'O Poderoso Chefão' ganha versão restaurada (e ainda escura!) aos 50 anos
Francis Ford Coppola recorda produção do longa que foi sucesso em 1972
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Depois de 50 anos, Francis Ford Coppolla, 80, ainda não terminou seu trabalho em "O Poderoso Chefão" –e o filme tampouco parece ter terminado sua história com o diretor.
Coppola conseguiu seu primeiro grande sucesso com esse trabalho, que levou três Oscars, entre os quais o de melhor filme; faturou incontáveis milhões de dólares para a Paramount Pictures e vem influenciando o cinema há meio século.
Mas os tempos mudaram. Os velhos dias ficaram no passado. E, no entanto, "O Poderoso Chefão" continua a envelhecer como um mafioso satisfeito, sentado no jardim e descuidado quanto ao presente.
Em esforços anteriores com o objetivo de preservar "O Poderoso Chefão" para futuras gerações, a Paramount Pictures, Coppola e seus colegas na American Zoetrope, a produtora do cineasta, já tinham trabalhado juntos para lançar versões reparadas e revitalizadas do filme, mais recentemente há 15 anos, em um projeto intitulado "The Coppola Restoration".
Agora, para o 50º aniversário de "O Poderoso Chefão", que estreou dia 15 de março de 1972 em Nova York, Coppola e as duas empresas encomendaram uma nova restauração. Essa mais recente edição foi criada com fontes de qualidade mais alta para o filme, tecnologia digital melhorada e 4.000 horas de trabalho dedicadas a reparar desgastes, fissuras e outros defeitos. (O filme está nos cinemas e estará disponível na Paramount+ dia 22 de março).
Como explicou Coppola em fevereiro, "o objetivo todo é tentar fazer com que o filme tenha a mesma qualidade que tinha na exibição original de ‘O Poderoso Chefão’, quando a cópia tinha duas semanas de idade e não 20 anos ou 50 anos".
Coppola disse que jamais se cansa de esquadrinhar o filme. Mas é natural que qualquer tempo que ele dedique a refletir sobre esse trabalho desperte uma vasta gama de emoções e lembranças –as dores causadas pela produção problemática e o orgulho pelo imenso sucesso. "É preciso compreender que, como cineasta, eu não sabia realmente como fazer ‘O Poderoso Chefão’", ele disse. "Aprendi como fazer o filme fazendo".
Falando em entrevista por vídeo em companhia de James Mockoski, arquivista cinematográfico e supervisor de restauração da American Zoetrope, Coppola discorreu sobre o trabalho que acaba de realizar em "O Poderoso Chefão", sobre as cenas que ele queria manter escuras e sobre cenas que quase foram cortadas –e aproveitou para promover o novo filme em que está trabalhando, "Megalopolis". Abaixo, trechos editados de nossa conversa.
Por que um esforço de restauração como esse lhe pareceu necessário?
Coppola: O sistema de estúdios, que era muito bom em fazer tanta coisa, foi sempre fraco quanto à questão da preservação. "O Poderoso Chefão" foi anormalmente bem-sucedido em sua época. Mas a Paramount estava muito despreparada para aquele sucesso. Subitamente, o filme passou de um para cinco cinemas em Nova York porque a demanda foi crescendo e logo ele começou a ser exibido em muitos lugares no mundo todo. Em lugar de pensar em preservar o negativo original, eles basicamente o desgastaram completamente, porque foi usado para a confecção de tamanho número de cópias. E as cópias começaram a se parecer cada vez menos com aquilo que pretendíamos para o filme.
Mockoski: Não existia uma boa cópia de "O Poderoso Chefão" baseada no negativo original. Por isso, o que tomamos como base foi a restauração aprovada por Gordy [Gordon Willis, o diretor de fotografia do filme]. Sem isso, não teríamos nem pista de que aparência o filme realmente tinha quando foi lançado originalmente.
Coppola: E isso foi complicado ainda mais pelo fato de que Gordy Willis usou deliberadamente uma técnica de criação extremamente perigosa. Ele flertou com o risco de exposição insuficiente –o que é um pecado– em certas porções do enquadramento. Se um ator não estava em sua marca, se ele estava a dois palmos de onde Gordy imaginava que estaria, ele ficaria completamente no escuro. Isso tornou o filme mais bonito, mas era uma postura muito implacável.
Como vocês encontraram as porções do filme usadas para a restauração?
Mockoski: Nós encontramos mais dos negativos originais depois de restaurações anteriores. A Paramount os encontrou em outras latas [de filme]. Eles fizeram um esforço para montar os dois primeiros filmes em uma unidade só [um projeto feito para a TV e intitulado "The Godfather Saga], e depois da edição pedaços do filme terminaram sendo guardados em outras latas.
Existem mais negativos originais de "O Poderoso Chefão" que vocês não tenham sido capazes de localizar?
Mockoski: Por causa do sucesso do filme, eles guardaram tudo. A Paramount tinha controle de filmes como "A Conversação" [drama que Coppola dirigiu em 1974]. E quando o filme estava pronto e passou para a distribuição, eles enviaram tudo que ele rodou e que não foi incluído no filme para o departamento de depósito de negativos. E por isso, não temos nada mais do que aquilo que está no filme. Mais tarde, nós guardamos tudo de "Apocalypse Now", "O Fundo do Coração" e tudo mais que temos em nossos arquivos.
[Um porta-voz da Paramount confirmou essa afirmação, acrescentando que o estúdio tem 36 sequências de "A Conversação" em sua biblioteca de negativos.]
Há algo nessa restauração com o que vocês não estejam completamente satisfeitos?
Mockoski: Continua a haver coisas na cena do casamento que sofreram uma degradação de qualidade. Mas, em termos gerais, isso fica quase imperceptível na nova restauração.
Como é esquadrinhar cada quadro de "O Poderoso Chefão"?
Mockoski: É divertido ver as coisas quadro a quadro, porque é possível perceber detalhes que ninguém mais perceberá. Quando uma cena acaba em "fade", você consegue ver alguém com a claquete. Há uma cena –aquele senhor cantando uma canção no casamento— em que a dentadura dele começa a cair
Esse é um filme que, deliberadamente, foi planejado para ser escuro. Como você consegue distinguir, ao olhar uma imagem, se ela está escura demais –ou não está escura o bastante?
Coppola: Nós fizemos uma reunião inicial, eu, Gordy Willis, Dean Tavoularis [o designer de produção] e Anna Hill Johnstone [a figurinista] para decidir sobre o estilo. Falamos sobre o uso da escuridão e da luz no filme. [Nas primeiras cenas], o escritório de Don Corleone seria realmente escuro se comparado à fotografia superexposta do casamento que queríamos fazer com o brilho de uma imagem de revista. Isso foi deliberado. Eu sei, e qualquer pessoa disposta a parar para pensar saberá, o que é realmente importante em cada cena.
Mockoski: Isso também era um perigo na hora de fazermos a nova transferência. Todo mundo deseja deixar sua marca e fazer alguma coisa nova. Com a nova tecnologia, isso envolveria colocar mais luz nas cenas. Temos aquela bela abertura e as pessoas querem ver mais, os detalhes, os belos painéis de madeira nas paredes. Bem, não é esse o objetivo. Isso não é "O Poderoso Chefão".
Essas eram as coisas a que vocês prestaram atenção especial durante a filmagem do original?
Coppola: Posso afirmar que é da minha natureza me preocupar com detalhes fotográficos. "O Poderoso Chefão" foi uma experiência muito difícil para mim. Eu era jovem. Fui muito pressionado e pressionei de volta. Tive de blefar muito. Fiquei feliz por ter sobrevivido à experiência de fazer "O Poderoso Chefão", mas não queria passar por aquilo tudo de novo. Não queria nem dirigir "O Poderoso Chefão 2".
Você se cansa de assistir a "O Poderoso Chefão"?
Coppola: Não. Nunca.
Mockoski: Eu sempre fico nervoso quando vou mostrar algo a ele, porque ele vai dizer que ‘o que eu gostaria de fazer e que na época não pude, seria fazer tal e tal mudança...’ E com isso teríamos uma nova edição inteira. Mas ele se acomodava lá e assistia e tinha ótimas histórias sobre a filmagem. [Falando a Coppola.] Você me disse quando fizemos a última revisão que eles não queriam que você filmasse a cena em que Brando tem o ataque cardíaco.
Coppola: Aquilo foi cortado do roteiro. A Paramount calculou que bastaria cortar para o cemitério e as pessoas saberiam que ele tinha morrido. Mas roubei aquela [cena] ao chegar ao casamento um pouquinho mais cedo e ter os tomates no mesmo lugar. Brando me disse, ‘vou fazer um truque que faço para os meus filhos’. E ele fez o truque com a casca de laranja. Foi ideia dele, e ele me salvou. Graças a Marlon Brando e Dean Tavoularis, por conseguir os tomates. Tivemos de trazê-los de avião de algum lugar, foi um grande escândalo por causa de o quanto eles haviam custado para uma cena cortada do roteiro.
Você tem alguma vontade de reeditar "O Poderoso Chefão" da mesma maneira que reeditou "O Poderoso Chefão 3" para produzir "O Poderoso Chefão – Desfecho"?
Coppola: Eu diria que não há chance de que eu queira fazer isso com "O Poderoso Chefão". Há alguns filmes que tenho e estou mudando e outros em que não vou mexer. Mas não tenho uma regra sobre qual é qual. Pode perguntar, se quer saber se há algum filme meu que eu mudaria. Há algum filme sobre o qual você queira perguntar?
Acabei de rever o seu "Drácula de Bram Stoker", há poucas semanas. E quanto a ele?
Coppola: Não há o que mudar em ‘Drácula’. O filme está pronto. É aquilo.
"O Poderoso Chefão" já durou 50 anos. Se esse vier a ser o filme pelo qual você será mais conhecido, tudo bem para você?
Coppola: Acho que já é o filme pelo qual sou mais conhecido. Se você pedir que alguém diga por que eu deveria ser considerado um cineasta importante, a resposta vai ser ‘O Poderoso Chefão’. Talvez ‘Apocalypse Now’ venha em segundo lugar, de perto. ‘Apocalypse Now’ é um filme mais incomum e mais interessante de muitas maneiras. Mas eu sempre fazia filmes que não sabia como terminar, na verdade, e aprendia ao fazer. Por isso minha carreira é tão esquisita. Posso garantir que ‘Megalopolis’ é o mais ambicioso, o mais incomum e o mais estranho filme que já tentei e não faço ideia de como fazê-lo. E amo isso, porque significa que vou aprender com ele.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci