"Quase nunca fiz o papel do cara que conquista a garota. Ou o rapaz", disse Christopher Walken. "Romântico não é comigo. Normalmente, eu sou o cara que esquarteja pessoas, ou algo assim".

A conversa aconteceu na manhã de um dia de semana recente, por vídeo, e envolvia Walken e John Turturro, de quem ele é amigo há muito tempo. Em "Ruptura", uma série do serviço de streaming Apple TV+ que recebeu 14 indicações a prêmios em sua primeira temporada, Walken e Turturro interpretam Burt e Irving, colegas em uma sinistra megacorporação chamada Lumon Industries. ("Spoiler alert": a conversa inclui algumas revelações sobre a primeira temporada.) Para trabalhar na Lumon, os empregados precisam se submeter voluntariamente a uma "ruptura", um procedimento cirúrgico que bifurca a mente para que o "innie" –o eu profissional— não tenha conhecimento do "outie", o eu doméstico, e vice-versa.

A empresa mantém separações rígidas entre departamentos, e qualquer confraternização romântica é desencorajada. Mas Burt (Walken), que trabalha no departamento de ótica e design, e Irving (Turturro), que trabalha em refinamento de dados macro, de alguma forma terminam se aproximando, em uma série de cenas que revelam intensos anseios românticos e valeram a cada ator uma indicação ao prêmio Emmy.

No sexto episódio, os dois se encontram, em um lugar que parece ser uma estufa. Eles conversam baixinho, e seus rostos e corpos se aproximam. Os dois quase se beijam, até que Irving lembra Burt das normas da empresa sobre relacionamentos no local de trabalho. "Quer dizer que qualquer coisa romântica está proibida?", Burt pergunta. "Nada de romance?" Uma vida inteira de anseio –ou melhor, duas vidas– parece se concentrar naqueles poucos segundos.

Eles experimentaram fazer a cena culminando em um beijo? Não experimentaram. "Porque eu sou tão velho, teria sido um pouco difícil assistir", disse Walken.

Embora eles possam ter se conhecido em uma festa da Escola de Teatro da Universidade Yale no início da década de 1980 –os dois não se lembram bem—, Walken, 79, e Turturro, 65, só vieram a trabalhar juntos em "Cercar e Destruir", uma sátira ao show business, em 1995. ("Um filme oco, mas que mesmo assim prende muito a atenção", definiu um crítico do The New York Times.) Turturro mais tarde viria a escalar Walken para o elenco de três dos filmes que dirigiu: "Illuminata", "Romance e Cigarros" e "Ninguém Brinca com Jesus Quintana".

Os dois não convivem muito fora do trabalho. (Walken assumiu a culpa por isso: "Vivo meio isolado", ele disse.) Mas sempre gostam de se encontrar diante das câmeras, mesmo que apenas para uma conversa por vídeo, durante a qual os dois demonstraram muito respeito e afeição mútuos.

"Sou fã de Chris", disse Turturro, que vestia uma camiseta branca e cujo rosto e ombros enchiam a tela. "Nós nos damos bem, e temos um senso de humor parecido". "Sempre nos divertimos", confirmou Walken. Ele estava sentado mais longe da câmera, todo vestido de preto. ("Tudo bem com você, Elvis?", Turturro o cumprimentou quando ele apareceu na tela.)

Turturro foi contratado primeiro para "Ruptura". Ele leu os roteiros iniciais e, depois de uma reunião com Dan Erickson, o criador da série, e Ben Stiller, diretor de diversos episódios e produtor executivo, sugeriu Walken para o papel de Burt. Os dois se conheciam e gostavam um do outro, disse o ator, e não teriam dificuldade para criar uma química. Stiller aceitou a sugestão.

"Respondi sim, imediatamente", escreveu Stiller em uma mensagem de email. "Porque não sou louco".

"Ruptura" foi filmado em locação no interior do estado de Nova York, antes que as vacinas para a Covid-19 estivessem disponíveis. Mesmo em circunstâncias mais propícias, participar de uma rodagem longa tem algo de parecido com passar por uma cirurgia de ruptura –os atores ficam isolados de suas vidas pessoais.

"Passei muito tempo de minha vida em quartos de hotel, minha coleção de papéis de carta de hotéis é gigantesca" disse Turturro. "E isso pode ser cansativo".

O set de gravação de "Ruptura" era perto o bastante das casas dos dois para permitir que eles dormissem em casa quase toda noite. Por conta das precauções relativas à Covid-19, Walken e Turturro passavam a maior parte de seus dias de trabalho usando máscaras e escudos faciais, desorientados em um estúdio labiríntico que Walken descreveu como o maior que já viu. "Eu costumava me perder", ele disse

Por isso, quando podiam filmar cenas juntos, em salas pequenas e sem máscaras, a sensação era a de uma folga. Os dois amigos se reconfortavam, e dividiam o pão de banana preparado pela atriz Katherine Borowitz, mulher de Turturro. Entre as tomadas, eles tinham tempo para conversar bastante.

"As pessoas acham que os atores conversam sobre motivação e técnicas de atuação", disse Walken. "Mas na maioria das vezes eles falam de comida, filmes, e às vezes garotas".

Turturro teve a ideia de transformar essas conversas em um livro, "Talkin' and Walken". Mas o amigo rejeitou a proposta. Ele não queria ferir os sentimentos de qualquer pessoa que pudesse ser mencionada.

Quando as câmeras estavam rolando, os dois não precisavam se esforçar muito para evocar o amor entre Irving e Burt. "Se você enquadra os dois e permite que reajam um ao outro e ditem seus ritmos, o resultado é realmente lindo de assistir", afirmou Stiller.

O que explica essa facilidade? Turturro aponta para uma semelhança de estilo. "Chris não é um ator cabeça —você sente o corpo dele na cena", ele disse. "Eu também gosto de usar meu corpo, e por isso acho que nossa combinação é boa".

Walken expressa sua opinião de modo um pouco mais sentimental. "Quando pessoas estão atuando juntas, você percebe se elas conhecem bem uma à outra, e particularmente se elas gostam uma da outra e se sentem confortáveis juntas", ele disse. "É alguma coisa não verbal, mas que realmente transparece. É a isso que as pessoas chamam de química, suponho".

Por que Burt e Irving se sentem tão atraídos um pelo outro? "É porque Burt e Irving são na verdade Chris e John", disse Walken. "O que quer dizer que eles não passaram por ruptura alguma".

Nenhum dos dois parou para pensar muito sobre a vida de Burt e Irving fora da Lumon. Mas imaginam que Burt e Irving se dariam bem fora do trabalho. Que eles talvez visitassem museus, fossem à opera. "Eles são caras que curtem cultura", disse Turturro. E quanto ao marido "outie" de Burt? Os dois acham que ele compreenderia.

Eles não sabem o que os planos para a segunda temporada de "Ruptura" trarão para os personagens, ou se Burt, que se aposentou da Lumon, será parte da história. Ambos esperam que a relação continue, embora Walken tenha rejeitado a ideia de qualquer cena de sexo.

"Eu sempre penso se aquilo seria algo a que eu gostaria de assistir", ele disse. "Portanto, não, nada de nu frontal".

Os dois brincaram um pouco com a ideia de Burt e Irving fazerem uma viagem de carro. "Levaria muito tempo se fôssemos atravessar o país", disse Turturro. "Parando toda hora para ir ao banheiro". "E a polícia nos pararia o tempo todo por dirigirmos devagar demais", acrescentou Walken.

Algum deles gostaria de passar por uma cirurgia de ruptura? Turturro não pareceu muito entusiasmado, mas Walken não odiou a ideia.

"Sou um ator de altos e baixos", ele disse. "Não sei se já fiz um filme em que eu tenha sido bom o suficiente o tempo todo. Por isso, eu me livraria de muita coisa, se pudesse".

Do outro lado da tela, Turturro meneou a cabeça e deu uma risadinha nervosa. "Para mim você é fantástico", ele disse.