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Cenas da primeira temporada da série "The Tourist" 2022/Divulgação

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Desiree Ibekwe
Londres
The New York Times

Depois que seu carro é abalroado e tirado da estrada por um motorista misterioso em um caminhão, um norte-irlandês acorda em um hospital de uma região isolada da Austrália sem recordar quem ele é. "Eu fico dizendo a mim mesmo que preciso tentar lembrar", ele diz à policial que chega para tomar seu depoimento, "mas é como dizer a você mesmo para sair voando".

Esse é o ponto de partida de "The Tourist" ("O Turista", em português), uma minissérie em seis episódios que estreou no começo do mês na HBO Max. Depois que o homem, interpretado por Jamie Dornan ("Belfast", "Cinquenta Tons de Cinza"), deixa o hospital, surge a informação de que estava envolvido em negócios escusos em sua vida pregressa, e de que alguém com certeza quer vê-lo morto.

A premissa inicial sugeriria um thriller de aventura. A perda de memória é um recurso de trama familiar no gênero (vide "Amnésia", "A Identidade Bourne" etc.) A série, que estreou na BBC britânica este ano, é semelhante em termos de formato a outros programas tensos e sucintos da rede, como "The Night Manager" e "Segurança em Jogo".

Mas "The Tourist" difere dessas produções porque acrescenta mais humor e toques de surrealismo a uma trama central intrigante que continua a oferecer perseguições motorizadas, tiroteios e organizações criminosas internacionais.

Quando primeiro leu o roteiro, Dornan o considerou surpreendente, disse o ator em uma recente entrevista. "Sempre que eu começava a achar que era uma coisa, ou que eu tinha uma ideia de para onde as coisas estavam se encaminhando, a história mudava de direção", ele disse. "Às vezes isso era realmente sutil e às vezes era uma grande pancada na cabeça".

À medida que os episódios se desenrolam, o personagem, inicialmente simpático, vai se tornando mais complicado. Dornan disse que, ao ler o roteiro, ele começou a imaginar se a audiência continuaria a torcer por aquele homem e por sua busca de respostas "quando eles descobrirem quais são algumas dessas respostas".

O personagem de Dornan recebe ajuda em sua busca por respostas da policial que o interroga no hospital, Helen Chambers (Danielle Macdonald), que está em sua primeira missão de investigação depois de algum tempo como policial de trânsito. Ela se sente estranhamente compelida a ajudar o homem, que também recebe ajuda de Luci Miller (Shalom Brune-Franklin), uma garçonete que ele conhece em um café.

O cenário da série é uma região rural da Austrália que oferece um contrapeso cômico, por meio de personagens como o policial novato bem intencionado mas incompetente, e os donos idosos de uma pousada. Em meio ao caos e ao perigo, existem cenas que se inclinam mais na direção do caloroso e do familiar.

Helen, a policial, também é uma protagonista implausível para um thriller: gentil, honesta e despretensiosa. Macdonald vê sua personagem como a "mulher comum" da série, ela disse em uma entrevista recente. Quando a vemos pela primeira vez, fica claro que ela está insatisfeita e que é subestimada, por si mesma e por seu noivo.

Macdonald disse que passou algum tempo tentado compreender o papel da personagem na trama. "O resto da série é muito sombrio, e Helen é uma pessoa muito leve", ela disse. "Isso terminou criando um balanço muito agradável".

Os roteiristas e criadores da série, os irmãos Jack e Harry Williams, ganharam fama como criadores de thrillers convencionais, por exemplo "The Missing", uma série indicada ao Globo de Ouro. Mas "The Tourist" veio do desejo de fazer alguma coisa diferente. "É o tipo de série a que assistiríamos, e o tipo de série que realmente curtimos fazer", disse Jack Williams.

Os irmãos também tinham experiência com comédias televisivas realmente sombrias, depois de trabalharem como produtores executivos de "Fleabag", de Phoebe Waller-Bridge, e "Back to Life", de Daisy Haggard. Seu novo trabalho, portanto, tinha por objetivo "cobrir aquela distância, porque, depois de fazer comédias e de fazer dramas, sentíamos que aquele era o espaço natural em que operarmos", disse Harry Williams.

Eles convidaram Chris Sweeney, que trabalhou em "Back to Life", para dirigir metade dos episódios da série. Embora estivesse interessado em trabalhar em outros projetos e em funções diferentes do que a de diretor, naquele momento, Sweeney disse que o material da série o convenceu. "Não gosto de thrillers retos, eles não me interessam, mas gosto de trabalhos que usam esse formato para falar da existência humana de uma maneira brincalhona", ele disse, em entrevista por vídeo.

"The Tourist" questiona não só a maneira pela qual o passado nos define mas também –por meio das trajetórias tanto do personagem central quanto de Helen– as outras coisas em que nos baseamos para construir nossas identidades.

Sweeney disse que ele sentia que o roteiro tinha a "personalidade" de filmes que ele ama no gênero thriller, como o trabalho dos irmãos Coen. Ele descreveu elementos da série como "uma carta de amor" a esses filmes, com cenas que evocam "Onde os Fracos Não Têm Vez" e "Irresistível Paixão", de Steven Soderbergh.

Dornan inicialmente se preocupou um pouco com a mistura de gêneros da série. Durante a filmagem na Austrália, "nós três, Shalom, Danielle e eu, ficamos apavorados em diferentes momentos por conta da mistura de comédia e drama, e com como encontrarmos um meio-termo confortável ali", ele disse. "Eu me preocupava porque não sabia se as pessoas iam entender o que era aquilo, ou de que ponto de vista deviam encarar a série".

No Reino Unido pelo menos, essa preocupação parece ter sido infundada. Quando "The Tourist" chegou ao serviço de streaming da BBC no dia de Ano-Novo, foi recebida com críticas excelentes e rapidamente se tornou o terceiro maior sucesso dramático da rede em sua estreia.

Jack Williams disse que achava que a série tinha ecoado com as audiências em parte por conta de seu aspecto escapista, acrescentando que "ela não tenta refletir a angústia e o sofrimento que as pessoas vêm experimentando nos últimos anos".

Além de mergulhar em uma trama de mistério, os espectadores de "The Tourist" são transportados a uma paisagem bruta, quase extraterrestre. A série foi filmada em diversas locações na vastidão do sul da Austrália, onde "você pode apontar a câmera em qualquer direção e as imagens são sempre incríveis", disse Harry Williams. "É claro que, mesmo assim, tínhamos de viajar horas e horas pelo meio do nada para conseguir os efeitos que desejávamos".

As viagens contribuíram para a gravação da série ter durado cinco meses, um período que também foi estendido por conta das ambições da produção. A perseguição de carros inicial precisou de duas semanas de gravações. "Foi o trabalho mais difícil que já fiz", disse Dornan. "E também o trabalho mais longo que já fiz".

Com o sucesso da série no Reino Unido, surgiram discussões sobre a possibilidade de uma segunda temporada. O programa foi concebido como uma minissérie limitada, semelhante aos demais programas da BBC estruturados em seis episódios.

Essa abordagem de "menos é mais" contrasta com os programas muito mais duradouros das redes de TV aberta americanas. Um exemplo é "Homeland", thriller da rede Showtime, que durou oito temporadas e 96 episódios.

Tommy Bulfin, comissário da BBC encarregado das encomendas de programas dramáticos, disse em um email que embora a rede tenha "uma tradição de fazer programas em seis episódios", a prática de produzir séries mais curtas em última análise se relaciona ao tema. "Acho que a chave para o sucesso desses programas é que eles são todos exemplos excelentes de histórias brilhantemente realizadas", ele disse.

Os irmãos Williams concordam com esse sentimento. Ao pensarem sobre a duração de "The Tourist", o mais importante para eles era a história. "É preciso acompanhar esse lado e o curso natural que a história tomaria, e não tentar extrair mais dela do que é possível", disse Harry.

Os dois não descartam a possibilidade de uma segunda temporada, mas acrescentam que encaram a ideia com cautela. "Não existe uma duração perfeita, da mesma maneira que não existe um tamanho perfeito para um livro", disse Harry Williams. "Mas existe uma duração apropriada para a história".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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