Alan Ritchson assume papel de Tom Cruise, e 'Reacher' volta a ser grande
Famoso personagem ganha série na Amazon Prime após dois filmes
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Jack Reacher é um herói de ação muito popular. Criado pelo escritor britânico Lee Child, Reacher até agora lutou para consertar o que quer que esteja errado em 26 romances e uma vasta seleção de contos; os livros que ele protagoniza já venderam mais de 100 milhões de cópias em todo o planeta.
Os leitores de Reacher formam um elenco surpreendentemente variado, e incluem a romancista Margaret Drabble e o escritor Philip Pullman, autor de "Fronteiras do Universo" ["His Dark Materials"]. Mas se você perguntar a qualquer um deles qual é a primeira coisa que lhes ocorre sobre Reacher, a resposta mais provável é a de que ele é grande. Bem grande. Reacher é um sujeito parrudo, com 1,95 metro de altura e peso de 115 quilos de puro músculo.
Os criadores de "Reacher", uma nova série para a Amazon Prime, baseada em "Killing Floor" ["Dinheiro Sujo"] (1997), o primeiro romance protagonizado pelo personagem, estavam cientes de que precisavam oferecer aquela massa bruta, por medo de decepcionar os fãs, quase todos céticos, para dizer o mínimo, quanto à escalação de Tom Cruise para o papel em duas adaptações anteriores dos livros para o cinema.
"Sei que um monte de gente estava pensando nos filmes", disse Nick Santora, o showrunner da série. "Quando conversei com o estúdio, nós começamos falando do tamanho de Reacher, algo mítico, épico. A conversa girava sempre em torno de que ele tinha de ser grande –precisávamos encontrar um ator que se enquadrasse à descrição do personagem nos livros".
"O que não quer dizer que Tom Cruise não tenha feito um trabalho fantástico", acrescentou Santora rapidamente.
E aí que entra Allan Ritchson, 39, um ator de 1,90 metro com bíceps do tamanho de presuntos, que tinha acabado de encerrar três temporadas de trabalho como Hawk, um personagem que combate o crime na série "Titans". Child ficou impressionado.
"Antes de me tornar escritor, trabalhei por quase 20 anos em televisão, e por isso sei como as coisas funcionam", disse Child em uma conversa recente por vídeo. À medida que a produção avançava, ele pôde perceber que "tudo estava saindo até melhor do que eu poderia imaginar".
"Com que frequência uma coisa assim acontece?", ele acrescentou. "Quase nunca. E tudo isso se deve acima de tudo a Alan –não que eu deseje estragá-lo com um excesso de elogios".
Quanto a Ritchson, ele ficou definitivamente encantado com o papel. E se sentiu um pouco intimidado, o que não é frequente para um homem de seu tamanho.
"Ser apresentado a Lee foi uma das experiências mais enervantes da minha vida", disse o ator, na mesma conversa em vídeo de que Child participou. "Ele vive com esse personagem há 25 anos. Eu fiquei pensando comigo mesmo se estaria à altura do papel".
Encontrar um ator que pareça convincente como um ex-oficial de polícia do Exército, imponente, altamente analítico e aparentemente indestrutível –um sujeito que pode não ter superpoderes, tecnicamente, mas é quase como se os tivesse– era um requisito importante a cumprir, mas não o único. Um dos maiores atrativos dos livros de Reacher é sua familiaridade. Ao longo dos anos, eles foram acumulando um cânone de detalhes recorrentes muito amados dos leitores, e era importante que a equipe de produção da série os respeitasse.
"Tínhamos uma lista de coisas a fazer e de coisas a evitar", disse Santora. "Nada de servir café com creme e açúcar para Reacher. Ele bebe café puro. Nada de cenas em que Reacher trate uma mulher como cidadã de segunda classe só por ela ser menor do que ele –a verdade é que todo mundo é menor do que ele. Existe uma simplicidade muito agradável nesse cara, embora ele seja um personagem complicado".
Ritchson, que fez bem sua lição de casa, chegou para as gravações trazendo uma atitude semelhante. "Quero ser o mais autêntico que puder", ele disse. "E não quero ser ridicularizado pelos muitos fãs fervorosos que vão lembrar cada detalhe dos livros e achar que erramos".
E nos casos em que surgia qualquer incerteza, Santora tinha acesso à maior das autoridades: Lee Child, que é um dos produtores executivos da série, se envolveu em cada detalhe do processo.
Ter o criador do personagem à disposição era conveniente, especialmente quando ficou claro que, para realizar uma temporada de oito episódios, seria necessário engordar a trama de "Killing Floor". No romance, Reacher –essencialmente um andarilho que percorre o país, quase sempre de ônibus, carregando com ele apenas as roupas que veste e uma escova de dentes –termina encontrando por acaso um grupo de pessoas muito ruins, em uma cidade fictícia da Geórgia.
Para a série de TV, Santora e seus roteiristas importaram um personagem chave de outros livros de Reacher. E também acrescentaram uma segunda trama secundária envolvendo um cachorro. "Queríamos mostrar um pouquinho de Reacher que não está no livro, mas de uma maneira fiel ao personagem", disse Santora. "E a história também mostra a moralidade de Reacher".
Child não se incomodou (e aprovou as mudanças). Afinal, respeitar rigorosamente o material original pode não bastar para produzir uma boa série de televisão, especialmente porque existe uma imensa audiência potencial para o programa que provavelmente não leu uma linha que seja dos romances originais.
"Foi uma adaptação muito fiel, em minha opinião, comparada a muito do que se vê por aí", disse Child, "mas é absolutamente inevitável que você precise incluir outras coisas, a fim de explicar o personagem".
"Não estamos trabalhando exatamente para os leitores dos livros –nós já temos a atenção deles", acrescentou o escritor. "Precisamos mantê-los felizes, o que acredito que tenhamos claramente conseguido, mas ao mesmo tempo temos de produzir uma série que qualquer pessoa possa assistir e amar".
Uma coisa com relação a Reacher que não precisa ser explicada aos fãs dos livros –ou a novatos que tenham assistido pelo menos metade do episódio piloto– é que ele é uma máquina de combate que sempre termina envolvido em um quebra-pau ou três. O resultado é tão previsível quanto o pedido de café de Reacher, mas ainda assim precisava ficar claro que ele não aprecia a violência pela violência.
"Ele não é o tipo de cara que sairia por aí procurando briga", disse Buster Reeves, o supervisor de dublês e cenas de ação da série, em uma conversa por vídeo. "Ele é sempre o maior cara na sala, e sabe disso, e portanto, quando se envolve em uma discussão, não sairia dos limites para destroçar um oponente. Ele faria apenas o necessário".
Se você é um novato no universo de Reacher, deve ter percebido a esta altura que ele luta do lado do bem. Child usualmente o compara aos cavaleiros errantes que vagueavam pela Europa na Idade Média, ou aos samurais do antigo Japão. (O escritor costuma dizer que as histórias de Reacher se passam nos Estados Unidos porque ele quis dar ao personagem mais espaço para se mover.)
Criá-lo foi em parte uma reação contra os anti-heróis problemáticos que se tornaram uma moda tão dominante que o exagero passou a ser a norma.
"O detetive é alcoólatra, o que é bacana da primeira vez, um problema real e uma caracterização real", disse Child sobre algumas histórias noir contemporâneas. "Mas então, o próximo cara é divorciado, além de alcoólatra. Em seguida vem o divorciado alcoólatra que é odiado por sua filha adolescente. O próximo é divorciado, alcoólatra e a filha adolescente o odeia, e além disso ele acidentalmente deu um tiro em um garoto no escuro, e por isso precisa se exilar em uma cabana no meio do mato pelo resto da vida".
"Por isso, eu fiz de Reacher, deliberadamente, um herói muito mais à moda antiga. Não queria um personagem cheio de misérias, porque no fundo ninguém gosta de pessoas cheias de problemas".
Em retrospecto, Child parece ter antecipado um desejo renovado por abandonar boa parte da bagagem desnecessária da vida moderna, o que também ajuda a explicar por que tantas mulheres apreciam seus livros.
"O personagem é a perfeita fantasia feminina", afirmou Jenny Davidson, professora de inglês e literatura comparativa na Universidade Columbia e grande fã de Reacher, em um email. "O homem com quem gostaríamos de estar, claro, mas também o homem que gostaríamos de ser –alguém sem laços domésticos, sem a carga do trabalho emocional, sem vulnerabilidade que todos de fato temos em nossas vidas cotidianas".
E agora a série de TV está dando vida a esse homem na forma de um bonitão musculoso capaz de satisfazer qualquer fantasia.
"Ele só viaja; vê as coisas que quer ver; come a comida que quer comer", disse Santora. "Conversa com as pessoas com quem quer conversar e ignora as pessoas com quem não têm interesse por falar. Ele mais ou menos vive a vida dos sonhos de todos nós!"
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci