Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Após 'Freaks and Geeks', Paul Feig aposta em nova série sobre perdedores

Inspirada na britânica 'This Country', produção da Fox defende cidades pequenas

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Eric Farwell

Em conversa, Paul Feig, 59, fala com franqueza incomum sobre suas experiências: positivo, sincero e sem falsa modéstia. Por isso, ele fez a mais breve das pausas quando lhe perguntei se tinha aprendido alguma coisa nova sobre fazer televisão desde que criou –e rapidamente perdeu– "Freaks and Geeks", uma série de humor sobre alunos de uma escola de segundo grau que terminou sumariamente cancelada depois de apenas uma temporada, em 1999-2000.

"Eu gostaria de responder que sim, mas na verdade não", ele disse, rindo, em uma recente conversa por vídeo sobre sua nova série, "Welcome to Flatch", um falso documentário que estreou neste mês nos Estados Unidos, na rede Fox —ainda não há previsão para chegar ao Brasil. Nem a sua experiência com "Freaks and Geeks" e nem os muitos altos e baixos posteriores de sua carreira alteraram a sua abordagem fundamental.

"Eu simplesmente fico à espera da hora em que as pessoas vão começar a gostar do tipo de coisa de que eu gosto", ele disse. E as pessoas de fato começam a gostar do que ele faz –mas isso não o ajuda a manter uma trajetória sem altos e baixos. "Freaks and Geeks" foi o sucesso de crítica que representou a primeira vitória de Feig e deu início às carreiras de Linda Cardellini, James Franco, Busy Philipps, Seth Rogen, Jason Segel, Martin Starr e outros.

Quase 22 anos depois do cancelamento da série, seu estilo de comédia honesto e com raízes fincadas na realidade faz com que a série frequentemente seja incluída em listas de melhores programas de humor de TV de todos os tempos. Mas quando estava no ar, os índices de audiência da série não eram grande coisa, e os executivos da NBC perderam o interesse.

Assim, o respeito que a série lhe valeu com certeza foi agradável. E, depois de algumas tentativas frustradas no cinema –e de um longo período como detento do que ele chama "prisão cinematográfica"–, as pessoas também começaram a curtir seu estilo de comédia (como por exemplo em "Missão Madrinha de Casamento").

Mas a despeito de sua aparente equanimidade quanto aos altos e baixos do sucesso e do gosto das audiências, o que Feig realmente quer para "Welcome to Flatch" é uma temporada dois. Se a questão é ser completamente franco.

"Jamais tive um sucesso enorme", ele disse, sobre suas experiências na TV e, "quando você tem um sucesso enorme, isso significa que pode fazer mais e mais" daquilo que você ama. "Não há coisa alguma que eu queira mais", ele acrescentou, "do que fazer 200 episódios de ‘Welcome to Flatch’".

Os ingredientes certos, incluindo Feig, estão presentes. Baseada em "This Country", uma série bem sucedida da BBC (2017-2020), o novo programa de Feig finge ser um documentário sobre a vida de uma cidade pequena nos Estados Unidos, no caso a fictícia Flatch, Ohio (1.529 habitantes). Em estilo e tema, a série se parece com "Parks and Recreation", se Pawnee, Indiana, fosse uma cidade ainda menor e com a economia ainda mais deprimida.

Nossos guias em Flatch são dois primos desorientados, Kelly (Chelsea Holmes) e Lloyd (Sam Straley), cujas desventuras são tão charmosas quanto seus futuros são incertos. Quem os ajuda é um pastor local, Joseph (Seann William Scott), cujo complicado relacionamento com a editora do jornal da cidade, Cheryl (Aya Cash) serve de centro romântico à história; Justin Linville, Taylor Ortega e Krystal Smith completam o elenco

Para Feig, que cresceu em uma cidadezinha no subúrbio de Detroit, a série parece especialmente pessoal. É o projeto em que ele mais se envolveu, em um grande programa de TV comercial, desde "Freaks and Geeks". Como produtor executivo, ele trouxe Jenny Bicks para desenvolver e supervisionar a série. Mas continua a ter um papel muito ativo no projeto, tendo escrito dois e dirigido três episódios.

Ele continuou a ajudar de longe a orientar o resto do trabalho, de Londres, onde estava dirigindo um filme para a Netflix, "The School for Good and Evil", que deve sair antes do final do ano. Feig falou no mês passado, de Los Angeles, sobre essa conexão pessoal, sobre seu amor pelos perdedores e sobre seu impulso de proteger a região centro-oeste americana. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

Você produziu muitas séries de TV que não ajudou a escrever ou dirigir ("The Office", "Nurse Jackie", "Love Life" e outras). O que o levou a se envolver tanto na produção de "Welcome to Flatch"?
Existem histórias que não posso contar em filmes porque são pequenas demais. Mas na TV, quando vejo algo que me faz pensar que "nossa, posso detalhar bem essa história", isso faz com que eu me apaixone, que foi o que aconteceu com "This Country", que mais tarde virou "Welcome to Flatch".

Eu pensei que aquilo era algo que eu queria dirigir, com que eu queria me envolver. Queria escrever roteiros. Queria estar na parada. A série me interessou porque fui criado na região centro-oeste, e porque amo demais esse tipo de personagem. Também adoro comédias em estilo de falso documentário, que é a melhor maneira de fazer comédia na TV por ser tão imediato, tão do momento.

Por que o local em que a história se passa importava tanto para você, além do fato de que você cresceu na mesma região?
Sinto que sou um protetor do centro-oeste, e das cidades pequenas. É uma coisa bem das duas costas do país, zombar dos estados do interior, os estados sobre as quais a gente passa voando, como dizem. Pois é, sou de um desses estados. Por isso, quando Jenny Bicks e eu decidimos tentar vender essa ideia, essa foi a primeira coisa que ouvimos de todos.

Eles disseram que tínhamos de garantir que não zombaríamos das pequenas cidades. E nós respondemos que não era isso que queríamos fazer. Jenny veio de uma cidade pequena. Eu vim de uma cidade pequena. Queremos protegê-las. Mas, para fazê-lo, precisamos nos divertir com elas. E queremos que o público ria com elas.

Como é que você decidiu de que maneira adaptar "This Country"?
Quando adaptamos "The Office", o que aprendemos foi que as audiências dos Estados Unidos acham muito difícil torcer por um cara, entre aspas, difícil de amar, um cara irrecuperável. Depois que saiu "O Virgem de 40 Anos", o que ouvimos foi que "as pessoas amam Steve Carell".

E por isso decidimos que ele precisava de algumas vitórias. Ele precisa ser bem-intencionado. Mesmo que ele possa se comportar de uma maneira completamente horrível, suas intenções são boas. Foi essa a grande epifania, e "Welcome to Flatch" segue o mesmo molde.

Por que você acha que as audiências dos Estados Unidos têm dificuldade para aceitar um personagem difícil de amar?
Acho que os americanos amam personagens centrais pelos quais possam torcer. Somos otimistas e temos empatia, em geral. Somos um país ainda jovem demais para o cinismo. Gostamos de finais felizes e de que personagens aprendam lições. Nós amamos o senhor Scrooge [de "Uma Canção de Natal", de Charles Dickens] porque, depois de ser escroto a história toda, ele se transforma em um cara legal no fim.

Mas se ele não se transformasse, e fôssemos convidados a assistir à humilhação dele por Bob Cratchit e Tiny Tim e tudo terminasse com ele resmungando e batendo a porta na cara deles, enquanto a cidade toda ri e joga frutas podres em sua casa... a audiência ficaria furiosa por ter sido submetida a isso. Gostamos de redenção, em nossas histórias.

Acho que as audiências britânicas curtem ver um sujeito rude levando uma invertida porque é isso que a imprensa deles é meio famosa por fazer, macular a imagem das pessoas poderosas. Amo o humor britânico porque ele em geral gira em torno de derrubar as pessoas vaidosas de seu pedestal. Os americanos também gostam disso, mas quando acontece com o vilão, não com o protagonista.

Ideias condescendentes quanto aos "estados sobre os quais passamos voando" são parte do discurso político há algum tempo. Imagino que retratar o centro-oeste da maneira mais fiel possível tenha sido uma prioridade.
Com certeza. E nossa série não tem coisa alguma a dizer sobre política. Não há grandes ambições de mudar o mundo, em uma série como essa. Mas, ao mesmo tempo, é possível assistir a ela e pensar que "amo essas pessoas. E, se elas acreditam em alguma coisa em que eu não acredito... que diferença faz?" Todos são humanos.

Mesmo que [os personagens] possam irritar uns aos outros e agredir uns aos outros, eles todos meio que se amam, e é essa mensagem que queremos ver distribuída. Podemos todos discordar. Mas, por fim, vamos só amar uns aos outros e tentar perdoar as pessoas e encontrar alguma diversão ao longo do caminho.

Você e a diretora de elenco Allison Jones foram responsáveis por ajudar muitos atores que antes era menos conhecidos a encontrar audiências maiores. Como é que descobrem esses talentos?
Sempre estou em busca de vozes diferentes e personalidades diferentes, que me surpreendam e me façam rir. E elas vêm de inúmeros lugares. Muitas vezes, é da seleção de elenco. Por isso você precisa de um diretor de elenco em quem confie, que esteja em sincronia com seu senso de humor. Essa é a razão para que Allison Jones e eu nos damos tão bem.

Ela me procura dizendo que conheceu alguém e, meu Deus, como a pessoa era estranha, e me diz que vou amar. E eu respondo que, ótimo, pode trazer. Nove vezes em 10, o que acontece é que concordo com ela em que a pessoa é ótima, e preciso encontrar algum papel para essa pessoa fazer.

Você foi produtor executivo de "Minx: Uma Para Elas", série da HBO Max sobre uma revista erótica feminina, que estreou no mesmo dia que "Welcome to Flatch" [nos Estados Unidos]. E a série parece bem distante dos seus trabalhos anteriores. O que o levou a se interessar por ela?
Porque é uma história sobre perdedores, pura e simplesmente. É isso que me atrai. Em tudo que faço, o tema principal que você vai ver é esse: aquele cara é um perdedor, uma pessoa que deseja alguma coisa mas sente não ser capaz de fazê-la, por não ter confiança ou não encontrar seu lugar no mundo.

É uma ótima comédia sobre um lugar de trabalho, sabe, mas ao mesmo tempo com um tema provocante. E gosto desses momentos de provocação, em que as pessoas dizem "oh, meu deus", e ficam tão horrorizadas que terminam rindo.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci