ponto deseja que ele seja solúvel?
Você quer que o público se divirta tanto que esqueça que deveria estar resolvendo qualquer coisa. O ideal é que o elemento misterioso da história pareça satisfatório quando o mistério for revelado no final, porque tudo se encaixa, mas que não seja isso que predomina na mente do espectador quando ele está assistindo ao filme. O ideal é que a pessoa se divirta o bastante para não preocupar demais com a matemática.

Porque o primeiro filme foi sucesso, você sentiu que tinha vento a favor enquanto filmava "Glass Onion: Um Mistério Knives Out"?
Não, e o dia em que sentirmos que o vento está a nosso favor será o dia em que provavelmente teremos de parar de fazer esses filmes. Na verdade, o segundo foi ainda mais assustador do que o primeiro, porque no primeiro ninguém estava prestando atenção em nós. E porque esse é um filme totalmente diferente, um elenco totalmente diferente, e mesmo o tom dele é muito diferente do tom do primeiro filme, parecia uma coisa totalmente nova, que é exatamente o que eu sempre quis que esses filmes fossem. No caso do terceiro, já estou pensando em o quanto ele vai ser assustador para mim, da mesma forma. Como é que vou torná-lo tão diferente do segundo quanto o segundo foi do primeiro?

Aproveitando que você está no meio do seu "brainstorm" sobre o terceiro filme, você diria que existe uma linha temática nessa franquia?
Bem, sinceramente, não quero que exista. Se há alguma coisa que parece indispensável, é o compromisso para com o momento, em termos de cultura. E, estruturalmente, o detetive nunca é o protagonista, o que significa que esses filmes vão precisar sempre de alguém diferente no coração da história, alguém com quem o público se preocupe.

Angela Lansbury e Stephen Sondheim fizeram suas últimas aparições na tela em "Glass Onion: Um Mistério Knives Out", em participações especiais via Zoom enquanto jogavam "Among Us" com Blanc. Como você conseguiu que eles participassem?
Quando eu tive essa ideia sobre quem estaria no círculo de amigos de Blanc, Sondheim e Lansbury foram duas das pessoas que estavam em nível de Deus –pessoas que nunca esperávamos conseguir. Mas conseguimos! Conseguimos, e eles foram muito graciosos; antes que eu percebesse, eu estava conversando com Sondheim no Zoom, e ele não poderia ter sido mais gentil. E depois peguei meu laptop e gravei Angela Lansbury. Porque sou muito fã dos dois desde jovem, foi muito especial para mim, mesmo que só para um pequeno momento no filme.

Você teve que explicar as regras de "Among Us" para Lansbury e Sondheim?
Ambos disseram: "OK, eu não entendo o que diabos é isso". Acho que Sondheim entendeu um pouco, porque ele gostava muito de jogar —não conhecia "Among Us", mas queria saber as regras. Angela foi muito gentil, mas ela disse: "Não costumo jogar. Só me diga o que eu deveria fazer e eu confiarei em você".

Há outra participação especial de um homem que, de acordo com as implicações, parece ser o parceiro romântico de Benoit Blanc. Quando você estava escrevendo o primeiro filme, já tinha em mente que Benoit era gay?
Eu não estava realmente pensando sobre isso, mas, sim, eu diria que sim. Fazia sentido, a tal ponto que, quando comecei a escrever o segundo filme, não me pareceu uma decisão complicada. Quando chegou a hora de ter um vislumbre de sua vida doméstica, pareceu muito natural.

O parceiro dele será visto no terceiro filme?
Não sei. Fora do âmbito do caso, acho que em geral é melhor que a vida do detetive nesses filmes seja apenas vislumbrada. Mas, veja, eu teria muita sorte em conseguir o mesmo ator para um mistério de assassinato, e por isso veremos.

A vontade de pular direto para o terceiro filme, em vez de filmar algo diferente primeiro, o surpreendeu?
Honestamente, sim. Até Toronto [em setembro, quando o público do festival de cinema da cidade respondeu entusiasticamente ao filme], eu tinha na cabeça a ideia de que seria saudável fazer algo totalmente diferente em seguida, e ainda tenho algumas ideias que me entusiasmam. Mas me dei por vencido, voltando ao conceito do que poderia ser o terceiro filme de mistério. Finalmente, cheguei à conclusão de que "bem, estou ouvindo o canto da sereia outra vez". O que mais me interessa é descobrir a maneira pela qual o terceiro filme define a envergadura que essa série poderia atingir no futuro. Isso é muito empolgante para mim.

Muitos cineastas pensam em termos de trilogias e conclusões, mas, porque esses filmes são tão diferentes uns dos outros, parece que você está livre de arcar com esse peso.
Provavelmente foi também por isso que recuei quanto à ideia de criar uma história pregressa para Blanc. A ideia de acumular camadas de mitologia ou de construção de todo um mundo não é o que me interessa no meu trabalho, em absoluto. O que me interessa é começar do zero e surpreender o público com um novo enigma.

Então, daqui a 20 anos, não vamos ter uma minissérie limitada sobre o jovem Benoit Blanc? Uma daquelas "prequels" em que, no final da primeira temporada, ele enfim adquire seu sotaque sulista?
Ou ele encontra um cachecol, o coloca e se olha no espelho? (Risos.) Se eles quiserem fazer isso, que vão com Deus.

Tradução de Paulo Migliacci